O QUEBRA-DENTES
Numa madrugada, recebi um telefonema do meu filho Pedro, queixando-se de que havia sido roubado, na porta da Boite L`Àpogée, na Savassi. Disse ele que estava aguardando na fila de entrada da boite, junto com o Brantinho, quando passou um bando de pivetes e um deles, com extrema maestria de larápio, arrancou-lhe o relógio do pulso e correu rua abaixo. O relógio não era lá essas coisas, não era de uma marca famosa, pois ele nunca ligou pra isso, mas, tudo que a gente perde ou é surrupiado ganha um valor enorme e torna-se uma grande perda. Era o caso, pois ele disparou atrás do ladrão que, cansado, um quarteirão à frente, resolveu enfrentá-lo.
Coitado! Ele não podia imaginar que tomaria um soco no rosto, que, impulsionado pela raiva, se transformaria num coice. O Pedro é muito forte e, com a pancada, arrancou-lhe, praticamente, todos os dentes, cegou-lhe um olho e abriu-lhe uma avenida na bochecha. O pivete caiu e o Pedro foi em cima pra pegar o relógio, mas, os outros do bando, talvez uns dez, que também estavam correndo juntos, se viraram contra ele tentando salvar o rapaz e afastar o enfurecido Pedro. Em desigualdade de condições ele, que não é bobo, desistiu momentaneamente do relógio e continuou sua corrida por mais uns dois quarteirões, quando a molecada desistiu de pegá-lo.
Pelo telefone, aconselhei-o a voltar para casa para esfriar a cabeça, prometendo que tomaríamos uma providência no dia seguinte.
Quando chegou em casa ele me contou esta história, tomamos um bom gole de whisky e fomos dormir, pois já eram cinco horas da manhã.
No dia seguinte, um domingo, acordei matutando sobre o que deveríamos fazer ou que providência tomar, mas, não tive nenhuma idéia brilhante. O Frederico também acordou e troquei uma idéia com ele, mas, também, não chegamos a nenhuma conclusão.
Enfim, quando o Pedro se levantou, muito agitado e querendo fazer alguma coisa tive a idéia, prontamente aceita, de voltarmos ao local da pugna para procurar o relógio. Aventei a hipótese de que o dito cujo talvez tivesse caído da mão dele quando recebeu o petardo na cara e lá tinha ficado.
Animados, fomos, os três, atrás das pistas que nos levassem ao relógio roubado. Lá chegando, a um quarteirão da boite, munidos de umas sacolinhas, começamos a catar tudo que víamos no chão. E fomos juntando uns dez pedaços de dentes quebrados e dois inteiros - o Pedro abriu um sorriso. Encontramos todos os restos das noites e dias sem uma varrição como um rolo de papel higiênico sujo e pela metade, um pé de sapato que deveria ser do meliante, um bonezinho surrado, talvez dele também, vários botões de camisa que, com certeza voaram quando o Pedro tentava lhe agarrar e uma trilha de pingos de sangue indicando o caminho que o pivete havia tomado, quando fugiu. O Pedro sorriu de novo! Mais à frente, perto do portão de uma casa e num cantinho de muro, duas camisinhas usadas, um par de óculos sem lentes e com as hastes tortas, muitas folhas secas, dois copos de plástico, uma porca de roda de carro e um relógio: fodido, sem pulseira nem ponteiros e com o vidro quebrado. Não era o do Pedro!
Voltamos meio desapontados e só o Pedro com um sorrizinho maroto donde se deduzia: aquele pivete vai passar um bom tempo tomando sopa!
Roberto Hermeto Brandão
Belo Horizonte,12 de agosto de 2008 .
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A gente pensa uma coisa. Diz outra. O ouvinte entende outra. E a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita. Mário Quintana