São coincidências felizes que, às vezes, acontecem.
Fomos visitar uma fazenda, bem no centro de uma cidade do interior de Minas, em Andradas, construída há 130 anos, com um parreiral variado de uvas Chardonnay, Pinot Noir, Merlot e Riesling. Uma maravilha! Do alto, descortina-se a fantástica Serra da Mantiqueira, no sul do Estado, com suas extraordinárias belezas e, naquele momento, a aproximação de uma bendita chuva de verão.
Convidados para uma pajelança formidável, com.queijos, chouriços, pães, tomates recheados e espumantes de primeiríssima linha, vimos que o bom gosto impera naquela terra. Fomos servidos, com a entrada, com dois tipos de espumantes brancos brut, varietais exclusivos de Chardonnay, na mais perfeita elaboração pelo método champenoise, em temperatura corretíssima e abertos com o cuidado de um profissional. Sentimo-nos como se estivéssemos num dos feudos vinícolas da região de champagne, na França.
Conversa boa, descontraída, com apreciação dos móveis antigos muito bem conservados, assoalho de tabuado corrido gasto e bem encerado, pé direito alto com lustres e sancas de época, tudo muito bonito e extremamente aconchegante.
Senti-me como, tempos atrás, na cidade de Malmo, na Suécia, fomos jantar num restaurante clássico de pesadas cortinas de veludo verde escuro, lambris de madeira nobre nas paredes, lustres de cristal da Bohemia, onde o rei e sua comitiva, segundo dizem, vão, uma vez por ano, para saborear um faisão dourado, sacrificado em sua homenagem. Sentamo-nos numa mesa enorme, dois brasileiros e um francês, compradores das empacotadeiras de leite Tetra-Pak, recepcionados pelo presidente da empresa.
Lá, em Malmo, o prato principal da casa, faisão, veio acompanhado de vinhos, também competentemente escolhidos pelo maitre, que fez questão de nos servir, o tempo todo, como se fôssemos uma mesa da realeza sueca. Era uma atenção especial aos estrangeiros, naquele longínquo sul do país gelado.
Até me lembro de um episódio curioso ocorrido durante aquele jantar nórdico. A refeição transcorria muito bem até que senti ter mastigado uma pedra ou coisa semelhante. Fez aquele barulhinho típico de dente quebrado e o maitre, sempre atento, aproximou-se e me viu, discretamente, colocando uma bolinha de chumbo no canto do prato. Ao meu lado, ele falou: Excuse me, sir. You are a lucky man. The one who gets one of the bullets that killed the pheasant will have good lucky forever.
Fiquei meio sem graça, mas logo entendi. Como é difícil catar todos os chumbinhos da cartucheira usada para matar o lindo bicho, às vezes, alguma escapa à atenção do cozinheiro, o que justifica o maitre ficar sempre por perto para sair com aquela conversa da sorte do embaraçado comensal.
Quanto a mim, fiquei feliz, é lógico, mas por outro lado, preocupado se teria que remendar o dente fracionado, lá mesmo, ou se daria para esperar até nossa volta ao Brasil. E deu certo, pois quando cheguei ao hotel, verifiquei que tinha perdido só uma lasquinha do molar direito.
Na maravilhosa fazenda do sul de Minas, felizmente, não quebrei nenhum dente, com qualquer parte do saboroso frango ensopado, servido na ocasião. Ainda, deliciamo-nos com um espumante rosé, também comparável aos centenários originais franceses.
Valeu a pena!
Sugestão de back-ground musical: SLIDES, com Richard Harris