domingo, 12 de fevereiro de 2012

PARIS E OS PONTOS CEGOS

Sobre o assunto “pontos cegos” lembrei-me de uma história acontecida conosco em Paris, no século passado. Estávamos muito excitados, pois seria a nossa primeira viagem à Europa. Compunham o grupo, o Ronald e a Marlene, idealizadores do passeio;
o Ricardo, irmão dele; o Márcio e a Beth, o Henrique e a Maria Ida, o Aloísio e a Maria Carmen, a Carminha e a irmã Sônia, e este escriba.
Foi assim. O Ronald apareceu com a oferta de passagens e estadia com tarifas baixíssimas que haviam sido oferecidas a ele, lá no Rio. Na época, ele ainda morava lá. A companhia aérea era a British Caledonian, que já não existe mais. Os hotéis, pode-se dizer, eram de poucas estrelas. Ficamos hospedados no Hotel Du Louvre, na época bem simples. Não tinha nem banheiro no quarto e as toalhas eram distribuídas num carrinho que a Maria Carmen chamava de automobile. Hoje é um luxuoso hotel, tradicional, e numa das melhores esquinas de Paris, no início da Avenue de l`Opera.
Arrumamos as malas, trocando ideias para enfrentar um frio de zero a dez graus, em pleno mês de janeiro, no agradável inverno europeu. Tudo era novidade para nós.  Os preparativos para a viagem foram excepcionais, afinal era a primeira para o Velho Mundo: cada um buscando a melhor sugestão, de acordo com o próprio interesse; lendo muito, conversando com outros, com Guides Michelin pra todo lado e reuniões diárias, cada dia na casa de um, para preparar tudo com cuidado.
O Luiz Gonzaga, amigo do Henrique/Maria Ida, muito criativo, então, recém-chegado de Paris, sabendo da nossa viagem, contou-lhes que havia escondido uma gárgula em determinado ponto do Caveaux dês Oubliettes, uma ruína da Segunda Guerra encravada numa igreja, a Saint Julien lê Pauvre, no Quartier Latin. Para provar que estivemos lá, teríamos que descobrir a estatueta e trazê-la de volta.
Era uma viagem rápida, uma semana em Londres e outra em Paris. O suficiente para abrir as portas europeias e nossas cabeças para nunca mais deixarmos de visitar aquelas maravilhas, pelo menos, uma vez por ano.
Em Londres, no modesto Kensington Hotel, hoje reformado e muito luxuoso, a um quarteirão do Hide Park, provamos da cerveja Ale quase quente, misturada com a Guinness, que os ingleses adoram. Ouvimos discursos no caixote dos inúmeros speakers corners lá espalhados, pregando suas doutrinas excêntricas, e ainda culminamos nossa presença numa apresentação da Dionne Warwick, no Royal Albert Hall. Uma verdadeira glória musical. Ah! Conhecemos também o famoso pub onde o Sherlock Holmes tomava seus goles, na Baker Street; percorremos a feirinha de antiguidades da Porto Belo Road e muito mais. Claro, tudo debaixo de uma chuva fina e envolvidos pelo fog, inevitáveis na capital inglesa.
Numa gelada manhã de domingo, voamos para Paris. Lá, entre os muitos passeios formidáveis - Tour Eiffel, Toulleries, Musée du Louvre, Av. dês Champs Elisées, L´Arc de Triomphe, Place du Tertre, Pigalle, restaurantes gregos e italianos no Cinquième -, o Aloísio e a Maria Carmen nos convidaram para assistir à apresentação de uma orquestra sinfônica no teatro da Ópera. Os ingressos de última hora sempre são muito difíceis, mas eles decidiram arriscar porque era um concerto wagneriano, portanto, imperdível. Chegaram à bilheteria e foram informados de que só havia assentos aveugle. Marinheiros de primeira viagem e não acostumados às platéias dos grandes concertos, os dois acharam até razoável a venda de ingressos mais baratos para os cegos. E como eram os únicos que restavam, perguntaram se poderiam comprá-los e a mocinha, muito solícita, disse que sim, lógico, e que iriam adorar a apresentação. Assim mesmo, sentados atrás de uma parede e sem ver o palco, foi uma delícia ouvir Wagner, em Paris, ao som da magnífica orquestra, se ainda me lembro, sob a regência de um maestro austríaco.
Com essa analogia maluca, excêntrica nos tempos e nos lugares, fui provocado pelos comentários correntes na imprensa local sobre os “pontos cegos” do Estádio Independência. Creio que, mesmo com um bom rádio, é impossível ir-se ao campo de futebol sem ver a partida. Será?
E a gárgula voltou para Belo Horizonte, sã e salva.
Belo Horizonte, fevereiro/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Il n’y a qu’une antistrophe entre femme folle `a la messe et femme molle `a la fesse.
François Rabelais