MORAR NA AMÉRICA I
Fui convidado para uma festinha, reunião dos bolsistas brasileiros em Highland Park.
Era uma espécie de congraçamento da turma que já morava naquela cidade há um mês, como hóspedes das famílias locais. O programa chamava-se Experiment in International Living e cumpria, com excelente resultado, esta meta.
O violão, claro, era o meu cartão de visitas, meu intérprete, meu abre-alas, meu tudo. E, com ele, enfrentamos a gelada noite de – 25º, naquela cidadezinha ao norte de Chicago. Entre ruas enlameadas de neve e chuva, chegamos à casa dos Boyle. Fomos todos apresentados e o Roberto convidado a tocar umas músicas brasileiras para os vizinhos e amigos. Na época, eu era um craque. Sem qualquer modéstia que, graças a Deus, nunca tive. Toquei algumas músicas para os gringos, que mal sabiam sobre a bossa-nova, ainda insipiente naquela terra. Uns afro-sambas do Baden que já chamavam, um pouco, a atenção das simplórias famílias ali reunidas. Eis que, num pulo, surge uma mulher bonita na minha frente. Olhando bem fundo nos meus olhos, ela falou: “Eu sou de Juiz de Fora, e você?”. “Eu sou de Belo Horizonte. Você mora aqui?” “Me casei com o Frank - apontou para o marido - e moro em Chicago há quinze anos. Você gostaria de gravar um disco comigo?” “Heim?!? Gravar um disco nos Estados Unidos?” “Claro, você canta, toca algum instrumento?” “Eu canto”, disse ela. “Este é o meu primeiro disco.” E me deu de presente um LP Frank & Valucha. “E o segundo, gostaria que fosse com você. Vamos gravar amanhã?” “A que horas, onde e como vamos fazer para ensaiar?”, indaguei. “Não precisamos ensaiar, não. Sai tudo na hora. É só você levar as letras dessas músicas, que ainda não conheço.” Ok. Dei meu telefone a ela, da casa dos Chapman, onde estava hospedado, e combinamos um encontro em Chicago, no dia seguinte, à tarde. Fiquei baratinado. Vou gravar um LP nos Estados Unidos. E nem bem cheguei aqui, pensei.
No dia seguinte, violão nas costas e orientado pelo Arthur entrei no metrô para me encontrar com a Valucha, seu nome artístico. Ela me esperava na saída da estação com uma amiga, que me apresentou e explicou: “Ela é desenhista e vai fazer a capa do nosso disco.” Pensei comigo: Ainda bem que estou vestindo minha melhor blusa.
Uma gola rolê, azul marinho, que acabei perdendo, tempos depois, numa aventura na Praia Grande, a bordo de uma motocicleta.
Gravamos dezoito músicas acompanhados por dois músicos amigos dela, que tocavam flauta e contra-baixo. Um quarteto bem excêntrico, duas vozes, um baixo e uma flauta transversal. E o repertório: Samba de uma nota só, Desafinado, Canto de Ossanha, Berimbau, Garota de Ipanema, misto de afro-sambas e bossa-nova, que eram todas as que estavam começando a ser tocadas na América. Pensei: Vamos explodir de vender.
Enquanto cantávamos, a amiga dela, Joyce, desenhava sem parar. No final da gravação, apresentou um lay-out muito bacana. Nós dois cantando e os músicos, ao fundo, acompanhando os cantores com uma cara boa, alegres e felizes. Ela usava um chale mexicano, jogado nos ombros, que fazia um efeito fantástico.
Dali, saímos direto para Old Town a fim de arrumar um apartamento para eu morar, pois o sucesso parecia iminente.
Arrumamos um quarto e sala mobiliado, bem baratinho, e ela me prometeu um emprego como professor de violão na Chicago Folk & Country Song’s School of Music.
Consegui o emprego fácil depois de tocar Berimbau e Canto de Ossanha do Baden e do Vinícius. Na época, eu estava uma bala no violão.
Fiquei imaginando minha vida em Chicago, LP fazendo sucesso no Hit Parade, aulas de violão a US$ 15 por hora, no centro da boemia. Era o que tinha pedido a Deus!
E quase deu certo.
Não deu por quê? Depois eu conto.
Roberto H. Brandão - janeiro 2011