Acordei no sábado, dia 16 de dezembro de 2006, com uma música na cabeça, no coração e na boca: Misty. Passei o dia e a noite de sábado, o domingo inteiro e a segunda, cantando Misty, envolvido com sua melodia suave e a letra pra lá de romântica. Na terça-feira seguinte, assistindo ao programa do David Letterman, pela televisão a cabo, ouvi dele a seguinte notícia: “Sábado passado, foi comemorado o cinquentenário de lançamento do antológico LP Heavenly, magistralmente interpretado por Johnny Mathis e que marcou época com a música Misty, no coração de diversos casais de namorados.” A data desse lançamento fora 16 de dezembro de 1956. Fiquei abismado com a coincidência da provocação da minha memória com tal aniversário.
Música é um assunto importante na minha vida. Importantíssimo. Todos os dias, logo pela manhã, depois da barba e do banho, mantenho ligado o rádio da sala, numa emissora bem musical, enquanto tomo o café da manhã. No trabalho, na minha casa, ao lado do computador, tem sempre um rádio já sintonizado na mesma estação. Portanto, é música o tempo todo. Ainda, quando saio, o rádio do carro já está conectado na chave de ignição e a música vai variando entre as rádios e cds. Com todo esse envolvimento, a coincidência foi demais.
Busquei, então, na minha velha e boa coleção de Lps, o Heavenly, datado de 1960. Tenho o hábito de datar essas compras e agora vejo como é útil este procedimento, pois devo tê-lo comprado logo que foi lançado. Naquela época, as gravações demoravam um pouco para serem reproduzidas no Brasil.
Recolhi-me no meu canto, munido de diversas latinhas de cerveja bem gelada e comecei a ouvir o bolachudo. Nenhum arranhão, apesar de ter sido ouvido, intensamente, durante mais de 40 anos. Passei a tarde/noite ouvindo Misty e decidi presentear meus amigos, neste Natal, com uma cópia em CD. Passei a telefonar para cada um deles e contar sobre a boa nova. Consegui falar com a Lúcia, o Celinho e o Zé Carlos. Ninguém mais me atendeu, nem o Eloy, nem o Brant, nem o Carlos Alberto, nem o meu compadre Flávio que, como todo interiorano, agora dorme cedo. Também, já passava da meia-noite. Alguns retornaram meu chamado, no dia seguinte. O primeiro deles foi o Márcio, que ficou muito feliz com a notícia e revelou que a música tinha sido muito importante na vida dele com a Beth, na época do namoro. Enquanto falava com o Márcio, o Ronald chamou duas vezes. Liguei pra ele e relatei o acontecido. Ele me disse: “Pois é, Roberto, tome nota aí, porque tem mais uma coincidência incrível. Considero Misty a minha música. Em qualquer lugar que eu entro, onde tenha um conjunto, orquestra ou músicos tocando, instantaneamente, começam a tocar Misty. É impressionante! Outro dia, por exemplo, estava em Nova York quando soube da apresentação do Erroll Garner num daqueles night-clubs da Broadway. Consegui, com muita dificuldade, um lugar numa mesa e corri pra lá. O show foi ótimo, pois, além de Misty, ele tinha composto diversos outros clássicos da música americana. Tocou todos, menos Misty e fiquei decepcionado, pois não era assim que acontecia comigo. Num ato de coragem, levantei-me e pedi: Mr. Garner, could you please play Misty? Of course. And I`ll do it specially for you - respondeu ele. Ganhei, assim, uma homenagem única do autor da minha música, que tocou dirigindo-se a mim o tempo todo. Foi um concerto quase particular, trocando olhares com Mr. Garner. Como você sabe, é essa coisa de músico...” E completou: “Tenho diversas gravações de Misty, mas não tenho a do Johnny Mathis.”
Ah! E ele ainda me contou outra. Disse que um dia estava jogando vôlei na praia, lá no Rio, e sentou-se pra tomar água, ao lado do grande escritor Fernando Sabino, que jogava no outro time. Conversa vai, conversa vem, começaram a falar sobre música. O Fernando tocava bateria muito bem e até tinha um conjunto amador, de jazz, com amigos. O Ronald acabou lhe contando esse episódio com o autor de Misty, que também lembrou outro semelhante que havia acontecido com ele, também em Nova York. Naquele momento na Big Apple, estava acontecendo uma apresentação do grande maestro Tommy Dorsey, por quem ele era fanático. Mr. Dorsey foi um dos maiores e melhores band-leaders americanos, de todos os tempos. Assim, o Fernando lutou para conseguir um ingresso para o espetáculo e conseguiu uma cadeira num daqueles gargarejos do Carneggie Hall. O ótimo cronista tinha, também, sua música preferida no repertório do maestro, que também não foi tocada naquela noite. Meio sem graça, mas com a mesma coragem do Ronald, levantou-se no meio da platéia e gritou: Mr. Dorsey, what about We`ll get it? O maestro respondeu-lhe: Ok, Mister unknown, I`ll play it specially for you. E, flertando com o Sabino, dedicou-lhe a canção, orquestrada magistralmente.
Para atualizar minha forma de reverenciar a linda canção, corri na Acústica e encomendei uma cópia em CD do meu antigo LP.
Belo Horizonte, dezembro/2006.
MISTY (lyrics)
(para quem quiser cantar junto com a música que está na listagem do blog)
Look at me, I`m as helpless as a kitten up a tree,
And I feel like I`m clinging to a cloud, I can´t understand,
I get misty, just holding your hand.
Walk my way, and a thousand violins begin to play,
Or it might be the sound of your hello, that music I hear,
I get misty, the moment you´re near.
You can say that you´re leading me on,
But it`s just what I want you to do,
Don`t you notice how hopelessly I`m lost
That`s why I`m following you.
On my own, would I wander through this wonderland alone,
Never knowing my right foot from my left, my hat from my glove,
I`m too misty, and too much in love
I`m too misty, and too much in love.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Il n’y a qu’une antistrophe entre femme folle `a la messe et femme molle `a la fesse.
François Rabelais
