sábado, 21 de abril de 2012

AS BOAS CARONAS

Decidimos viajar à tarde, para evitar os congestionamentos da manhã, no feriado de 21 de abril de 1974, num Ford azul marinho metálico 1955, motor Rocket V8, pneus meia-vida em rodas de ferro com calotas, tanque cheio até à boca de gasolina azul, partimos para o Rio de Janeiro. Fomos, o Zuza e eu para entregar o carrão para o Reginaldo, no Rio. O Regi, irmão dele, havia comprado o Ford por gosto pela marca e também pra ajudar o irmão, que tinha mais umas duas bombas na mão, com dificuldade em vendê-las: um Perfect 1964 inglês, novo, dizia ele e um Gordini, azul, 1971, também novinho.
Na saída de Belo Horizonte nada de mais. Estrada vazia, todo mundo calmo e o Fordão funcionando maravilhosamente. Já em Barbacena, ele começou a ferver. Comentei com o Zuza que refutou: Tá muito calor, Roberto, daqui à pouco volta à temperatura normal.
Claro, co-piloto não discute.
Seguimos pela BR-040 novinha até a Cabana da Mantiqueira, em Barbacena, parada obrigatória naquela época. Era de praxe comer uns pães de queijo e tomar umas Coca-Colas geladas. Tudo normal, com o Ford fervendo, mas sem problema.
Re-abastecidos, prosseguimos para a próxima parada um pouco à frente de Juiz de Fora,
na Roselanche. Mais um refrigerante e uns pastéis de queijo, para não enjoar e enfrentar a descida da Serra, numa estrada sinuosa de mão única, até o Rio.
Logo após o desvio para Petrópolis havia um soldado numa das curvas, pedindo carona com o dedo característico. O Zuza me perguntou: Vamos levar o soldadinho? Claro, respondi, num carrão destes podíamos levar até mais...
Paramos e falamos, entra aí, soldado. O carrão era de duas portas e tive que auxiliá-lo a entrar, com aqueles bancos que se dobram para o passageiro de trás. Ele se acomodou e continuamos a viagem. O Zuza, assoviando o Hino Nacional em homenagem ao passageiro ilustre, fincou o pé direito no Fordão e despencamos serra abaixo a uns 150 km/h.
No mesmo momento, acho que furou uma mangueira que levava a gasolina para o carburador, o carro era de 1955, e virou um bólido, literalmente. A gasolina voando pra todo lado e o automóvel disparado ladeira abaixo. Já acostumado com a perícia do piloto de inúmeras outras viagens, eu estava relaxado no banco da frente e observando o soldadinho no banco de trás, arregalado e tentando se agarrar em qualquer P...M... que estivesse por perto. Coitadinho, pensei, ele nunca pensou que uma caroninha tão próxima do Rio, pudesse ser tão perigosa. Num instante ele bateu no meu ombro e pediu: ”Ô moço, pergunta pra ele se eu posso descer...”. Onde? Perguntei, em algum posto de gasolina? “Não moço, em qualquer lugar.” Mais umas curvas cantando pneus e ele desceu, pálido. Ficou em pé no meio da estrada e deu um adeus pra nós,
aliviado.
Noutra, o Reginaldo, o mesmo lá de cima, subia do Rio para a casa da tia em Itaipava quando viu um carro parado na estrada com um homem acenando. Parou, solidário e perguntou se o homem precisava de ajuda. O cara disse que sim, que deveria voltar para o Rio, pois tinha um compromisso às 20:00 horas no Teatro Municipal.  O Regi, então,
prontificou-se a levá-lo até o posto mais próximo da Polícia Rodoviária onde o pobre coitado talvez conseguisse uma carona para levá-lo ao Rio. Fez isto e deixou o maestro Radamés  Gnattali, não muito perto do concerto que regeria no Municipal. Coisas da vida.
Mais uma boa carona. Estávamos numa festa em Campinas na casa de uns amigos, o Celso Quatrocentão e eu, quando resolvemos ir embora. O dono da festa, o Alvinho, nosso amigo de Ribeirão, pediu-nos para levar um dos convidados para São Paulo, nosso destino. Claro, podemos levá-lo, sim.
Assim, acomodamo-nos no Karmann-Ghia  do Celso, eu atrás, espremido e sem conforto, cedi o banco da frente  para o fantástico, fabuloso, insuperável estilista Clodovil Hernándes. Pessoa simpatissíssima, pediu ao Celso somente uma atenção durante a viagem. Que, em cada pedágio ele desse um tempinho para ele ver os guardas rodoviários com as suas botas, pois ele ficava excitadíssimo aos vê-los.
E o Celso o atendeu.
Belo Horizonte, abril/2012

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Antes, todos os caminhos iam, hoje, todos os caminhos vêm. Mário Quintana