Depois de uma noite regada a muita cerveja, pouco sono e jejum de doze horas, me mandei para o Laboratório Hermes Pardini para exames de praxe. Depois dos 35, toda hora, os médicos ficam inventando que a gente tem que fazer isto ou aquilo, só para controle. Ora, nunca estive descontrolado!
Assim, meio tresnoitado, pois havia aberto os olhos às cinco horas para o treino classificatório da Fórmula Um, vesti uma roupinha e fui fazer os exames.
Tenho horror de me encontrar com algum conhecido, pois, em jejum e sem escovar os dentes, nosso hálito fica uma tragédia. Prefiro entrar, sorrateiro, me assentar num cantinho, às vezes, até com um boné ou chapéu, óculos escuros, roupa de mendigo, barba mal feita e silêncio total. Não olho nem para os lados. Mas, hoje, embora totalmente disfarçado, fui reconhecido por uma menininha loura, olhos azuis, onze meses, que a mãe trazia no carrinho, enquanto aguardava sua vez. O bebê encantou-se comigo. Deve ter imaginado um ser de outro planeta, pois sorria, abria os bracinhos. A mãe, atenciosa, murmurava: Ela está querendo brincar com o moço. Os cabelos brancos estavam escondidos debaixo do boné. Toda sorridente, a menininha agitava os bracinhos abertos como se estivesse me chamando. A mãe não teve dúvidas, me entregou a garotinha.
Como sou muito “jeitoso” com crianças acabo parecendo um robô/autômato. Não sei carregar, fazer carinho, nada. Sou igual ao papai, que só coçava a moleira das crianças com um dedo esticado, como se estivesse com medo de ser infectado por alguma bactéria. É falta de jeito mesmo!
Segurei a menininha, toda torcida no meu colo, e devia estar com uma cara de poucos amigos, pois a mãe logo falou, com aquele hálito característico: Vem cá, meu bem, o moço não está querendo brincar com você, não. Concordei com a cabeça e entreguei o abacaxizinho para a mãe. Uma gracinha, mas longe de mim.
Contei este caso para o Zuza que me chamou de burro: “Você devia ter dito que está pesquisando uma doença infecto-contagiosa e ela sumiria com a menina do seu lado.” E ele tinha razão!
Voltei à minha taciturnice, quando entra um conhecido. Havia trabalhado comigo na Selt, há uns vinte anos. Cocei a barba fechando mais ainda o ângulo de visão do meu rosto, totalmente disfarçado com os óculos e o boné, abaixando a aba. Não durou muito meu disfarce, pois minha senha foi chamada - senha preferencial sai rápido -, e tive de me levantar para ir ao balcão. Passei pelo conhecido, olhando para a parede, mas, quando me postei na frente do caixa, ele me reconheceu. Levantou-se como um bólido e veio todo feliz me cumprimentar. Oi Roberto, que prazer em vê-lo, há quantos anos, você mora em Belo Horizonte ? Já é avô? Como vai sua mulher? E os seus meninos, estão bem? Já casaram? E você, já se aposentou? Ainda está trabalhando? Puxa, como você está bem, tem viajado? Tá escrevendo muito? E o violão? Muita música nova? Tá casado ainda? Quantos netos? Ainda mora na Raja? E os carros, algum modelo antigo? Vendeu as Mercedes? E o MG, ainda está aquela jóia? Você elegante como sempre, heim? Não perde a classe mesmo? Me desculpe mas você está com quantos anos? Puxa como você está conservado! Você não muda nada... E tudo isto com aquele mau-hálito terrível.
Falei: Pois é, me desculpe, mas tenho que despachar ali no balcão. Está tudo bem, obrigado. Ciao!.
Sacrifício igual, só no próximo controle de praxe. Argh!
Belo Horizonte, março/2012
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“A burrice é contagiosa; o talento não.”
Agripino Grieco