segunda-feira, 18 de novembro de 2013

                                                        O MINUANO
Numa manhã chuvosa como esta de hoje, em Belo Horizonte, lembrei-me de uma situação de risco que a Lúcia, minha irmã, e eu corremos em Porto Alegre, nos idos de 1946. Como sempre, brincávamos muito nas ruas e naquele dia saímos do prédio onde morávamos para jogar bola com um amiguinho, em frente à nossa casa.
De repente, despencou uma tempestade terrível, com ventos e raios. Ficamos apavorados e rumamos velozmente para casa, mas o nosso amigo, cujo nome me esqueci, resolveu buscar a bola que havia rolado pela rua e estava bem longe, talvez, a um quarteirão de onde brincávamos.
Gritamos para ele esquecer a bola, voltar conosco e esperar a chuva melhorar um pouco, e ele nada. O gauchinho era valente. Não se intimidou, continuou correndo atrás da bola até que uma lufada de vento, ao som estrondoso de um trovão, o levantou no ar e sumiu com ele. A Lúcia e eu gritamos em uníssono: “Mamãe, socorro! O fulano sumiu, o vento o levou, saiu voando agarrado na bola e desapareceu”. E a água caindo impiedosamente.
Mamãe já vinha descendo a escada, aflita, procurando por nós e ficou estupefata quando lhe contamos do sumiço dele. “Vamos já pra dentro”, disse ela. Entramos no prédio, ensopados, tremendo de frio e de pavor com o que havia acontecido. Coitadinho do fulano, pra onde ele foi? O que vai acontecer com ele?
Nada podíamos fazer. Nem a mamãe, nem a polícia, nem os bombeiros. Ninguém. Passamos o resto da tarde muito cabreiros, sem trocar palavra, até com medo de tocar no assunto.
Papai chegou do quartel e, enquanto desafivelava o talabarte e desvestia a farda, contamos-lhe o ocorrido. Ele olhou para nós e, calmamente, como sempre, disse:
“Não se preocupem não, é o vento Minuano, daqui a pouco eles o encontram”. Nem se abalou e continuou descalçando as botas.
E não deu outra. No dia seguinte o gauchinho apareceu lá em casa com a mãe dele, para contar como havia virado um pássaro sem querer e que havia sido encontrado a uns dois quarteirões do lugar onde estávamos, desmaiado, ensopado e agarrado à bola.
Na verdade, nem ele nem a mãe haviam entendido nada do que acontecera. Ele se lembrava, somente, de que havia subido aos céus e que fora encontrado no meio da rua pelos vizinhos.
Mas a Lúcia e eu o vimos desaparecer.
Belo Horizonte, outubro de 2013.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
  
“As repúblicas acabam pelo luxo, as monarquias pela pobreza.”
(Montesquieu – 1689-1755)