sábado, 26 de maio de 2012



LA PLACE, A ESQUINA DO MUNDO


Num fim de tarde desta semana, sentei-me no banquinho do balcão do Café La Place, na Praça Tiradentes, confluência das Avenidas Brasil e Afonso Pena; local que frequento há muitos anos e de onde tenho o prazer de observar as pessoas.
Antes de terminar a primeira Stela Artois com Caracu, sentou-se ao meu lado, num outro e único banquinho, um gordinho, meia idade, meio gay, que me pediu licença para pegar os jornais do dia que estavam em cima do balcão. Separou o Estado de Minas e a Folha de São Paulo e dedicou-se à leitura sem se descuidar de tentar um “flirt” comigo.
Como sempre, fico prestando atenção ao movimento da esquina, que apelidei de “esquina do mundo”, pois ali me sinto como se estivesse sentado numa das mais badaladas esquinas do mundo: Quinta Avenida com Broadway, Opera com Boulevard des Capucines, Via Apia com Sistina, Av. Atlântica com Rua Santa Clara, Ipiranga com São João, esta cantada e decantada por Caetano Veloso, em “Sampa”.
Os apressados pedestres, na volta pra casa, passavam falando ao telefone; todos, sem exceção. Conversando alto como se estivessem na cozinha de suas casas. É óbvio que o celular é um equipamento para o imediatismo nas comunicações, mas, aí também, já é um exagero. De repente, um dissidente, subindo a Avenida Afonso Pena, apareceu cantando. No ouvido, ao invés do celular, ele havia encaixado um fone de ouvido e, descontraído, cantava alto como se estivesse em frente a um microfone, no alto do palco. Na verdade, berrava uma música sertaneja... péssima pro meu gosto.
O gay ao meu lado pigarreava aquela tosse típica dos fumantes inveterados. Ele fumava um cigarro atrás do outro. Observei um senhor, sentado à nossa frente, que tomou um café rápido e foi-se embora. Acompanhei-o com um rabo de olho e vi que atravessou a rua, contorcendo-se entre os carros, fora da faixa de pedestres. Pensei, a qualquer hora passam por cima dele. O rapaz ao meu lado ficou excitadíssimo quando um pedestre perguntou onde ficava a Rua Timbiras. Comecei a buscar na minha memória e ele respondeu logo, apontando: “É a primeira à direita. Você desce aqui e chega nela. É ali, ó!” O cara agradeceu e foi-se embora. O vizinho desculpou-se comigo porque havia se antecipado à minha resposta, dizendo: “Eu moro lá, na Timbiras, assim, fica mais fácil. Desculpe a intromissão”. No problem, retruquei. Ele queria puxar conversa, mas não dei papo.
Sou um beberrão solitário nos aviões, nos ônibus, nos bares da vida. Gosto mesmo é de beber a minha mistura de cervejas, b&w, e observar as pessoas. Nada de papo com estranhos, não gosto de correr o risco, pois já vivi algumas experiências bem desagradáveis. Numa delas, viajei com um industrial de rodas de magnésio que me contou tudo sobre o processo de fabricação, desde a compra da matéria-prima até a saída da roda no final da esteira da fábrica. Um papo chatíssimo de oito horas a bordo de um Boeing 747, na rota Rio/New York. Doutra feita, para a Europa, um fabricante de caixinhas de fósforos de propaganda. Uma tragédia! O cara relatava até as brigas que tinha tido com os fornecedores de pólvora. Outro encontrei numa longa viagem Rio/Miami/ Denver, via Atlanta. Foram longas 15 horas com o meu vizinho de poltrona, que tinha uma fábrica de absorventes e camisinhas. Ele só faltou vestir os produtos, em pé no corredor do avião. Falava tão alto que todos os passageiros ouviam a conversa e a demonstração para o uso da tralha. E ainda fazia todos os gestos para a colocação das coisas. Felizmente, a conversa dele era em português e, além de mim, só havia gringo no avião.
Voltando ao La Place, parece que ali, realmente, acontece de tudo. Naquele dia, havia ainda um cara com um carrinho de pedreiro, cheio de tapetes coloridos, gritando: Compre comigo um tapete pro seu banheiro. É artesanal e barato. Ô freguês, pode escolher à vontade. Estacionou o carrinho na pequena praça em frente ao café e ficou, feito camelô, oferecendo seus produtos para secretárias de médicos, engravatados apressados, homens, mulheres, crianças, cachorros, gente de toda raça e cor em meio às sirenes, buzinas, freadas, arrancadas e tudo o mais. Alguns até paravam para examinar os tapetes, mas não vi nenhum comprando.
Na ausência do prestativo e eficiente garçom, o Carlos, que está de férias, Selma, a proprietária do Café, tinha assumido todas as suas funções, desde trocar moedinhas com os meninos de rua, para fazer troco, até vender cigarro picado para os passantes. E uma delas, que é a de fechar a casa, é tarefa dura demais para uma mulher, que tem que fixar os trilhos pesados, que vão guiar as portas pesadas de metal, geralmente, emperradas por causa da chuva. São os ossos do ofício! Infelizmente não poderia ajudá-la, pois minha coluna aparafusada não permitiria.
Mais umas cervejas e saí para misturar-me àquela horda de trabalhadores voltando pra casa. Naquela hora, desliguei o celular para não ter a mesma tentação daqueles que observei e critiquei.
Belo Horizonte maio/2012.