quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

As Mercedes brancas - 230 e 250 (foto)

Minhas Mercedes ( foto)

Highland Park, Ill, 1965

Acordei cedo, lá pelas seis e meia e fui até a janela para ver como estava começando o dia. Arredei uma ponta da cortina e coloquei o nariz no vidro. Gelado. Olhei o termômetro pendurado na coluna de madeira da varanda: -25º.  A neve cobria o jardim até, quase, a altura da janela. Tinha acordado num outro mundo. O mundo do gelo, céu completamente fechado, nem uma frestinha de sol. A claridade do dia vinha comprometida com a massa fechada de nuvens brancas, mas, assustadoras.
Fiz uma barba rápida e tomei uma chuveirada ligeira para sair logo e ver de perto em que mundo estava desembarcando. Meu despreparo era total. Não tinha botas nem mesmo galochas. Paletó, então, só um elegante blazer de casimira. Não dava para enfrentar o frio, muito menos a umidade e a geleira lá fora.
Abri a porta do quarto e o Barney pulou na minha perna. Ele também estava curioso pra ver como aquele brasileirinho iria reagir àquelas temperaturas polares e sem nenhum agasalho apropriado. Mamãe havia tecido umas luvas de tricô até bonitinhas e um cachecol colorido, quando recomendou: “Use, sempre, estas luvas e este cachecol, meu filho. O frio nos Estados Unidos é tremendo, você nem acredita.” Ela tinha razão. Acostumado com o abafado calor de Ribeirão Preto, beirando os + 40º., e o cheiro da cana queimada como açúcar melado, de um dia para o outro, fui amanhecer naquela geladeira aberta.
Arthur estava me esperando para o breakfast, na mesinha da copa. Lorraine, bem disposta, fritava os ovos e o bacon, colocava os pães na torradeira e o Barney observava.
Ele gostava de pão molhado e das sobras da farta mesa de lanches.
Tomamos o café ralo e Arthur me convidou para, com uma enxada e um vassoura dura, limparmos e varrermos o passeio, a entrada da casa e a pista da garagem, se não, o Buicão não sairia do abrigo. Comentou que, se alguém caísse em frente da casa dele, um pedestre qualquer, o lixeiro ou o carteiro, pela falta de limpeza do passeio, a responsabilidade seria dele e lá, as penas são duras para este tipo de displicência e desatenção com o próximo. Hard American rules.
Limpamos tudo, passamos um scratcher nos vidros e nas maçanetas do carro, para soltar o gelo e partimos para a estação de trem.
Muito atencioso, ele me emprestou um casacão preto, com gola de pele, um boné com abas para proteger as orelhas e luvas de couro. Brincou: “Estas suas luvinhas não conseguem impedir que seus dedos congelem e cuidado com o nariz e as orelhas. Viram gelo se não estiverem protegidos.”
- 25º. é frio demais. Felizmente a gente fica pouco tempo exposto pois todas as casas, escritórios e lojas, são aquecidos. 
Chegamos em Chicago às 9 para mais um dia de trabalho no Fórum.

Roberto H. Brandão – 30/12/2010.


GINCANA EM RIBEIRÃO QUE ACABOU NA PRAIA GRANDE

Lembrei-me de uma ótima história acontecida nos anos 1960, ainda em Ribeirão Preto.
Numa tardinha sem qualquer perspectiva tocou a campainha lá de casa e era
o Luiz Roberto Leitão Teixeira, amigo paulista que havia conhecido em Belo Horizonte numa vez que aqui esteve em visita ao José Luiz Andrade. Eles trabalharam juntos numa corretora de valores em São Paulo e ficaram amigos.
O Luiz era um paulistão típico. Era porque nunca mais tive notícia dele e não sei, portanto, se ele mudou nalguma coisa. Ele sempre foi um pouco exibicionista, pois, era conceituado como um grande talento para as operações financeiras e, assim, ficou meio metidinho. Nunca me importei com estas presunções passageiras e convivemos muito bem.
Depois que me mudei para Ribeirão, de vez em quando ele aparecia para um chope no Pinguim, um bate papo animado sobre carros, meninas, etc. Foi um bom companheiro.
Pois é, naquela tardinha apareceu o Luiz cheio de planos. Eu havia contado a ele sobre uma gincana que o pessoal de Ribeirão estava organizando e ele resolveu participar. Alugou um fusquinha em Sampa e se mandou pra terrinha.
Ele não se hospedava lá em casa. Não cabia! Meu quartinho só tinha um sofá de dia que virava cama de noite. Não tinha nem armário, só o violão e um gravador numa mesica ao lado da cama onde eu escutava, toda noite, as melhores do festival de San Remo de 1963. Músicas maravilhosas que eu canto até hoje: Al di La, Il Nostro Concerto, Legatta a um Granello di Sábia, Arrivederci e muitas outras.
Tempo bom aquele...
Assim, o Luiz, Lúcia e eu formamos uma equipe para disputar a ginkana, que constava DCE uma série de tarefas a serem executadas nuns limites de tempo que, quem fizesse o melhor tempo, ganharia. Na verdade, era uma grande farra para movimentar o fim de semana na, ainda pacata, cidade da cerveja. Nossa classificação foi ridícula, embora tivéssemos cumprido todas as ordens. É que a gente dividia as tarefas com uns copos de chopes o que, sempre, atrasava alguns minutos. Uma irresponsabilidadezinha, felizmente, sem consequências.
Mas, deste encontro de brincadeiras, eu e ele combinamos de ir para São Paulo no final da semana seguinte, pois, o Luiz havia conhecido umas alunas do Dês Oiseau, colégio chique de São Paulo e queria me apresentar para a turma.
Ele passou lá em casa na sexta de manhã e partimos para São Paulo, sacolinha forrada de maços de cigarros, um calção, sei lá porquê, e umas roupinhas leves.
Ele dirigia muito bem e, de fusquinha, fomos em três horas da porta lá de casa até a casa dele em São Paulo. Ele ligou o carro, enfiou o pé no acelerador e só o tirou quando estacionamos na garagem da casa dele no Ibirapuera. Trezentos e trinta quilômetros só de estrada. Um recorde!
Falei – “Você é um ótimo piloto. De fusquinha com o pé no talo, fizemos a viagem em pouco mais de três horas.” Ele sorriu e me olhou com uns olhos azuis de gozação: “Você sentiu algum medo? Não, porquê? Olha aqui.” Pisou no freio que foi até o fundo. Não tínhamos nada de freio. Zero freio. Sorriu de novo e falou. “Fizemos em três horas porque eu não tinha freios. Se tivesse...”
Tirei minha sacola do carro e entramos na casa dele. Nothing to say.
 A família dele era muito organizada e disciplinada. O pai, senhor pai de cinco filhos homens, cuidava de todas as informações para o dia-a-dia dos filhos. Os ônibus vão mudar de itinerário, as ruas x e y mudaram de mão, estão tirando os bondes da Teodoro Sampaio, vocês tem que sair mais cedo, etc., etc. Um verdadeiro paizão. A mãe, menos impositiva, cuidava bem da casa e da cozinha.
Era uma ótima cozinheira. Preparou um Cuzcuz Paulista inesquecível.
Não sei como as meninas do rigoroso colégio conseguiram sair. Acho que fugiram, mas estavam, pontualmente, na esquina da Av. Angélica, esperando por nós às 8 da manhã.
Entre sete e oito horas, consertamos o freio da máquina numa oficina de um amigo do Luiz, na esquina da casa dele. Era o “burrinho”que estava com um vazamento.
Como o programa não havia sido combinado e não sabíamos o que elas topariam fazer, levamos calções, camisetas e roupas de praia para convidá-las para o fim de semana em Santos.  Elas eram muito chiques...e, talvez, estivessem esperando um programa mais sofisticado, sei lá, em vez de Santos ir para o Guarujá ou nada disso, só dar uma volta e almoçar num restaurante bacana. Uma incógnita. Nos Estados Unidos eles chamam esses encontros de Blind Date, com razào.
E o encontro deu certo. Convidamos para o fim de semana em Santos e as disseram, uníssono, dormiremos em quartos separados, está bem? Claro, quem poderia pensar de outra forma?
Dois rapazes sedentos de amor e duas quase freiras, também sedentas mas muito comportadas?
E o amor pegou fogo!
Descemos a Via Anchieta comportadamente a 80 km/h, sem qualquer risco, num dia chuvoso, cinza, sem nenhuma graça. Em Santos, decidimos seguir para a Praia Grande, na época inóspita e com muito mais chances de um programinha livre. Sem espectadores nem famílias controladoras. Paramos numa região sem condomínios, bem vazia, e trocamos de roupa atrás do fusquinha, com o maior pudor. Delas, naturalmente!
E fomos nadar. Correr na praia suja e de areia cinza. Sem nenhuma graça. Uma delas perguntou: “Vocês trouxeram alguma coisa pra beber?” Olhei pro Luiz e ele entendeu. As meninas estão animadas, querendo uma aventura mais excitante...
Que ótimo! Tínhamos trazido uma garrafa de vodca escondida debaixo do banco do fusquinha pra não assustar as meninas e eram elas que estavam botando fogo no programa. Abrimos a vodca quentíssima, sem gosto como qualquer outra e resolvemos fazer um piquenique.
E a festa começou! Tudo que era puro e inocente, só na nossa cabeça, claro, na minha e na do Luiz, virou uma grande farra. As meninas resolveram fazer um topless só pra mostrar os peitinhos porque não tinha nem sol...
E aí foi um tal de rolar na areia grossa e suja da Praia Grande até cair a noite.
E agora? Onde vamos dormir? Uma delas sugeriu: “Eu durmo com o Luiz no fusquinha e vocês buscam um canto aí na  praia. Ela é grande, não é?”Brincou.
Foi minha primeira vez sob as estrelas do litoral. Acabei dormindo em muitas outras, aqui e alhures: Ubatuba, Ilha Bela, Puerto Plata na República Dominicana  e Tobago, no Caribe. Sobre a noite na Dominica já escrevi relatando a mais bela visão da Via Láctea que já tive. Só ali, compreendi a dimensão do universo...
Voltando à Praia Grande, hoje um município independente no litoral Santista, conseguimos um belo refúgio no meio da areia e das graminhas que separam a praia do mato. Foi bom. Muito bom.
Aquelas meninas do Dês Oiseau eram muito levadas.