sábado, 1 de dezembro de 2012

O CENTENÁRIO DO GONZAGÃO, O LUA

Acostumados às pensões e apartamentos apertados, no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Ijuí e São Paulo, minha irmã Lúcia e eu sempre nos surpreendíamos ao acordar numa casa grande, quando viemos morar com a vovó Augusta, em BH. E na nossa visão de criança a casa era ótima e muito grande mesmo. Cada um tinha o seu quartinho arrumado, onde ajeitávamos o uniforme do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, as enormes pastas pretas de couro, cheias de caderninhos com os para-casas, sempre corrigidos pela tia Marina e o tio Tonico. Vivíamos num ambiente agradável com galinhas no terreiro, diversas frutas no quintal e um jardim florido à frente da casa. Ô infância bendita!
Ao acordar, saíamos para o jardim para ajudar a vovó que, com um regador de lata, aguava as camélias, romãs, espadas de São Jorge, violetas e outras plantinhas inocentes que enfrentavam, sem qualquer poluição, uma vidinha pura e singela. Na vitrola do tio Zé, um único disco do Luiz Gonzaga ficava tocando a Asa branca de um lado e o Que nem jiló, do outro. Era um 78 rpm que o meu primo, o Comandante  Milton Hermeto, da Nacional Aerovias, havia trazido de uma de suas memoráveis viagens Brasil a fora.
A vitrola to tio Zé era moderníssima, rádio embaixo e, sob uma tampa, um toca-discos que reproduzia os pouquíssimos discos que havia na época. Lembro-me de que a vitrola emitia os sons através de umas agulhas de aço que, descobri, quando gastas, podiam ser substituídas por espinhos de uma das plantas do nosso jardim. E, assim, a música naquela casa era permanente, mesmo em qualquer emergência.
A Lúcia era uma graça, quando gostava de uma música a repetia sem parar. Também, naquela época era quase só o que se tinha pra cantar e, como não aguentávamos ficar calados, cantávamos todo dia, a toda hora, sem parar, a Asa Branca e o Que nem jiló.
Passaram-se os anos e o Gonzagão estaria completando cem anos, agora em 2012. No entanto, suas belíssimas canções nunca saíram do ar. O filho, apelidado Gonzaguinha, também deixou uma obra musical excelente, prematuramente interrompida.
O legado do Rei do Baião é enorme. Gravou mais de 200 discos (Lps) com umas 600 músicas, muitas delas com seu parceiro predileto, Humberto Teixeira. Em sua terra natal, Exu, no interior de Pernambuco, foi criado em volta da casa dele o Parque Asa Branca, que abriga o Museu do Gonzagão, principal atração do lugar, aonde milhares de visitantes acorrem para conhecer o gibão e o chapéu de couro, suas marcas registradas, bem como suas inúmeras sanfonas. No restaurante do Parque, os visitantes podem saborear o famoso “baião de dois” - comidinha preparada pela D. Raimunda, a cozinheira Mundica -, que ele consagrou como nome de uma de suas músicas. No quintal da casa, tem uma escola de dança com diversos alunos de todo o país, principalmente nordestinos, que querem aprender os verdadeiros passos do baião e receber lições de sanfona para, como o “Lua” dizia: “Não deixar o ronco da sanfona desaparecer.” E lá, no pé de um famoso juazeiro, que também ficou consagrado numa de suas músicas, O Pernambucano do Século, mantém a história viva para os milhões de apreciadores da grande obra musical de Luiz Gonzaga, o Gonzagão, o Lua. Um viva ao “Rei do Baião”, no seu centenário!
Belo Horizonte, novembro/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E  AFORISMOS
O poder que têm sobre nós as pessoas que amamos é quase sempre maior que o que temos sobre nós mesmos. (La Rochefoucauld, 1613-1680)