domingo, 27 de março de 2011

O SONHO DO BILHETE PREMIADO

Estou me lembrando, hoje, da primeira e única vez em que ganhei na loteria.
Nos idos de 1966, morava na casa da Carminha e trabalhava no recém-instalado Escritório Dr. Manuel Hermeto Jr., instalado na sala 204 do Ed. Araújo Silva, na Av. Afonso Pena, quase esquina da Praça Sete. Meu tio, o Dr. Manuel, também meu padrinho de batismo, resolveu re-ativar sua banca advocatícia para me ajudar e ensinar, pois eu tinha acabado de me formar na gloriosa Faculdade de Direito do Sul de Minas, em Pouso Alegre, no sul do Estado.
Eu vinha de uma bolsa de estudos, nos Estados Unidos, onde havia frequentado um estágio no poderoso Arthur Chapman & Associates, escritório conceituadíssimo de advogados em Chicago, Illinois. Estava, como se diz hoje, com as balas na agulha. Papai e mamãe moravam em Ribeirão Preto e a Lúcia havia se casado com o Dorival e moravam em São Paulo.
E eu morava na casa do Dr. Célio e D. Santa, à Rua Olímpio de Assis, 77, na Cidade Jardim, uma bela construção em estilo moderno. Eu dormia no quarto dos meninos, o José Carlos e o Celinho e, eventualmente contávamos com a companhia do Rogério, primo deles, que dormia num colchão no chão, coberto até a cabeça com o lençol.
Todo dia, acordava bem cedo. Depois de um banho rápido, tomava o café e descia a rua para pegar o ônibus elétrico na Rua Conde Linhares. O trajeto era rápido e, em dez minutos, já estava desembarcando na Praça Sete. Foi neste caminho até o escritório, que me seguiu um vendedor de bilhetes, insistente e atrevido que, de tanto falar, me convenceu a comprar uma tirinha. Eu nem tinha dinheiro para comprar nada, mas ele foi me seguindo e dizia: Vai correr agora, doutor – não perca esta oportunidade. Doutorzinho, quando chegar no seu escritório, o seu Antônio já poderá estar escrevendo o número do seu bilhete no quadro. Olha aqui, doutor, é o ano do seu nascimento. É sorte na certa. E o bilhete é do cavalo, claro que vai dar...
Ele me conhecia e sabia da proximidade do nosso escritório, a que horas eu chegava e saía, alguns dados pessoais, etc., pois tinha perguntado ao meu tio. Era um vendedor vivo e atento.
Passei em frente do Banco da Lavoura e pensei, se ganhar, ainda compro este banco. Encorajei-me, enfiei a mão no bolso e vi que dava para comprar uma tirinha e ainda sobravam uns trocados para o ônibus da volta. Assim, para me livrar dele, comprei uma tirinha, das três que sobravam do número 42.741. Enfiei-a no bolso e fui trabalhar. Na verdade, era um trabalho efêmero, pois ficava sentado no escritório esperando um reclamante de algum direito – trabalhista, cível, criminal, administrativo – qualquer um, para contar sua história e ver se tinha algum direito a reclamar. E os clientes eram raríssimos.
Naquele dia, fiquei sentado contando as moscas no teto até o meio-dia, quando desci para almoçar. No térreo do meu prédio, funcionava a casa lotérica Campeão da Avenida, que vendia bilhetes e apresentava os resultados do dia num quadro negro, acima da fachada da vitrine. O Sr. Antônio, a quem o bilheteiro havia se referido, de terno azul-marinho muito surrado, uma gravata suja, apertada e torta, camisa suada, sapatos com a meia-sola já furada, subia a escada à frente da loja e, com um papelzinho na mão, ia lendo os números e escrevendo na lousa, a partir do quinto prêmio, para causar sensação. Como o meu bilhete era o do sorteio do meio-dia, fiquei em pé no passeio, esperando o resultado.
O Sr. Antônio tinha um estranho sestro para escrever os números. Ele lia primeiro, silenciosamente; depois, com os lábios, ia acompanhando a escrita no quadro. Número quatro, ele mexia os lábios para frente e para trás quatro vezes, número dois, mexia duas vezes, e assim, demoradamente, escrevia todos os resultados. Uma multidão sempre se acomodava em frente da loja, no passeio e até na rua, para assistir ao funcionário lançar os números. Também eu fiquei acompanhando o ritual, emocionado, com minha tirinha na mão.
Quando já estava no segundo prêmio, ele começou a mexer os lábios e escrever, quatro,
Dois - fiquei gelado – sete ... arregalei os olhos - quatro... quase desmaiei e, finalmente, um. Ganhei!
Dei um pulo e entrei correndo na loja para resgatar o meu prêmio. Naquela fração de segundo, me senti milionário. Vi-me comprando um carro Mercedes zero km, me casando com a Carminha e comprando uma casa, também na Cidade Jardim, com ternos de casimira inglesa do Hermano, camisas da Casa Alberto, gravatas inglesas Dunhill, francesas Cardin e italianas Pozanni e sapatos novos do Petrika e do Altemio Spinelli, no armário; almoçando no Cipriani’s, em Veneza, e jantando no Alfredo’s, em Nova Iorque. Enfim, sonhei todos os meus sonhos diários, naquele interminável segundo. Enquanto apresentava a tirinha ao caixa, sonhei que tinha chegado de um passeio de iate pelas Ilhas Gregas e que tinha trazido uma mala grande vazia, só para carregar a bufunfa! Que nada, ao recebê-la, continuava tão pobre quanto antes, só com um dinheirinho a mais para pegar os ônibus elétricos e, talvez, comer uma coxinha no Café Nice, no meio da tarde, para matar a fome.
Ganhei uma mixaria, mas me emocionei demais e valeu a pena, ter a sensação de ser milionário, pelo menos num segundo. Humilde, guardei o dinheirinho no bolso de cima do paletó - era tão pouco! -, e fui almoçar.