domingo, 4 de dezembro de 2011

LES ESCARGOTS DU SIÈCLE


Desembarquei no velho Galeão depois de uma proveitosa viagem de negócios a Paris. Na bagagem, muitas lembranças e uma preciosa carga de cinco latas de escargots com los caracoles, para um lauto almoço em BH.
De cara, comuniquei ao Daurinho e à Helena, meus convidados de honra, que faríamos os raros e deliciosos bichinhos, talvez, numa bela manhã de domingo, no meu apartamento da Raja Gabaglia, “quase à beira-mar”. Avisada, a Lúcia afinou o violão e recomendou ao Dorival que separasse o avental e o chapéu du chef.
Mas, uma coisa e outra, o tempo foi passando e o tal almoço não acontecia. Os bichinhos, enraivecidos, decidiram mofar dentro da lata, em sinal de protesto. Afinal, era um absurdo, pois já estavam há tempos preparados pra irem pra panela e... nada. Ninguém os convocava.
Muitas outras viagens, muitas latinhas na bagagem e nada do almoço. A população escargótica revoltada, os caracoles esfacelados no muda pra cá muda pra lá, num verdadeiro desastre gastronômico. Passei até a ser cobrado, em tom de brincadeira, quando nos encontrávamos - “E os escargots do Daurinho?” Eu ficava meio sem graça, cofiava a barba, mas não deixava de prometer que, na próxima viagem, eles chegariam. Mas, o tempo é implacável. Passaram-se meses, anos, até o século passou e nada! A cada nova viagem criava-se uma expectativa e os bichinhos não apareciam. Assim, e com muitas latas mofadas, caí no descrédito.
No entanto, o Daurinho, cansado de tantas promessas e com uma curiosidade culinária aguçadíssima, acabou de anunciar ter trazido o bicho. Aleluia!!! Desta vez, sai.
Num pulo, corri para a vitrola, coloquei o LP do insubstituível Dave Brubeck para, com o Take five, buscar a receita e a inspiração corretas. No segundo copo de Blood Good Red, corte bordalês, veio à mente a complicadíssima receita: manteiga salgada, salsa, alho e cebola bem cortadinhos, cebolinha picada e um dedo de noz-moscada, a conselho do grão-mestre Flávio Simão. Corri para o telefone e marcamos para a casa da Lúcia, também “quase à beira-mar”, no domingo, 24, início da primavera de 2006. Não podemos perder mais tempo. Pedi logo à Carminha que lavasse os pratinhos e as ferramentas: pinças com molas de pressão e garfinhos de duas pontas para pescar o bicho no fundo do caracol, e demos início, assim, à prometida farra pantagruélica.
Lúcia já pediu ao Dorival para providenciar, na hora e na horta, as salsinhas e as cebolinhas bem frescas e disse que a mamãe comentou, com o nariz franzido: “A gente come mesmo esse bicho?”.
O cardápio ficou decidido: Entrée: les escargots à Provençale, avec Chardonnay Banrock Station, mèthod champenoise , degrée six y les riz blanche chez les Poulets a la Provençale au M. Anquier, avec le Chardonnay d`Australie Out Break Creek Colombard/Chardonnay, 2004, degrée neuf.Um luxo! Não é fácil montar um desses em Belo Horizonte...
Assim, no sopé da montanha, com os ipês floridos da verdejante Mata do Jambreiro, ao fundo, e com uns dez anos de atraso, vamos saborear os famosos escargots do Daurinho que, pela longa espera, carinhosamente foram apelidados os “escargôs do século”, para os quais, o Pedro e a Luciana também foram convidados.