O TENEBROSO
O taxista Tenebroso - apelido originário de sua tonitruante voz que retumbava em todo o bairro, realçando a força típica da origem espanhola - acordava cedo para atender à clientela da Floresta. Seu ponto era na Rua Guaranésia com Itaúna, esquina de grande movimento de estudantes, moradores e passantes com direção ao centro da cidade.
Belo Horizonte ainda era uma vila grande nos anos quarenta e o Sr, Antônio, como a mãe de um amigo meu o chamava, conduzia no seu Chevrolet 1937 os poucos usuários de táxis daquela época. Era um tempo de muita economia. A Segunda Grande Guerra Mundial havia terminado com muitas marcas de carestia e economia para todas as famílias brasileiras de muitos filhos e pouca renda. E aquela família não fugia à regra. Eram oito filhos - sete homens e uma mulher - que viviam sob as expensas de um modesto funcionário da Central do Brasil. Homem sério, poeta e trabalhador, correto nas suas funções. Sempre de terno azul marinho bem passado, camisa branca, gravata preta e sapatos gastos e muito bem engraxados, ele saía para o trabalho, rigorosamente, no horário matutino e nunca sabia a que horas voltaria. Julga-se que ele tivesse o sentimento oposto ao dos cavalos, que – dizem - sempre gostam de voltar para casa. Mas, a bem da verdade, cuidava da prole com carinho e afeto.
Voltando ao Tenebroso, que servia também àquela família, era sabido que, em cada corrida, ele tomava conhecimento da vida dos passageiros. Daquele clã, então, não escapava nada: do filho mais velho sabia que se tornara brilhante advogado; do segundo, que entrara para o exército; do terceiro, que fora morar na França com um frade; do mais filósofo e estudioso, que teria ido para a Espanha estudar num convento jesuíta; do filho do meio, despachado para o interior, sabia que estivera vivendo sem eira nem beira e que, depois, fora morar com as tias em Juiz de Fora. Sabia também da irmã, que se casou e mudou para Uberaba; e do mais arteiro, aquele que fora para o Colégio Santo Inácio de Loyola, no Rio, também por obra do frade amigo, onde ficara até terminar o segundo grau. Quanto ao mais novo, ele sabia que vivia contando as estrelas, filosofando e poetando.
Com a retirada dos bondes da Rua Jacuí, a vida do taxistaTenebroso também mudou: ganhou clientela nova e até podia ser chamado por telefone pelo número 3.000, que depois passou para 23.000 e daí para qualquer outro número, que deve, ainda, estar valendo até hoje. Quanto àquela gente simples, com planos e projetos para os filhos, todos acabaram se realizando muito bem, cada um na sua meta
Belo Horizonte, abril 2005
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Porque a gente vive chorando os amigos mortos se não aguentamos os que estão vivos? Mario Quintana