AMEAÇA DE MORTE
Numa manhã, estava quase saindo para trabalhar quando recebi um telefonema muito estranho: Se meu pai morrer, você também morre. Ameaçou e desligou. Fiquei gelado, pois, não sabia do que se tratava. A gente sempre tem alguma cisma sobre uma resposta mal dada, uma reação mais intempestiva, alguma coisa que poderia ter feito pela vidanessas aventuras por caminhos tão diversos e muitas vezes perigosos, onde tudo pode acontecer.
Na época, respondia pela gerência de marketing da Metrobel, empresa criticada diariamente pela mídia impressa, falada, televisada e combatida por toda a população da cidade, fossem pedestres, motoristas, carroceiros, biciclistas, carroceiros, transportadores, enfim, todos eram contra a Metrobel, cujo presidente sempre afirmava, para nos tranquilizar: “Não se preocupem, a realidade vai se impor”.
Na verdade, as intervenções na vida dos belo-horizontinos eram intensas, as rotinas de todos aqueles grupos eram quebradas, pois as ruas tinham suas mãos trocadas, os quarteirões eram fechados, mudavam-se os trajetos percorridos durante décadas nos caminhos para o trabalho, para as escolas, para os programas de fins de semana, enfim, tudo foi revirado. E com a melhor e a mais profissional das intenções. Se aquelas mudanças não houvessem ocorrido naquela época, talvez, hoje, nem conseguíssemos sair de nossas casas a pé, de carro ou de qualquer outra forma. Só pelo ar, quem sabe?
Assim, com aquela duríssima missão de explicar à população que estávamos fazendo o melhor, que os afetados no momento deveriam ser pacientes, pois os benefícios viriam um dia, fui para o trabalho só que, agora, ameaçado de morte. Será que algum morador da cidade teria sido atropelado numa das vias que havíamos mexido? Ou seria um acidente de carro com feridos? Ou ainda, um filho cujo pai saiu para trabalhar e não voltou mais?
Segui, então, para o trabalho, estacionei na minha vaga, no prédio da Av. Getúlio Vargas, onde estava localizada a empresa, e saí pelo portão da garagem meio disfarçado, de chapéu, óculos escuros, me escondendo nas vitrines da Importadora Chen, até entrar no prédio. Será que havia alguém escondido esperando para me plantar uma bala na testa? Que horror! Cumprimentei os porteiros, tomei o primeiro elevador, e me meti na minha sala, fechando a porta, o que nunca fazia. Logo que me assentei, o telefone tocou: Estamos lhe avisando que, se o nosso pai morrer, o senhor morre também. Agora, a ameaça era em nome coletivo.
Pedi ao chefe de gabinete para agendar com urgência um horário para eu falar com o presidente. Contei-lhe, então, o ocorrido e o chefão, sempre muito esclarecido e objetivo, disse: Acho que isto não tem nada a ver com a Metrobel, Roberto. Não houve nenhum acidente recente que pudesse gerar uma reação dessas. Pense bem, deve ser alguma coisa relativa à sua vida particular. Se alguém quisesse se vingar da Metrobel pelas nossas intervenções, o alvo seria eu, é lógico. Concordei que a ameaça poderia ter a ver comigo mesmo.
Aí, me lembrei do ocorrido uma semana antes, quando meu caseiro, em Santa Luzia , havia baleado o vizinho que o estava ameaçando por ter mexido com a mulher dele. Só podia ser isso, mas sobrar pra mim por quê? Fui analisando a situação e concluí que era essa a razão das ameaças. À noite, em casa, mais uma ameaça e, na manhã seguinte, quando recebi outro telefonema, gritei no telefone: Quem é você? O que eu fiz pro seu pai? Aí, a voz respondeu: Se o senhor defender aquele sujeito que atirou no meu pai e ele morrer, o senhor morre também. Mas... - tentei prosseguir a conversa, inutilmente. Aí, matei a charada. Era mesmo a família do baleado.
O que houve foi o seguinte: ao saber do acontecido, fui à Delegacia de Polícia de Santa Luzia para conversar com o meu empregado sobre o ocorrido, inclusive sua prisão. Logo, a autoridade policial me indagou:
- Quem é o senhor?
- Sou o patrão, ele é meu caseiro aqui em SL.
- Só que agora ele está preso e a única pessoa que pode conversar com ele é um advogado, pois, qualquer coisa que ele falar será considerado como um depoimento. -- - Pois é, policial, mas eu sou advogado - e mostrei-lhe minha carteira da OAB.
Ele sorriu e falou:
- Ah! Doutor, o senhor devia ter falado logo. Pode entrar sim.
Na verdade, a notícia correu como um rastilho de pólvora em Santa Luzia , de que o advogado do caseiro havia se apresentado à policia para defendê-lo. Mas, eu não tinha a menor intenção em defender nem ele nem ninguém, pois, minha única atuação na área criminal havia acontecido para libertar o filho da empregada de um vizinho nosso, preso na Delegacia de Contagem, onde, de bicicleta, havia atropelado uma senhora, deixando-a com pequenas escoriações. No caso, senti que era um processo muito simples, combinei com a vítima de que o réu custearia seu tratamento e, imediatamente, soltaram o rapaz, mediante o pagamento das despesas do pronto socorro numa farmácia, com uma nota de dez cruzeiros. Assim, entreguei o jovem com a bicicleta na casa do vizinho e, na hora do almoço, recebi uma galinha assada, pelos meus honorários. Aquela foi a primeira e única paga pelo meu trabalho como advogado na área criminal. E valeu a pena, sem qualquer trocadilho, pois a galinha assada estava ótima, temperinho caseiro, com arroz e feijão, uma delícia.
Voltando às ameaças de morte e descoberta a origem do engano da família pedi ao tio Dirceu, patrão do baleado, que me levasse até à família dele para os devidos esclarecimentos. Como sempre, o tio Dirceu, cordial e atenciosamente, marcou um encontro com a família da vítima no quarto do Hospital das Clínicas, onde ele estava internado para tratamento e lá fui eu, corajosamente amparado pelo tio Dirceu, dar as explicações necessárias. Disse a eles que somente havia sido autorizado a conversar com meu empregado devido à minha condição de advogado e que não tinha a menor intenção de defendê-lo. Deixei claro que era contra qualquer tipo de violência, que cada um era responsável pelos seus atos, enfim, que o problema era dele, etc. e tal e que, por favor, parassem com aquelas ameaças infundadas. Muito desconfiados, se entreolharam e se deram por satisfeitos com minhas explicações, que eram verdadeiras, e suspenderam as ameaças. Sorrimos todos pelo final feliz, apertei a única mão disponível do acidentado, desejando-lhe melhoras e saí aliviado. Sorte minha que a vítima não faleceu como consequência daquele tiroteio. Ele ainda trabalhou mais alguns anos e soube que morreu um tempo depois de morte morrida. Graças...
O caseiro era, realmente, uma figura sinistra. Tomei conhecimento dele através de um pequeno anúncio no Estado de Minas que informava sobre alguém procurando emprego como caseiro, com tais e quais referências. Telefonei para o número indicado e certo deputado estadual paulista, seu antigo patrão, deu-me as melhores referências. Contou-me que ele era um senhor cheio de histórias, havia se alistado como voluntário para o exército americano durante a guerra da Coréia; que havia trabalhado na África, como vendedor de armas; e que acabou como domador de um circo, que veio fazer umas apresentações no Brasil, onde ele ficou; que foi empregado dele durante muitos anos e só o dispensou porque vendeu o sítio e, na época, ele decidiu mudar-se para Minas, onde talvez tivesse algum parente vivo.
Como consequência de tão desagradável episódio, desisti da tentativa de adaptar-me à vida simples no campo, vendi a casinha, e comprei um apartamento no Rio para ficar o mais longe possível de tatuzinhos, aranhas, minhocas e tentativas de assassinato.
Belo Horizonte, outubro de 2012.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
No importa tan lento vayas, lo importante es nunca detenerse.