Num domingo, com pena do filhinho doente, de cama, Zuza resolveu dar um pulo no sítio, em Santa Luzia , para buscar o cachorrinho do Caio, um coker spaniel branco e preto chamado Yuri. Sozinho, colocou o cachorro no banco de trás do carro e veio para Belo Horizonte. Caio ficou radiante com a surpresa e, já sem febre, passou o dia inteiro brincando com Yuri. Como no prédio é proibido manter animais, no final da tarde, Zuza voltou com o cachorrinho para Santa Luzia. Mas, no caminho, aconteceu o inesperado.
Já em frente ao Iate Tênis Clube, na Pampulha, o gracioso cão saltou fora pela janela de trás, que estava com o vidro aberto pela metade, e Zuza não percebeu! Todos os carros que vinham atrás dele buzinavam e, quando passavam, apontavam para alguma coisa lá atrás, balbuciando alguma coisa ininteligível. E como ele não entendia nada, resolveu voltar para conferir o acontecido. Ao chegar em frente ao clube, uns meninos tomadores de conta de carros, vieram correndo para lhe contar que o cachorro havia pulado pela janela e que o motorista de um fusca branco o tinha recolhido. E vocês anotaram a placa do carro? perguntou. Claro, doutor, respondeu um deles, e o senhor vai nos dar um trocado, não é? Lógico garoto, qual é a placa? É XXX - e o moleque levou logo cinco pratas. O Zuza, desapontado, voltou para casa, mas não contou nada ao Caio.
Na segunda-feira, logo cedo, foi ao Detran e conseguiu com um amigo, funcionário da casa, o nome e o endereço do proprietário do fusquinha branco. Foi até lá e para surpresa dele, era uma agência de automóveis que tinha, entre outros, o fusquinha branco citado, brilhando como se fosse zero. O dono da agência o atendeu com educação e esmero, buscando uma nova venda. O Zuza contou a história e o senhor falou: Tenho certeza que estes carros não saíram daqui ontem, pois a loja estava fechada! Mas... Espere um pouco, por favor. Fulano, vem cá. E apareceu um rapaz magrinho, com cara de nordestino, que era o vigia da loja. Ele contou: Este senhor está me dizendo que este Volks foi visto ontem, na Pampulha e que, quem estava guiando, recolheu um cachorrinho preto e branco que caiu do carro dele na rua. Era você? Diante das evidências ele não teve como negar e contou que tinha recolhido o cachorro, sim, e que o havia dado para a namorada que morava na rua tal e qual. O patrão, ríspido, mandou-o embora na hora, mostrando eficiência para o reclamante.
E o Zuza, bom pai, com o endereço na mão, dirigiu-se ao bairro onde estava localizada a casa, nos arredores da Av. Pedro II. Era uma casa meio enrustida, cheia de grades e cadeados, um verdadeiro mocó. Ele pensou, deve ser um rendez-vous. Mas, sem preconceitos, desceu do carro e tocou a campainha. Ninguém atendeu e ele insistiu, percebendo um olho muito pintado no visor da porta. Abriu-se a porta e o Zuza deu de cara com uma loura oxigenada, ofegante, que tinha visto nele um excelente pitéu cheio da grana, para um fim de tarde perdido, naquela segunda-feira chuvosa. Pois não, bonitão, disse ela. Educadíssimo, o Zuza respondeu: Minha senhora, estou procurando um cachorro assim/assado, aquele que o fulano deu para a namorada e que me pertence, pois ele... E contou a história. Ela o convidou para entrar e o Zuza viu o Yuri, como um reizinho, acomodado no colo de uma rapariga num confortável sofá lilás, na sala, com um lacinho de fita vermelho no pescoço.
A cafetina repetiu a história para a afilhada num tom mais dramático, procurando recompensa e enfatizando que o filhinho dele estava doente e desolado com a perda do seu cãozinho de estimação.
A jovem, pesarosa, entendeu a situação, devolveu o cachorro para o Zuza e acrescentou: O senhor sabe que ele é roncolho?
E a loura oxigenada ainda tentou alguma coisa, mas o Zuza só queria mesmo o cachorro. Assim, ele rumou com o Yuri, já sem o lacinho, para devolvê-lo ao seu domínio rústico do sítio em Santa Luzia.
Belo Horizonte, outubro de 2005.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Para o Caio:
Enólogo é aquele que, diante do vinho, toma decisões.
Enófilo é aquele que, diante das decisões, toma o vinho. Cronista do Sul