
MANGA PELA MANHÃ
Certa manhã, deparei com dois verdadeiros “sugismundos”. Os dois, um casal, comendo mangas, assentados nos bancos da frente de um VW azul, estacionado debaixo de uma centenária paineira, no bairro Santo Agostinho. Constatei, depois, que estavam fazendo hora para bater o ponto na repartição pública onde trabalhavam, bem em frente. Até aí, nada de mais; no entanto, resolvi prestar atenção para ver como iam se sair da lambuzeira que é roer manga, descascada com as unhas, sem um pratinho sequer, muito menos sem guardanapos ou babadouros. Água, no carro, também não havia, evidentemente.
Parei, despistadamente, na banca de revistas, em frente, e fiquei fingindo que estava lendo alguma coisa nos jornais dependurados. De óculos escuros, como um detetive, fui acompanhando os movimentos deles, que abriram as portas, lambuzando as maçanetas de caldo de manga. Ao saírem do carro pareciam buscar ou um pano ou um papel, para limparem as mãos. Nada à vista, porém. Então, rasparam as mãos, ele nas pernas da calça e ela na sainha curta, pregueada num xadrez tipo bandeira da Inglaterra.
O sabor do lanchinho matinal devia estar ótimo, pois nem se importaram, ao passar por mim, de dar uma chupadinha para tirar uma fibra agarrada nos dentes da frente. Eram mal educados mesmo.
Por coincidência, entraram no prédio e se dirigiram para a repartição onde eu também entraria para pegar um documento de contagem de tempo de serviço para efeitos de aposentadoria, que era o meu objetivo. Assentaram-se nas suas respectivas mesas, em frente às poderosas máquinas de escrever Olivetti, e começaram as suas jornadas de trabalho. Entrei na sala e fui direto ao balcão, mas ainda prestando atenção neles, que, primeiro e antes de tudo, cumprimentaram todos os colegas de serviço com as mãos ainda meladas e os tradicionais beijinhos amarelados, nas bochechas. E o cheirinho de manga havia contaminado o ar.
Belo Horizonte, dezembro/1982.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMAS
Das três melhores coisas da vida a segunda é comer e a terceira é dormir.
Sergio Porto – 1923-1968