sábado, 17 de março de 2012

MONTEIRO LOBATO E HOUAISS NA MIRA DOS POLITICAMENTE CORRETOS

Que tolice, inventaram o tal de “politicamente correto”! Raios, o que significa esta bobagem? Argumentam que quando alguém emprega um termo ou usa uma expressão, com a qual não concordam, ela está politicamente incorreta. Como podem esses - que se acham os donos das verdades, os sabem-de-tudo, os mais espertos do que os outros, os pseudo-sábios -, ditar regras e costumes em nome da erudição e do saber?
Que tolice, repito, como dizia o Dr. Ulysses Guimarães. Lembro-me muito daquele político, quando digo que estou repetindo alguma coisa, porque quando ele discursava, em quase todas as suas apresentações, ao final falava: “Repito”, dando a impressão de que a plateia não havia entendido e que seria necessária mais uma rodada sobre o assunto para fazê-la gravar. Ele talvez estivesse certo, pois, no momento, também estou sentindo a necessidade de sugerir que devemos todos começar a criticar  e a repetir nossas críticas sobre esses assuntos descabidos e fúteis, que aparecem por aí, para tentar tirá-los, em definitivo, do noticiário cotidiano. Como incomodam!  
Os assuntos a que me refiro versam sobre o seguinte. De uma hora para outra, no ano passado, começaram a criticar o escritor Monteiro Lobato por ter descrito como negra, a Tia Nastácia, aquela simpática cozinheira de bolinhos, personagem do livro “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Um grupo de radicais achou essa apresentação preconceituosa e portanto, “politicamente incorreta”,  levantando uma bandeira destinada a tirar dos estudos escolares o delicioso livro infantil. Ora, num país onde a história e as estatísticas mostram que a nossa raça é formada por índios – maioria -, que se misturaram com uma população colonialista européia branca, em minoria, e, ainda, se mesclaram com uma enorme população importada de negros africanos, só poderia dar nisto. Os negros que, de escravos passaram a prestar serviços mais subalternos e foram evoluindo em educação e riqueza para, hoje, viverem em pé de igualdade com todas as outras raças, oferecendo ao país seus serviços honestos e dedicados em qualquer setor de atividade. Somos todos iguais perante a lei. Ainda, naquela época do Pica-Pau Amarelo, anos 1940, os negros ainda estavam mais ligados à prestação dos serviços domésticos e o autor não fez nada demais descrevendo a Tia Nastácia como a cozinheira da casa. Não há nenhum demérito nisto, nem muito menos preconceito racial. A personagem fazia parte de uma raça que veio para o Brasil, naquela condição escravagista e venceu. Sinto essa reação dos conservadores como um preconceito ao contrário. Baseados nesta acusação ridícula, eles estão querendo tirar o Lobato das carteiras escolares, autor que alegrou, encanta e enfeitiçará todas as nossas crianças de ontem, de agora e de sempre. Como, cara pálida? Repito, como o Dr.Ulysses, que tolice!
Outro assunto que entrou na mídia, em nome dos citados “p. corretos” é que eles estão tentando sustar a circulação, ou seja, interromper ou cassar a venda do super dicionário do Antônio Houaiss, ex-membro e ex-presidente da ABL, até que retirem do verbete cigano suas versões pejorativas. Ora, os dicionaristas devem registrar a língua com toda a sua dinâmica, na sua plenitude. A língua é viva, ela evolui, e neste caminho, sofre variações em sua interpretação e leitura, mas deve ser mostrada por inteiro. Ela faz parte da história de um povo, demonstra claramente a sua variação cronológica em termos de costumes e educação. Além do mais, no caso, o sentido pejorativo não se refere a toda a raça, é lógico. É a mesma coisa que acrescentar no verbete “político”, os sinônimos tão em voga hoje de pessoa corrupta, desonesto, bandido e venal. Sabemos que não são todos, da mesma forma que os ciganos!
Os grandes dicionaristas - e todos eles são grandes -, se dispõem, depois de um trabalho longo e dedicado de uma vida inteira, a nos ajudar a ler melhor e a escrever melhor ainda. Que sorte a nossa! Somos muitos, milhares, que estamos dispostos a manter os dicionários como nossos livros de cabeceira, de consulta diária, tão úteis e insubstituíveis.
O Houaiss, entre outras definições, classifica o cigano como “aquele que tem vida incerta e errante;”, boêmio”, “vendedor ambulante de quinquilharias”, “o que serve de guia ao rebanho (diz-se de carneiro), “que ou aquele que trapaceia, velhaco”, “aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro,agiota, sovina”. É lógico que estão aí todas as variações do verbete, ditas livre e nacionalmente ao longo do aparecimento da raça. Nada contra, senão, vejamos. Num momento da minha vida, topei com uns ciganos. Quando menino, em Ijuí, no Rio Grande do Sul, morávamos numa casinha que tinha como vizinho um campo de futebol dentro de um colégio religioso. E nesse campo, uma vez por ano, acampavam os ciganos das redondezas. Eles apareciam no inverno e não tinham boa fama naquelas paragens. Lembro-me de que a mamãe, quando notava o movimento da montagem das barracas nos chamava a Lúcia e eu para advertir-nos de que os ciganos poderiam levar alguma coisa. Mamãe não falava em roubar, pois, justificava, eles viviam em dificuldade, não tinham casa nem emprego, eram nômades, criavam suas famílias com dificuldades, etc. e tal. E nós dois, sempre muito obedientes, guardávamos nossos poucos brinquedinhos: uma bola de borracha gasta, ioiôs que ela montava com botões, baralhinhos infantis desenhados à mão, também por ela, uma bicicletinha velha e um velocípede usado.
No entanto, no único dia em que não recolhi o velocípede e a bola, eles sumiram.
Então, que tolice é esta de retirar os pejorativos do Houaiss?
Belo Horizonte, março/2012.   

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las. Voltaire