domingo, 10 de junho de 2012

O ROTWEILLER QUE CUSPIA LUZ                 
                                     
Ouvi, hoje, mais uma história interessante. E só poderia ter sido contada pelo Zuza, que é o personagem central de todas as histórias extravagantes e curiosas que conto por aqui. Principalmente as que falam sobre cachorros.
Hoje, em meio a nossa esclarecedora prosa sabatina, ouvi do Zuza mais uma nova. Já contei a do Iuri, o cachorrinho do Caio que, perdido na rua, foi parar num rendez-vous, onde o Zuza o encontrou com um lacinho de fita rosa no pescoço, na sala da cafetina e no colo de uma das garçonières. As meninas, inclusive, haviam descoberto que ele era roncolho. E a do Barão, outro cachorro que ele “deu” pro caseiro do sítio sem, contudo, deixar de continuar de manter o bicho. Ele ficava revoltado de ter que, inclusive, vaciná-lo. Um absurdo, dizia ele.
Assim, de histórias e excentricidades sobre cachorros, o Zuza é o campeão.
A Sônia, mulher dele, já se cansara de ir para o sítio todos os fins de semana e devia ter suas razões. Ele, viciado por mato, cervejas e vinhos, mesmo isolado, não desperdiçava qualquer feriado ou sábados e domingos com chuvas de granizo, frio, geada ou o que fosse. Com razão, pois o sítio, em Santa Luzia, era realmente lindo: num alto de morro, uma casa de madeira com lareira e tudo mais, incorporando toda a beleza da natureza. Não poderia desperdiçar mesmo.
Segundo ele, certa tarde, sozinho e bem animado com as cervejas e os vinhos, sentou-se no gramado bem no alto à frente da casa, deliciando-se com a vista deslumbrante da matriz de Santa Luzia, em silhueta com o sol poente. Assobiou para o cachorro de guarda, o Balboa, um feroz Rotweiller que havia comprado para substituir o John Wayne, então, já velho e cansado.  Tão logo Zuza chegava ao sítio, o Balboa se colava nele e o acompanhava em todas as andanças, obedecendo-lhe cegamente qualquer ordem, enfim, um legítimo cão de guarda do dono. E, naquela tarde, aboletou-se fielmente ao lado do dono. Só para se manter em contato com o mundo exterior, Zuza colocou seu celular na grama, ao lado, para atender a qualquer emergência. E, ali,  ficaram os dois, encantados com o por do sol, nenhuma palavra ou grunhido trocado até que o Zuza ouviu um ruído diferente. Era como o som de uma máquina esmagando alguma coisa. Olhou em volta, nada diferente a não ser as alamandas amarelas, cor-de-rosa e vermelhas, enfeitando a cerca; um touro lá embaixo, na fazenda do Pedro Paulo; e um urubu faceiro no céu. Na casa, nada de novo.  Num relance, percebeu um brilho de luz, ao lado, de onde vinha o barulho estranho. E qual não foi sua supresa ao deparar com o fiel Balboa mastigando o celular deixado na grama. Feliz, com o celular aos frangalhos e a boca toda iluminada pelos ácidos contidos na bateria do celular, o cachorro encarou o Zuza como se dissesse: “Tá vendo? Eu te protejo contra tudo e contra todos”. Conclusão do Zuza: o Balboa sobreviveu, mas ficou com um hálito terrível.
Quando ele contava, lembrei-me do “Auto da compadecida” do mestre Ariano Suassuna, onde ele conta que havia um cavalo que descagava ouro. Acho que faria uma boa dupla com o cachorro que cuspia luz.

Belo Horizonte, junho/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Ressentimento é um copo de veneno que você toma pensando que vai prejudicar o outro. William Shakespeare
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