O DESTINO DE
CADA UM
Encontramos uma vez, o Roberto Brant e eu, com
o Mileto, irmão do meu querido afilhado João Stamatto, num Scotch Bar na Av.
Angélica, em São Paulo.
Ele tocava clarineta/saxofone na banda do
Hermeto Paschoal. No intervalo, ele foi até a nossa mesa, nós dois
felissíssimos, pois não nos víamos há muitos anos e o convidei para sentar e
tomar um drinque conosco. Ele agradeceu e disse que os músicos não podiam beber
no recinto. Heim? Então, o convidamos para tomar uma cerveja lá fora, no bar da
esquina. Topou na hora. Em pé, no balcão de mármore encardido de um velho bar
paulista, tomamos umas cervejas deliciosas e recordamos as mil e uma noites em
que, em Ribeirão Preto, tocamos
na noite e fizemos serenatas, com certeza, per
tutti belle donni de la cittá. Naquele momento solene de um encontro de
dois grandes amigos a conversa fluiu no mesmo timbre e nível daqueles tempos e
ele, subitamente me perguntou: “Você está fazendo o quê?” Respondi, hesitante:
“Eu sou advogado, e você?” Ele me olhou no fundo dos olhos e, desafiadoramente,
respondeu: “Eu sou músico!”. Quase batendo no peito de orgulho por ter
escolhido uma profissão maravilhosa e de acordo com sua formação prática na
vida. Nós tínhamos passado metade da vida tocando e cantando juntos em
Ribeirão e em quase todo o
interior de São Paulo: Franca, Araraquara, Campinas, Jundiaí, Sertãozinho e
muitas outras. Nós éramos os músicos da época. E esta frase dele foi tão forte
pra mim que uma furtiva lágrima escorreu no meu olho esquerdo. Uma só. Ele não
viu mas o Brant percebeu e ficou quieto, não fez nenhum comentário. Bebemos
mais uma só, ele tinha que voltar para finalizar a apresentação da banda.
Voltamos à nossa mesa e tomamos um derradeiro drinque, pois, eu estava
arrasado. Voltamos para o Hotel sem dar uma palavra. O Brant foi muito sábio,
não comentou nada.
Afinal, foi uma escolha minha, ao invés de ser
músico, tinha decidido ser advogado. E bem que tive chances, muitas. Nos
Estados Unidos, numa determinada época, um pouco antes daquele encontro, havia
lecionado violão para uma brasileira, Valucha, cantora e artista plástica que
morava em Chicago e que me conseguiu um emprego de professor de violão na Folk and Country School of Music,
em Chicago, onde poderia ter iniciado a carreira. Ela e eu gravamos um LP, capa
desenhada por uma artista local, com 18 músicas que nunca soube do paradeiro
dele. Encontrei um apartamentozinho em
Old Town, zona boêmia da cidade, para morar e começar minha carreira. Nada
disso. Não deu certo. Eu era apaixonado demais! Abandonei o projeto.
E assim, com a paixão e pela paixão,
transformei um músico razoável num advogado medíocre que acabou transmudado,
com o tempo, num publicitário de relativo sucesso. Ces’t le destin. Coisa inexplicável, mas,
irreversívelmente, verdadeira.
Naquela hora, aprendi uma lição definitiva.
Nunca pergunte sobre o destino de alguém quando você não tiver a resposta que
gostaria de dar. Fatalmente, ele vai devolver a pergunta, e aí, você chora.
Chora mesmo, porque a gente não consegue mudar o próprio destino, este traço
que alguém risca para nós e pronto.
Ninguém consegue. Sem nenhuma filosofia
barata: de onde vem isto?
FRASES,
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“É preciso fazer o mundo
inteiro cantar. A música é tão útil
como o pão e a água.” Heitor Villa-Lobos