Num fim de tarde, apareceu lá em casa meu compadre Flávio Simão, para decidirmos sobre um finíssimo jantar em homenagem ao Ronald Andrade, na minha opinião o melhor cozinheiro amador destas Gerais. Portanto, um evento de responsabilidade enorme.
Ao entrar, o Flávio foi logo perguntando: O que o Papagueno está fazendo aqui? Fiquei confuso e ele explicou: Ô Brandão, é aquele personagem da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, não se lembra? E era verdade. Pela descrição, meu canarinho era a cara do Papagueno mozartiano. Assim, imediatamente providenciamos o batizado do bicho, regado a muito champanhe e com uns fabulosos tira-gostos que a Carminha havia preparado. Foi um batizado à altura da genialidade do músico setecentista.
O bichinho gozava de uma posição de destaque na sala de jantar. Assim, acostumou-se a viver e a cantar, bem próximo de todos. Inaugurava o dia com a cantoria do café da manhã, depois de tratado. No almoço, dava outro show. Até no jantar, às vezes, esboçava um canto leve, sonolento. Era um craque. Ficou velhinho, penas esbranquiçadas, um pio de vez em quando e pum, morreu!
De lá pra cá, venho colecionando Papaguenos. O substituto do falecido, comprado de um fruteiro, no Mercado Distrital da Barroca, em frente ao Zuim, nosso fornecedor, era muito arisco e em pleno vigor da juventude. Cantava até perder o fôlego. Ficou logo conhecido como “canarinho-cigarra”, mas teve vida breve, uma pena. Ele nos acompanhou na mudança para a Raja Gabaglia e, com a melhoria no status, foi rebaixado para a área de serviço.
Amanhecemos na Raja e ele inundou o prédio com seu canto alegre e contínuo. É inacreditável, mas durante uma reunião do condomínio, fui chamado à atenção porque "o passarinho cantava muito." Uma vizinha neurótica tinha registrado uma reclamação para ser lida na assembléia, onde dizia que o canto do pássaro a incomodava muito. Coitada! Deve ter rogado uma praga, pois ele morreu de panela. É isto mesmo. D. Maria estava cozinhando um feijãozinho básico quando a panela de pressão explodiu e ele foi atingido por um caco de vidro da janela estilhaçada. Direto no coração do bichinho.
Esse segundo Papagueno teve a companhia de duas calopsitas, que piavam o dia inteiro, como galinhas velhas. Era um casal. Um dia, uma delas morreu e a outra emudeceu. Reparei que, de vez em quando, ela dava um pio choroso, lamentando a perda do companheiro. Mas, notei também que, quando ela ouvia o ranger da porta enferrujada do fogão, ficava excitadíssima. O chiado da porta era muito parecido com o do macho que viveu com ela. Acho que ficava esperançosa ou de que ele poderia voltar, ou até mesmo aparecer um substituto. Acho que foi o único caso de paixão desenfreada de calopsita por porta de forno enferrujada. Morreu de tristeza, coitadinha!
Os Papaguenos seguintes vieram de diversas cidades e regiões diferentes. Um deles, já no Buritis, ganhei do Frederico, que havia se mudado para Sete Lagoas. Esse também foi um campeão do canto. Um dia, eu estava trabalhando no meu quarto, ouvindo-o cantar, maravilhosamente, na varanda. De repente, parou! Pensei comigo, deve estar bebendo água ou tomando fôlego. Mas o intervalo ficou muito comprido e resolvi checar. O danado tinha aberto uma fresta entre os arames da gaiola e fugido. Não me aborreci, pois ele tinha pleno direito à liberdade.
O seguinte era manco e cantor médio. Tinha uma patinha com os dedos embolados, o que não fazia muita diferença, pois andava muito pouco e o canto era sóbrio. Posso considerá-lo de médio para bom cantor, pois conseguiu atrair um gavião predador, que o atacou dentro da gaiola, com as garras e o bico, fraturando-lhe a patinha boa, uma asa e perfurando-lhe um dos olhos. Ficou todo mutilado. A Maria José ligou pra mim e fui correndo socorrê-lo. Levei-o a uma clínica, mas o veterinário deu-me pouca esperança de recuperação. Entalou a patinha, passou uma pomadinha no olho furado e fez diversos curativos nas asas e em todos os lugares onde o predador miserável o havia atingido. Depois da agressão, coitadinho, durou mais uns poucos dias.
Agora, na Toca, tenho um campeão também doado pelo Frederico. Acho que veio de Sete Lagoas. Dou um trato nele toda manhã, com alpiste, mistura para canário e um indispensável pedaço de jiló, que ele adora. Cuidado e alimentado, ele dispara a cantar.
Assim, aos Papaguenos só tenho a agradecer pela alegria de suas companhias ao longo do tempo.
Em Novembro de 2011, sobre um tema que começou em 1967.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Detesto conselhos a não ser os que eu dou. Jack Nicholson
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Detesto conselhos a não ser os que eu dou. Jack Nicholson