O RENATINHO
Lembro-me de que
nos encontrávamos todos os dias depois da aula. Cada um saía do seu
ginásio/científico/clássico, para um papo descontraído na Rua Arruda Alvim, no
bairro de Pinheiros, em São Paulo.
Nosso ponto de
encontro era num degrau na entrada de uma Vila vizinha à casa da Marília.
Naquele degrau, que cabiam uns três, ficávamos conversando sobre os
acontecimentos do dia e a programação para a semana. Uma rotina que ocorreu -
pelo menos para mim -, por uns dez anos
até quando me mudei para Belo Horizonte, no início dos anos 1959.
Numa cidade que
começava a se transformar numa grande metrópole, jovens dos quinze aos dezenove
anos, nossas únicas preocupações eram com a frequência às aulas - só com a
frequência porque as notas passavam longe de nossas cabeças. Estas eram uma
preocupação somente para o final do ano por causa dos riscos de bomba e
segunda-época que, na realidade, não nos abalavam. No meu caso, foram duas
bombas seguidas, no primeiro científico do Colégio Mackenzie. O que nos interessava
mesmo era o dia-a-dia. Sem saber, já praticávamos o existencialismo sem
filosofia de “viver o aqui e o agora”. Vivíamos o presente, nada mais. As nossas namoradas eram as mais lindas e
numa variedade enorme de cores e raças. Quanto mais variedade, melhor; no
entanto, sempre mantínhamos um namoro sério com uma delas. Eram as nossas
eleitas. Naquele papinho descontraído da turma, combinávamos uma cerveja mais
tarde no “Bugre”, restaurante Caverna do Bugre, que ficava na Av. Teodoro
Sampaio, debaixo do apartamento onde eu morava.
Certo dia, o Ná e
eu estávamos tomando uma cerveja no Bugre quando minha irmã Lúcia entrou
assustada e disse “Maninho, papai falou que vamos nos mudar de novo para Belo
Horizonte porque ele pediu demissão da Faculdade.” Ficamos arrasados e num
ímpeto de coragem resolvi registrar aquele dia fatídico na parede no Edifício
São Miguel Arcanjo, onde morávamos. Pedi um prego o Sêo Alexandre e lá fomos, eu e o Ná, procurar um lugar para
registrar o acontecimento. O prédio tinha as paredes com acabamento irregular,
mas na esquina, bem perto do portão verde de ferro, achamos um espaço lisinho
onde registrei a minha despedida.
Sessenta anos
depois, numa viagem de negócios a São Paulo, reencontrei o Ná no velho
Bugre. Em determinado momento ele quis
me mostrar alguma coisa e me levou lá fora.
Resistente às inúmeras demãos de tinta e meio apagada lá estava a minha
frase: Fui fácil, 1959.
Ná, querido
amigo, descanse em paz.
Belo Horizonte,
fevereiro de 2016.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A vida é um
palco. Nós todos somos atores. W.
Shakespeare