quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O RENATINHO
Lembro-me de que nos encontrávamos todos os dias depois da aula. Cada um saía do seu ginásio/científico/clássico, para um papo descontraído na Rua Arruda Alvim, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.
Nosso ponto de encontro era num degrau na entrada de uma Vila vizinha à casa da Marília. Naquele degrau, que cabiam uns três, ficávamos conversando sobre os acontecimentos do dia e a programação para a semana. Uma rotina que ocorreu - pelo menos para mim -, por uns dez anos  até quando me mudei para Belo Horizonte, no início dos anos 1959.
Numa cidade que começava a se transformar numa grande metrópole, jovens dos quinze aos dezenove anos, nossas únicas preocupações eram com a frequência às aulas - só com a frequência porque as notas passavam longe de nossas cabeças. Estas eram uma preocupação somente para o final do ano por causa dos riscos de bomba e segunda-época que, na realidade, não nos abalavam. No meu caso, foram duas bombas seguidas, no primeiro científico do Colégio Mackenzie. O que nos interessava mesmo era o dia-a-dia. Sem saber, já praticávamos o existencialismo sem filosofia de “viver o aqui e o agora”. Vivíamos o presente, nada mais.  As nossas namoradas eram as mais lindas e numa variedade enorme de cores e raças. Quanto mais variedade, melhor; no entanto, sempre mantínhamos um namoro sério com uma delas. Eram as nossas eleitas. Naquele papinho descontraído da turma, combinávamos uma cerveja mais tarde no “Bugre”, restaurante Caverna do Bugre, que ficava na Av. Teodoro Sampaio, debaixo do apartamento onde eu morava.
Certo dia, o Ná e eu estávamos tomando uma cerveja no Bugre quando minha irmã Lúcia entrou assustada e disse “Maninho, papai falou que vamos nos mudar de novo para Belo Horizonte porque ele pediu demissão da Faculdade.” Ficamos arrasados e num ímpeto de coragem resolvi registrar aquele dia fatídico na parede no Edifício São Miguel Arcanjo, onde morávamos. Pedi um prego o Sêo Alexandre e lá fomos, eu e o Ná, procurar um lugar para registrar o acontecimento. O prédio tinha as paredes com acabamento irregular, mas na esquina, bem perto do portão verde de ferro, achamos um espaço lisinho onde registrei a minha despedida.
Sessenta anos depois, numa viagem de negócios a São Paulo, reencontrei o Ná no velho Bugre.  Em determinado momento ele quis me mostrar alguma coisa e me levou lá fora.  Resistente às inúmeras demãos de tinta e meio apagada lá estava a minha frase: Fui fácil, 1959.
Ná, querido amigo, descanse em paz.
Belo Horizonte, fevereiro de 2016.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

A vida é um palco. Nós todos somos atores. W. Shakespeare