segunda-feira, 11 de julho de 2011

O MEMORIALISTA

Num fim de tarde, estacionei o automóvel na Rua Pernambuco e rumei para um barzinho do Tuíca, que ficava na esquina com a Rua Tomé de Souza. Não me lembro do nome, mas era um lugar muito agradável, com chope gelado e boa conversa.
No caminho, me encontrei com o Roberto Drummond, escritor e cronista, que me perguntou: E então, tá escrevendo alguma coisa? Respondi: “Estou sim, Robert, - como o chamava carinhosamente - mas estou preocupado com uma coisa. Só escrevo a meu respeito ou sobre a minha vida, meus tempos de menino, minhas viagens, amigos, parentes, namoradas, enfim, só escrevo sobre mim mesmo e acho isto meio esquisito.”
Ele sorriu, pegou um livro debaixo do braço – ele andava sempre com um -, abriu numa determinada página e leu: “As pessoas só escrevem sobre elas mesmas, cada um gosta de contar sobre suas coisas, suas preferências, sua experiência de vida.” Fechou o livro e falou: “Você sabe quem falou isto?” Respondi: “Não, quem foi?” E ele, rápido, já se despedindo: “Não interessa, mas pense nisto.”
Assim, orientado por um dos melhores escritores mineiros de todos os tempos, não tenho vergonha nenhuma de ir contando minhas coisas. Naquela época não havia internet, então não pude continuar consultando o mestre e, pior, logo ele se foi.
Sobre essa foto aí em cima, por exemplo, tenho muito que falar. Papai e mamãe haviam chegado dos Estados Unidos onde tinham passado uma boa temporada de estudos e passeios. A expressão feliz deles denuncia isto. Ao fundo, meu tio Heraldo, campeão de natação do Minas Tênis Clube e ainda fraquinho, antes de praticar o halterofilismo e se transformar num dos mais fortes boêmios de Belo Horizonte, junto com seu amigo o delegado Tonico. Fortíssimos mesmo, na boemia e nos músculos. Do outro lado, meu avô Pedrinho, pensativo com o destino irrequieto do filho Helvécio que só queria estudar e viver mundo afora. O semblante dele é de preocupação.
Lúcia e eu felicíssimos com a volta deles e com os presentinhos americanos. Eu, cara fechada pela fotofobia, já exibindo o meu, um cinturão e um coldre do Roy Rogers, com uma réplica do seu famoso Colt 44. Uma glória para o menino simples que só brincava de bolinha de gude e finca, na casa da vovó Augusta. Praticamente, colei o coldre na minha cintura durante um mês. Até tomava banho com ele. A Lúcia ganhou um ursinho de pelúcia marrom que, dando corda atrás, tocava You´re always in my heart, música que ela adotou como tema da sua vida. Vivia cantando ou humming a linda canção, que a enfeitiçava. Ela e o papai, de vez em quando, cantavam juntos. Como os presentinhos eram poucos, mamãe, muito criativa, nos contou que haviam despachado uma mala dos Estados Unidos, muito pesada, cheia de brinquedos e jogos. Infelizmente, a tal mala nunca desembarcou no Brasil, pois ela nunca existiu, mas, enfeitou nossa infância simples com sonhos e projetos.  Concluirmos que a mala poderia ter sido desviada para o Japão e, generosos, nos consolava a ideia de que deveria estar alegrando a vida de muitos japinhas!
Outro sonho da época é de que iríamos com eles, papai e mamãe, na próxima viagem para os Estados Unidos, que só foi acontecer em 1951 e, mais uma vez, sem os meninos. O dinheiro era muito curto e as bolsas muito justas. mal davam pra alugar uma casinha, comer sanduíches e fazer algum passeio pelo Charles River, em Boston, onde moraram por mais um ano, papai frequentando o Master in Public Health na Universidade de Harvard. Ele era um craque.
Em Belo Horizonte, julho de 2011.
(A música sugerida é ODEON, do Ernesto Nazareth, muito bem para a época, 1947, que será postada pelo Frederico logo mais.)