PETRIKA E SPINELLI
Na década de 1950, foram inauguradas em São Paulo duas fábricas
de sapatos que passaram a oferecer modelos sob medida das suas criações.
A Petrika, de origem grega, mostrava uma linha mais formal, em
couro alemão, sapatos sociais na maioria pretos, chiquérrimos mesmo, e a
Altemio Spinelli, que apresentava uma linha mais descontraída, baseada nos lindos
modelos dos lançamentos italianos. Ela ainda está lá na Rua Oscar Freire, quase
esquina de Augusta. O meu amigo Eloy deve se lembrar dessas marcas.
A italiana Spinelli era a minha preferida. E eles duram tanto que
ainda tenho dois pares em boas condições de uso, comprados naquela época.
Lembro-me, inclusive, de uma bota de cano curto, em desenho inglês tipo Oxford,
que levou muitas meias-solas até não suportar mais as costuras e ir pro brejo.
Na nossa turma lá da Rua Arruda Alvim havia os que preferiam os Petrikas - caso do Estácio -, e nós
outros que preferíamos os italianos Spinelli.
Entusiasmado, ele juntou umas economias e comprou o sapato grego bem estiloso,
meias de seda e viajou conosco para a Cidade Ocean, condomínio recém-inaugurado
na Praia Grande. O pai do Renato “magro”, também da turma, tinha lá um
apartamento para onde íamos, invariavelmente, todo fim de semana. O Renato, eu
e o meu violão éramos fixos; os outros da turma se revezavam. E, naquele
feriado prolongado, o Estácio era um deles, que não desgrudava do sapato novo nem
para ir à praia.
Todos os banhistas descalços ou com sandálias e ele desfilando com
o seu Petrika, muito bem engraxado, calçado sobre meias pretas. Acabou virando
uma figura folclórica durante aquelas férias.
À noite, quando arrumávamos companhia, promovíamos uns banhos
noturnos, tipo Adão e Eva. Numa daquelas noites, o Estácio já bem animado com
umas canas descalçou a preciosidade e mergulhou no mar, deixando-a junto com as
roupas na areia. Nadou a se fartar e quando saiu do mar para se vestir, os sapatos
haviam sumido. Ficou doido, baratinado. Começou a correr de um lado pro outro,
gritando: “Fui roubado, pegaram meus sapatos, me ajudem, por favor. Meus sapatos
custaram uma fortuna. Chamem a polícia, tem ladrão na praia. Imploro que me
ajudem!”
E assim, pelado, ele saiu correndo e berrando, Cidade Ocean
adentro. Na rua central, onde ficam todos os prédios, as janelas foram-se
abrindo e nós, de longe, morrendo de rir do desespero dele pedindo ajuda para
descobrir o ladrão de sapatos
. Já
esgotado, cabisbaixo e triste, voltou vaiado por alguns turistas nas janelas e
chegou até às roupas, que vestiu e quase chorando desistiu da gritaria.
Daquele dia em diante, passou a conferir os calçados de todos os
hóspedes do belo balneário à beira-mar, mas nunca mais viu o par de Petrikas.
Na gozação, sugerimos a ele que fizesse, toda manhã, um plantão no
Mercado dos Peixes para verificar nos pés grossos, cascudos e rachados dos
pescadores se havia algum andando desengonçado com os finíssimos sapatos pretos.
Belo Horizonte,
outubro/2013.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
As pessoas
felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o
presente e encaram o futuro sem medo. Epicuro
presente e encaram o futuro sem medo. Epicuro