sábado, 17 de setembro de 2011

BONS TEMPOS AQUELES

 Numa análise rápida, acho que todos nós conseguimos lembrar e detectar os melhores períodos de nossas vidas e ir qualificando-os ou como o mais feliz ou o mais proveitoso, ou mesmo o mais alegre. Nem sempre esses adjetivos se agrupam. Posso assim, qualificar um período onde um pequeno grupo de pessoas com formações e personalidades totalmente ecléticas reuniu-se numa autarquia chamada Coordenação de Crédito Rural de Minas Gerais, em Belo Horizonte, sob o comando seguro e competente de um nome respeitadíssimo no setor público nacional, na área da administração e do crédito agrícola, o do Dr. João Napoleão Berthelot de Andrade. Que figuraça! Com nome tão pomposo - escolhido pelo pai farmacêutico, em homenagem ao grande químico, aos poucos -, ele foi convidando pessoas para comporem o quadro de funcionários da autarquia, todos jovens e ávidos para iniciar uma carreira de sucesso na vida. A equipe ficou formada por oito profissionais, em ordem cronológica: Robertão, José Roberto, Raul, Lourenço, Cláudio, Aloísio, Roberto e Maurício.
Vou registrar neste blog diversas das nossas atuações e aventuras, mostrando a personalidade de cada um, como as entendo, contando algum fato pitoresco ligado à figura do retratado, começando pelo mais moço: o Maurício Moreira. Ele, que infelizmente foi embora muito cedo, talvez tenha sido o cara mais vaidoso que conheci. E eu entendo deste assunto, pois também sou vaidoso à beça. A concorrência era brava entre nós.
Trabalhávamos num prédio recém-inaugurado na Avenida João Pinheiro, muito bem construído, com acabamentos finos e vários espelhos na decoração modernosa.  Uma glória para os vaidosos. Em todos os espelhos do prédio, o Maurício dava uma olhada e arrumava o cabelo. Assim, na entrada, já toda espelhada, olhava para a esquerda e ajeitava o cabelo; para direita, outra ajeitada, de frente no espelho da coluna arrumava a camisa e a gravata e, no elevador, dava o arremate final até chegar ao sétimo andar. Uma peça rara! Sempre muito bem vestido, com camisas e gravatas importadas, mas sem um oficial de costura fixo.
Assim, um amigo meu, da turma dos meus cunhados, me apresentou a um alfaiate, pois estava querendo fazer umas calças e, recentemente mudado de São Paulo, eu não conhecia ninguém que pudesse me atender. E o meu amigo, o Marcelo Klysh, me apresentou para aquele que viria a ser conhecido como o melhor alfaiate da cidade, até hoje, o inteligentíssimo e muito bem humorado Hermano. Ele trabalhava, então, numa pequena sala do Edifício Helena Passig, na Praça Sete, onde cortava e costurava seus panos com maestria.
Num determinado dia, apresentei o Hermano para o Maurício, que estava interessado em fazer uns ternos com tecidos que havia trazido de Londres, durante viagem com os colegas de formatura da Faculdade de Ciências Econômicas. Ali mesmo, no modesto atelier e na minha presença, o Hermano tirou as medidas do Maurício, que detalhou minuciosamente como queria os ternos, as costuras, os botões, pregas, etc. Aproveitei para deixar no atelier uns paninhos - nacionais mesmo -, para as minhas calças e, alguns dias depois, num sábado de manhã, fui buscá-las e notei certo desarranjo no atelier do Hermano. Disse ele que estava terminando vários ternos para pessoas da alta sociedade mineira, para uma festa à noite, no Automóvel Clube, promovida pelo colunista social do Estado de Minas, Eduardo Cury.
A festa era o Showçaite, palavra montada que significava um show apresentado e estrelado por figuras da high-society belo-horizontina. E, naquele turbilhão de corre pra cá, corre pra lá do Hermano, notei que diversos cortes de tecidos estavam espalhados pelo chão e ele e os oficiais de costura sapateando em cima das peças, no afã de dar conta do recado para a celebrada festa. No chão, vi os cortes do Maurício e falei pro mestre alfaiate: Tome cuidado, Hermano, que o chão está cheio de panos finos e caros e vocês vão acabar sujando e amarrotando tudo. Quando ele reparou a bagunça e viu os cortes do Maurício no meio dela, ficou pálido. Esbugalhado, deu um pulo pra trás e orientou os costureiros para que não saíssem dos seus lugares, enquanto ele não acabasse de recolher a panaria. E fechou, dizendo: Minha Nossa Senhora! Se o Maurício chega aqui e vê os cortes dele no chão, ele me esgana!
Recolhida a tralha, nos sentamos, tomamos um café frio e começamos a rir da bagunça. O Hermano, perdendo o controle, soltou aquela risada típica dele, tão contagiante que contagiou todos os ocupantes dos andares acima e abaixo do dele, para um hilariante congraçamento.
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A gente não faz amigos, reconhece-os. Vinícius de Morais