A PRIMEIRA TV
Papai e mamãe chegaram dos Estados Unidos e trouxeram uma
televisão. Lúcia e eu morávamos na casa da vovó
Augusta em Belo Horizonte e quando eles abriram a caixa foi um acontecimento!
Os tios e parentes já haviam ouvido falar alguma coisa a respeito, mas não tinham a menor noção de como
funcionava. Meu primo Milton, piloto
aviador da Nacional Aerovias, contava que quando voava para São Paulo assistia a filmes e programas de auditório numa tevê no saguão do
aeroporto, que ficava lotado de curiosos.
Desempacotado, surge aquele aparelho exótico: um móvel
enorme, pesadíssimo, cheio de botões que só se assemelhava
aos rádios pelo fio preto que saía da parte de trás para ligar na tomada. A
marca era SEMP. Na frente, um quadro de vidro opaco, cinza, emoldurado e na
parte de baixo aquela botãozeira sem fim. Mamãe falou que aquela frente eles
chamavam de scream, tela em
português, e vinha com as medidas impressas num canto, assim: 17".
Dezessete aspas? Que doideira. Ninguém
sabia o que era aquilo nem o que queria dizer.
Assim, re-empacotaram o trambolho e entramos no carro do tio
Tonico, um Chevrolet 1947, que iria nos levar até o aeroporto da Pampulha para
pegarmos o voo das 5 horas para São Paulo.
O ano era 1951 e o mês, dezembro.
Desembarcamos de um táxi na Rua Teodoro Sampaio, 316,
esquina de Rua Arruda Alvim, no bairro de Cerqueira Cezar/Pinheiros, Edifício
São Miguel Arcanjo, para mais uma temporada de dez anos na capital paulista.
Agora, no apartamento 6, um pouco maior
do que o que havíamos morado antes, de número 2.
O apartamento já estava mobiliado com os mesmos móveis do
anterior e só faltava comprar um armário para dividir um dos quartos, onde ficaríamos a Lúcia e eu, ela com a janela e eu com os
fundos. Mamãe foi até uma loja de móveis, lá na Teodoro mesmo, e subiu a rua
com dois carregadores trazendo o armário nos ombros. Era um sábado e a mudança
foi feita sem atropelos. Os dois carregadores aproveitaram para subir também
com o "trambolho" que havia ficado na portaria. E dali para frente
foi só alegria! A emissora recém-inaugurada era
a TV Tupi, cujos estúdios eram no Sumaré, bairro próximo lá de casa. Cheguei
até a conhecê-los quando um ex-namorado da Lúcia, o Celso, me convidou para
assistir à gravação de um programa, O Cavaleiro Negro, que ele protagonizava
junto com o Tatá, o Luiz Gustavo, que mais tarde ficou famoso interpretando o
Beto Rockfeller, novela da TV Globo.
A partir das seis e meia da tarde, começavam a chegar os
"televizinhos". Do nosso prédio, todos: homens, mulheres, velhos e
crianças. Só essa turma já enchia a pequena sala. Uns assistiam um pouco, saíam
para um lanche ou para o jantar, depois voltavam para ver os capítulos das
novelas, do Cavaleiro Negro e alguns filmes americanos ininteligíveis. Mas, era
um acontecimento. Para a meninada, sanduíches, pipocas e refrigerantes e para
os mais velhos, algumas poucas vezes, uma cerveja. Eram tempos de "vacas
muito magras".
Belo Horizonte, janeiro de 2015.
rhbrandao@gmail.com
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
El hombre no deja de enamorarse cuando envejece, por lo contrario: envejece cuando deja de enamorarse. Pablo Picasso