domingo, 27 de fevereiro de 2011

LES PARAPLUIES DE LA RUE SERGIPE

Uma cena interessante é a que você observa do alto de um prédio, num dia de chuva,
quando todos passam a ser guarda-chuvas.
Somem os velhos, as crianças, as moças bonitas, os mendigos, os super-poderosos, somem todos e viram meros guarda-chuvas.
Um artista/pintor, um Claude Monet, quiçás, poderia registrar um acontecimento insólito: a humanidade virando guarda-chuvas. Outro dia, fiquei na varandinha conversando com o vizinho que me falou que estava esperando a namorada dele passar e me deparei com diversos deles, uns negros, outros bem coloridos - a moda já permite até florais e unicolores fortes, vermelhos, azuis, verde escuros e cor de abacate - numa miscelânia de movimentos e cores interessantíssima, comentamos.
Quando um, tão maduro quanto amarelo, atravessou a rua correndo, parecia uma bola de basquete, quicando no asfalto duro, num sobe e desce do movimento do braço de quem o segurava para atingir nada, somente, o seguro passeio do outro lado. Já outro, mais recatado e conservador, preto e grande, descia pelo passeio debaixo das árvores, num caminho reto e imperturbável em direção à portaria do prédio, com certeza onde morava, pois lá sumiu. No meio da rua, dois tagarelavam, um verde outro vermelho, em passo cadenciado, sem medo da chuvinha fria. O papo ajuda muito a esquecer da chuva
pois distrai. Um médio, azul e amarrotado numa das varetas quebradas, subia compassadamente num passo militar com direção certa para a Praça da Liberdade. Com certeza, algum compromisso pré-acertado.
E a chuva não dava trégua. Engrossou e começou a formar uma correnteza na linha do meio-fio. Difícil de atravessar sem galocha.
E a namorada dele não aparecia. Devia estar escondida na entrada do prédio, debaixo da marquise, coitadinha. A noite corria solta e nada de ela aparecer. Ele contou-me que insistiu para que ela aceitasse o convite para dormir ali com ele, mas ela alegou que não tinha trazido a camisolinha e não gostava de dormir semi-nua. Uma bobagem. Pudores interioranos.
Mais um preto, bem grande, devia ser de um dos moradores do super prédio acima do meu, que vejo de frente. Um luxo de prédio, salas enormes, quartos exuberantes, que meço pela extensão das janelas. E o prédio fica escorado sobre colunas metalizadas que dão a impressão de uma bela morada de comendadores e duques. Um guarda-chuvas pequeno, meio marrom, coisa de criança, descia devagar, quase contando os passos. Entrou no prédio vizinho ao meu, do lado de cá da rua.
Aí, aparece a “Margarida”, com uma sombrinha bege. Ainda existem sombrinhas... E ela se dirige para o outro lado da rua a fim de pegar seu carro. A sombrinha, como tudo nela, combina com a roupa do dia. Ela estava com uma calça comprida, também bege, uma blusa branca e um lenço avermelhado no pescoço. O lenço tinha tons de preto, bege também e com predominância dos vermelhos. Muito chique sua namorada, falei com ele. Ah! E o sapatinho dela, também era bege. Que luxo!
Fiquei muito curioso. Ela é sempre elegante assim? Já a vi algumas vezes por aqui e agora, vou reparar se, nos próximos dias de chuva, ela comparece com outras sombrinhas combinando com a toalete. Parece pessoa distinta, educação de primeira. Um dengo! Como dizem os baianos. Um denguinho ensopado. Que delícia! Vou parando por aqui, porque, se não, meu vizinho vai pensar alguma besteira e me atirar lá em baixo. Ciao bella.
Roberto Hermeto Brandão – 22/11/2010