No casamento, creio, um dos melhores momentos é o da lua-de-mel.
Por diversos fatores. Os noivos, certamente apaixonados, estão com todas as balas nas respectivas agulhas, prontas para serem detonadas. Principalmente, se tratarmos de casamentos realizados antes da revolução das pílulas anticoncepcionais, ocorrida na década de 60.
A virgindade ainda era considerada como um fator de reconhecimento para o marido de que aquele santo material ainda não tinha sido descoberto! Pura besteira. Mas as regras que moviam as relações homem/mulher ainda estavam atreladas à preservação da virgindade, até mesmo a masculina, em alguns casos mais exigentes e conservadores.
Portanto, para virgens ou não, a lua-de-mel era o momento cruciante da relação.
Se fossem, ótimo e se não fossem, ótimo também.
Assim, programamos nossa lua-de-mel a bordo do extraordinário navio Júlio Caesar, da frota de uma empresa marítima italiana, numa viagem do Rio para Montevidéu, Punta del’Este e Buenos Aires. Volta direta pelo Cabo de São Roque, navio-transatlântico um pouco menor de uma empresa espanhola, mas, ainda assim, bem confortável.
Mas, que desastre! Vejam só.
As cenas românticas dos filmes hollywoodianos, sempre mostravam casais recostados nas grades de proteção do convés dos navios, em cenas de longos beijos ao luar pleno de claridade e enlevo. Olhares ternos e suplicantes: Quero mais, mais e mais...
Só mesmo os atores conseguiam viver este fantástico idílio amoroso porque, com certeza, nos estúdios cenográficos não ocorria o balanço ininterrupto e loucamente enjoativo dos navios em alto mar. Principalmente na passagem do Cabo de Santa Catarina, no roteiro citado, onde os navios viram uma casquinha sobre as águas revoltas e frias da corrente de Humboldt, que sobe do Pólo Sul até a costa brasileira e se amplifica no litoral catarinense.
Embarcamos, com os planos concebidos para uma viagem inesquecível. E foi mesmo. Até hoje me lembro, 43 anos depois...
A primeira noite, razoável. Veja bem, razoável. Pela manhã, vestimos as roupas de banho e fomos para a colazione del mattino, no imenso restaurante. Do bufê fartíssimo, só consegui comer uma pequena maçã e ela uma pera. Nada mais, nem café, que só o cheiro já nos enjoava. Deixa pra lá, vamos nadar que esse enjôo melhora. Quando chegamos na piscina, repleta de banhistas felizes, olhamos para a água, que balançava descontroladamente, vimos e sentimos o que devia estar acontecendo nos nossos estômagos. Meia volta e corremos pelo longínquo corredor até o camarote para a primeira liberação da comida. Não vou dizer o nome para não estragar a história. Suamos bastante, mas ficamos livres daquela refeição sumária da manhã. Resolvemos permanecer no quarto e só sairmos na hora do almoço que era anunciado alto e bom tom, pelos alto-falantes de bordo: L´ora di pranzo, l´ora di pranzo, com um sino no fundo. Saímos ressabiados do camarote e nos sentamos à mesa para o lauto almoço. Queixamo-nos do enjôo ao chefe que nos aconselhou a comer somente massas, comidas mais sólidas, frutas carnudas, enfim, nada de líquidos, sopas, etc.
Pronto, pensei, estamos resolvidos. Servimo-nos das deliciosas sugestões do chefe e voltamos para a mesa. Não deu tempo. Na primeira garfada a correria. E assim foi durante os três dias e três noites até Montevidéu, onde pisamos em terra firme. Conseguimos almoçar e, em Punta del’Este, jantar. Nada como um chão firme.
Mais uma noite a bordo e aportamos em Buenos Aires, para dez dias de ótimas comidas, bebidas finíssimas, tangos, boleros e tudo o mais.
Na volta, a mesma correria marítima até o Rio de Janeiro. Enfim, salvos.
Roberto H. Brandão – janeiro/2011