HÁ SESSENTA ANOS
Numa fria manhã, às 07h15, abri a porta pesada
de ferro do Edifício São Miguel Arcanjo, à Rua Teodoro Sampaio, 316, no bairro
de Pinheiros, em São Paulo. Meu destino era o Ginásio Castro Alves,
três quarteirões abaixo. No meio do primeiro, passei em frente ao prédio onde
moravam as irmãs Maud e Gilda, filhas de franceses, que adoravam um ménage d´amour. A primeira, branquinha, muito gostosa
e muito sem vergonha, que adorava aqueles beijos de língua bem demorados, que
lambiam desde o céu da boca até o sininho da garganta, que tocava em sinal de
prazer e júbilo. A outra irmã, gordona e bancária, às vezes, também se
insinuava, mas ninguém a queria, pelas medidas e também pelo peso daquele
trambolho em cima de nós, meninos de 15, 16 anos, imberbes e fraquinhos.
Na porta do armazém, logo após a entrada do
apartamento das irmãs, senti muito frio com a garoa fina, que molhava meu corpo
de jogador de basquete do primeiro time do Ginásio, junto com o Aquiles e o
Jalil, alas; o Pega-Balão, pivô; e o Claudinho, ataque. Que timão, aquele! Na
esquina da Rua Oscar Freire, entrei no botequim do Auro e comi um pedaço de
pizza de muçarela com tomate, especialidade da casa. Com certeza, a melhor
pizza da minha vida! Era o meu café da manhã, pois, a mamãe já estava de pé,
mas, muito atarefada para despachar o papai para a Faculdade de Higiene, a um
quarteirão acima lá de casa. Papai também ia a pé, porque o carro dele, um Mercury
1950 preto, do ano, ficava guardado na garagem da Faculdade, pois, nosso prédio
não tinha garagem, como a maioria dos predinhos novos de São Paulo, na gloriosa
década de 50. O carrão só andava aos sábados e domingos, quando saíamos para um
passeio ao Jardim Zoológico ou ao recém-inaugurado Parque do Ibirapuera.
Fui descendo a rua e, no quarteirão seguinte,
passei pela casa do Renatinho, num prédio pequeno, com uma entrada estreita, ao
lado do bar do Auro, onde havia uma escada íngreme para chegar ao pequeno
apartamento de quarto e sala, onde morava com a tia. Ele ficou órfão de pai e
mãe ao sobreviver a um acidente de carro, na Via Anhanguera, quando os dois se
foram.
Mais abaixo, na esquina com a Rua Alves
Guimarães, a Casa Jorge, onde a mamãe comprava os tecidos e aviamentos para
suas obras de arte. Madame
Brandão, dizia seu cartãozinho de visitas, era mestra na alta costura.
Tirava os moldes da revista Burda e copiava com competência os modelos lançados
em Paris, por Pierre Cardin, Lanvin e outros não menos famosos.
As lojas iam se abrindo: portas de correr, de
subir, de aço, de madeira, enormes cadeados e fechos. Os paulistanos, ávidos
por começar o trabalho, olhos inchados do pouco sono, cabelos desalinhados da
manhã, iniciavam mais uma jornada na cidade escura e úmida.
A Livraria do Renatão e do Waldir, do outro
lado da rua, continuava fechada, pois, muito boêmios, os dois deviam estar
curtindo a brava ressaca da noite anterior.
Mais um quarteirão e, na esquina, o Ginásio
Castro Alves, quando tive que correr para pegar o portão aberto para não perder
a chamada para a primeira aula. Com o Latim, começamos o dia letivo.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“O público é uma besta feroz.
Deve-se enjaulá-lo ou fugir dele.” Voltaire