domingo, 25 de dezembro de 2011

NAVIDAD EN LA MITAD DEL MUNDO

Numa das etapas do Fellows II, fomos para o Equador, para participar de seminários e conferências que versavam sobre os fenômenos climáticos que já vinham comprometendo a movimentação turística aos países da costa do Pacífico. Minha missão, naquela temporada, foi apresentar uma versão comparativa com os países da costa Atlântica; o Brasil, naturalmente, como destaque. 
Aterrissamos bem ao sul, em Guaiaquil, cidade litorânea de belezas exóticas como uma coleção de iguanas numa praça em frente ao hotel onde nos hospedamos. Bem mansos aqueles lagartos horrendos normalmente transitam pela praça, arrastando-se pelos passeios à procura de insetos para comer. Frequentadores e transeuntes são proibidos de alimentá-los.
As praias locais são de belezas diferentes das brasileiras. Por tudo. A vegetação litorânea não privilegia amendoeiras nem coqueiros como as nossas. Parece que essas espécies gostam mais do Oceano Atlântico. As areias são mais grossas e muitas pedras avançam no mar. São bonitas, mas bem diferentes das nossas.
A programação do seminário só incluía uma visita às praias. Nada de banho de mar.
Também, por azar, minha mala havia se extraviado e fiquei praticamente sem roupas, só com duas camisas e roupas de baixo. Mas, daria pra levar até a mala aparecer.
Naquela temporada, um restaurante marcou muito na minha lembrança, pelo nome poético, Juan Salvador Gaviota, e pelos enormes caranguejos do estreito de Beagle, chamados centollas.  Comem-se as patas das quais se extraem lascas de carne, depois de quebradas com um martelinho especial. Essas lascas são mergulhadas em potes com misturas diversas de temperos. Uma deliciosa comida típica equatoriana, que é servida sem qualquer acompanhamento.
Em Guaiaquil, só passamos o fim de semana. De lá, peguei uma carona até Cuenca, com meu amigo equatoriano Eduardo Malo. Os outros Fellows foram de ônibus. Subimos, numa Rural Willys, as íngremes estradas da Cordilheira dos Andes, contando as lhamas dependuradas nas trilhas e acompanhando um enorme condor que, isolado,  sobrevoava as lindas montanhas. Fui apresentado à belíssima música Alfonsina y el mar, numa das fitas cassete que o meu companheiro levava no carro e a mais uma centena de canções andinas.
A cidade de Cuenca fica encravada na metade da subida aos Andes. Próximo ao hotel passa um rio de águas calientes. Isto mesmo, as águas descem do alto da Cordilheira congelada e, por um fenômeno qualquer, quando entram naquela região se aquecem e formam piscinas onde turistas se esbaldam. Lembro-me de que fomos convidados para um banho numa das piscinas. Com meu amigo Bernal Revelo Castro, dentista consagrado em San Jose, na Costa Rica, fui conhecer as tais piscinas quentes, sem nenhum interesse em mergulhar. Apenas os americanos do grupo, uns vinte, estavam nadando. Todos lourinhos, banhando-se nas borbulhantes e enfumaçadas águas da piscina natural. E o Bernal, irônico, fez um comentário inesquecível: Una verdadera sopa de gringos!
Perto de Cuenca, bem no alto da Cordilheira, a bordo de um velho ônibus da Bibi Travels, visitamos uma das mais antigas cidades incas, Ingapirca, também encravada num dos enormes degraus da montanha. Lá, fomos convidados para um churrasco de porco, preparado bem à moda daqueles “porcos no rolete” feitos no Rio Grande dos Sul. Um porco inteiro espetado numa haste com uma manivela na ponta, que os churrasqueiros vão rodando para assá-lo por igual. Essas comidas e costumes, talvez espanhóis, se espalharam por todas as Américas. De Ingapirca, com as lhamas correndo morro acima, fomos para Quito.
A capital é belíssima, com ar rarefeito a mais de 2.500 metros acima do nível do mar. Daí, as reclamações, cada um falando horrores da pressão atmosférica: que dificultava a respiração, que a gente se sente achatado, que cansa muito, etc. Nada disso, me senti absolutamente normal. Melhor ainda, pois quando chegamos, encontrei minha mala esperando no saguão do ótimo hotel. Foi um alívio. Ela havia extraviado, seguindo no voo para Santiago do Chile. Felizmente voltou intata e até exalando uns ares vinícolas da excelente uva cabernet sauvignon..
Numa daquelas tardes, fizemos um passeio ao monumento denominado La Mitad del Mundo, que fica a mais ou menos vinte quilômetros de Quito (foto). Lá, resolvi mudar minha passagem de volta, pois queria fazer uma parada em Lima, no Peru e em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, somente para acrescentar mais dois países ao meu portifólio viagístico. Curioso contar que, naquela data, já havia no Brasil um sistema de telefonia bem adiantado para os padrões sul-americanos. Os interurbanos já eram discados diretamente com os códigos de área, enfim, estávamos bem up to date. no Equador, eles estavam num estágio atrás. Consegui, a duras penas, um aparelho telefônico, imaginem, num lugar de total interesse turístico, justamente onde passa a linha do Equador, que divide o mundo ao meio e, de lá, quis ligar para a agência de viagens. Resposta da telefonista: Tenemos una espera de dos horas para las llamadas a Quito, señor. Desisti e fui tomar una cerveza en la mitad del mundo. O gosto era o mesmo das outras, muito boas.
Era véspera de Natal e os organizadores programaram a Missa do Galo na primeira igreja jesuíta das Américas. Naquela noite, com certeza, conheci uma das mais belas igrejas construídas pelos jesuítas mundo afora. É lindíssima! Rica e com vitrais maravilhosos, que, acredito, compõem uma das melhores obras artísticas da igreja católica. Comparada, nos vitrais, com a Saint Chapelle e a Notre Dame em Paris, a de Saint Patrick em New York, e com os lindíssimos vitrais das igrejas da Boa Viagem e de Lourdes, em Belo Horizonte, sem me esquecer da Capela Sistina, no Vaticano.
Nosso Natal foi solene, com a missa e depois um jantar no próprio hotel, onde haviam montado uma árvore bem sugestiva. Trocamos uns presentinhos entre os Fellows.
Outro aspecto interessante do Equador é que lá, o jogo é livre. Assim, meio fascinado pelas apostas, me encaixei numa mesa de roleta, num cassino ao lado do hotel. Perdas irreparáveis me obrigaram a fazer somente uma parada rápida em Lima e Cuzco e um passeio de táxi em Santa Cruz de La Sierra. Também, não havia muito mais pra ver. Sobre Lima e Cuzco ainda vou falar alguma coisa viu, Lulu?
Belo Horizonte, dezembro/2011.
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