segunda-feira, 6 de junho de 2011

BANHO FERVENDO OU BANHO GELADO

A cidade mineira de Três Pontas abriga a maior feira/exposição da América Latina sobre o café. E lá, outro dia, hospedei-me num hotel/pensão bem singular. Fiz o check-in por volta do meio-dia, com um senhor grisalho, que me informou sobre o que o hotel oferecia aos hóspedes: “Nada”- disse ele, “além da cama de casal e uma caminha de hóspede, ao lado.” “Como nada?”- perguntei estupefato. “Nada, senhor. Só cama limpa, café da manhã e banho quente”- respondeu. Pensei: melhorou muito, então.
Como não tinha alternativa, subi as escadas e caminhei pelo corredor comprido até o quartinho gelado, de número 25, e fui me certificando dos nadas de que me falou. No armário, dois cabides de madeira quebrados e um de lavanderia, com o arame enferrujado. Sem gavetas, somente duas prateleiras pregadas com pregos à vista, onde não pude deixar minhas camisas, com medo de se rasgarem nos pregos. Coloquei-as sobre a caminha reserva. Tinha uma tevê.  P&b? Cores? Era antiga e surrada, mas em cores, felizmente.  Daria para assistir ao jogo do Brasil com a Coréia do Norte, na Copa do Mundo.
Assim, ajeitei minhas coisas no armário infame e fui para a fazenda da EPAMIG, onde estava sendo montada a EXPOCAFÉ 2010.
O ambiente de uma feira na hora da montagem é uma verdadeira loucura, gente correndo de um lado pro outro, marteladas e serras barulhentas o tempo todo, gente chorando, muitos carros se movimentando, estandes sendo levantados, banheiros químicos enfileirados, muita poeira, muita lama, gente rindo, todos dispostos a colocar em funcionamento seus espaços e exibir seus produtos e serviços.
Voltei para o hotel/pensão a fim de tomar umas cervejas e aguardar o jogo do Brasil.
Cerveja? “Só no posto, aqui em frente”. E almoço? “Naquele toldo verde ali na esquina, no quarteirão de baixo.” Fui até lá e, na porta, o “chefe da cozinha”, que vinha subindo a rua correndo, falou ofegante: “Bem-vindo, senhor, escolha uma mesa, que já estão saindo uns bifes quentinhos, farofa e um feijão novinho”. Ele parecia ser filho do que havia me atendido na recepção do hotel. Olhei para o serviço de bufê, onde havia uma panela de arroz branco, ovos e batatas fritas, alface e tomate. Ótimo, pensei, comidinha caseira do sul de Minas. Curioso, não havia nenhuma mesa ocupada! Descobri, depois, que já eram duas da tarde e que o pessoal de lá almoça cedo mesmo, com as galinhas, entre onze e meio-dia. Coisas do interior.
Com isto, fui servido pessoalmente pelo chefe, que trouxe a comida para a minha mesa
e fui atendido como um lorde: com toda a mordomia. Uma senhora, que parecia esposa do senhor grisalho, meu primeiro atendente, trouxe o arroz, o ovo e as batatas fritas para a mesa e perguntou: “Mais alguma coisa, senhor?”
“Não, obrigado, senhora, quanto é?’’ “R$ 5,00” - ela respondeu. Agradeci e fui comprar as latinhas de cerveja no posto de gasolina, para assistir ao jogo. Vitória do Brasil assegurada por 2x1. Fui para a rua ver o movimento. Estava todo mundo doido, com aquelas cornetas horríveis de som e de aspecto: vuvu..., sei lá o quê, bandeiras voando nos carros em disparada nas ruas estreitas e mal calçadas, buzinaço. E o pior, crianças vestidas com as cores verde-amarelo, dependuradas nas janelas dos automóveis como pingentes patrióticos, que, nas esquinas, ficavam com meio corpo pra fora do carro. Uma loucura! Também, o Brasil tinha vencido a partida!
Voltei para o hotel para terminar com as latinhas reservas e me recolher. Estava arrasado com a falta de cuidado dos motoristas/pais/tios/avôs com suas crianças. Além do mais, não gosto das comemorações exageradas.
Com calma, engraxei minha botina e escovei o paletó para a festa de abertura da feira, com a presença do Governador do Estado.
Dormi como um justo e acordei disposto a ir acompanhar os arranjos finais da feira. O frio era de 5o.C e o banho foi antológico, num chuveiro elétrico que ou fornecia três gotas de água fervendo ou seis gotas de água gelada. Decidi, então, entrar e sair do banho nos intervalos da mudança da temperatura: entrava e saía, entrava e saía, entrava e saía, como um gato arrepiado! Quando saí do quarto, surgiu uma mocinha, também parecida com o senhor grisalho, para fazer a limpeza do quarto.
Ah! Havia me esquecido de que no banheiro não tinham colocado sabonetes e quando perguntei sobre eles o dito senhor me informou que havia acabado, mas ia providenciar .Ofereceu então, provisoriamente, uns sabonetinhos que estavam no banheiro da recepção. Eles quebraram o galho.
O café da manhã foi simples, mas, honesto. Pãozinho de sal com manteiga, coalhada,  biscoitinhos e doces caseiros e café com leite. Bem interior mesmo. Concluí que o hotel/pensão era bem de família, pai, mãe, dois filhos, todos trabalhando com muita dedicação para atender bem aos hóspedes. E só.
Na ocasião, lembrei-me de um tio que – contavam - só entrava no banho depois que o vapor do chuveiro quente invadisse todo o banheiro, praticamente tornando-o um forno.
Ah, e sobre ele dizia-se ainda que calçava as meias, sempre, nos mesmos pés, “sabendo” distingui-las, mesmo depois de lavadas, a qual pé cada uma correspondia, a do direito e a do esquerdo. Mais outra excentricidade desse tio que, neste momento, em meio a essas lembranças do folclore familiar, não poderia deixar passar. Para mim, ele era o máximo.
Roberto H. Brandão – junho/2010
Em tempo: Ao final de cada crônica nova, vou tomar a liberdade de sugerir uma das músicas postadas, para servir como back-ground. musical.
Assim, nesta crônica molhada, recomendo Entre dos Águas, do Paco de Lucia, uma execução magistral do grande guitarrista espanhol.