Ainda sobre a Coordenação de Crédito Rural, nossa conhecida de crônicas anteriores, lembro-me do Roberto Carlos de Paiva Carvalho, que só me tratava de xará. Uma figura excêntrica que, com uma certa falta de controle emocional, nos brindava com diversos perdigotos numa conversa mais próxima e não passava por uma cadeira sem dar uma tropeçada. Na verdade, era um pouco estabanado, mas era um grande amigo e tinha um coração de ouro. Na origem de uma família de grandes latifundiários e sem nenhuma propensão à vida no campo, fez o Curso de Economia e se estabeleceu na Capital. O Robertão, como o chamávamos, estava sempre de paletó, mas não era considerado muito cuidadoso com a roupa, como nós outros, colegas da Coordenação. Com a gravata sempre folgada e meio torta sobre a barriga exposta pela camisa aberta e mal abotoada, os paletós um pouco amarrotados, sapatos desamarrados e calças e meias sem combinar muito, discutia com o Lourenço, quase que diariamente, sobre a vida folgada do colega que, aos domingos, comparecia às piscinas do Iate Clube com a namorada, apelidada de “boneca”.
Nunca entendi a origem da implicância dele com o Lourenço Menicucci, outro figuraça e nem a contratação daquele dentista. De família de italianos ricos do Sul de Minas, havia se mudado de Lavras para Belo Horizonte para estudar Odontologia e acabou trabalhando na Coordenação, um dentista com ares de psicólogo. Alto, bonitão, olhos verdes e uma conversa pra boi dormir realmente eficiente.
Já o José Roberto Martins, meio pária naquela relação de jovens bonitinhos e promissores, foi logo apelidado de “barango”, pelo Maurício. Nós sabíamos que era também pela falta de cuidado com a vestimenta e o desleixo consigo próprio. Ele saiu da Coordenação para trilhar caminhos mais promissores na profissão de economista e deve ter dado certo. Era muito competente e dedicado.
O Cláudio Luiz de Paula de Carvalho, já pelo próprio nome, talvez a pessoa mais prolixa que já conheci, também economista, tinha planos maiores. Talvez mudar-se do Brasil para um lugar onde pudesse se esconder do mundo. Soube que aposentou-se e foi morar em Paris e acho que por lá ficou. Nunca mais o vi.
E o Raul Octávio Amaral do Valle, óculos grossos, autêntico intelectual, também dedicado às ciências econômicas era radical e não se misturava nas nossas farras de muita cerveja e muita música. Era um introspectivo! Chegava pontualmente, ria discretamente das nossas conversas e saía sem muita prosa. Ele não se misturava conosco.
O Maurício Moreira, se recebesse um apelido seria de “o sorriso”, pois não me lembro de vê-lo aborrecido ou reclamando de alguma coisa. Estava sempre sorrindo! God bless him.
Já a área jurídica, era composta por um poeta e um músico, absolutamente frustrados nas suas aptidões e dedicados a pareceres de alto valor teórico. O Aloísio Ferreira Filho ainda entendia um pouco a prática forense, herdada do pai, advogado bem sucedido em Visconde do Rio Branco e eu, o outro jurista, só queria cantar e compor em longas noitadas no Maletta.
Uma vez nos metemos a fazer uma música para o I Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, a realizar-se no final do ano. Perguntei ao Aló: Alguma poesia escondida ou pronta pra sair do forno? Ele falou que tinha um tema interessante, que era a comparação do curso de um rio com a própria vida, bem filosófico que, com uma melodia também fluida, talvez ficasse bom. Naquela época estavam em moda esses temas filosóficos. Vejam só as concorrentes: a belíssima canção do Fernando Brant e do Bituca, Travessia, e as não menos lindas, Arrastão, do Edu Lobo e Vinícius de Morais, e Sabiá, do Tom Jobim e do Chico, para citar apenas algumas.
Trabalhamos muitas horas no tema sugerido: eu compondo a melodia e o Aloísio, a letra. Classificados para a primeira etapa do concurso, viajamos para Juiz de Fora, palco decisivo para escolher as melhores de Minas. Abastecemos nossos respectivos Volks e Gordinis e nos mandamos para a Manchester Mineira onde, em tese, eu cantaria e meus cunhados, o José Carlos e o Célio, me acompanhariam nos violões. Bem ensaiados, nos apresentamos para a grande noite, mas fui surpreendido pelo organizador do concurso, o escritor/promotor de eventos, André Carvalho, que não permitiu que eu cantasse. Dizia ele que, pelo fato de eu não ser cantor profissional, devia dar chance para um novo cantor, que precisava lançar-se no mercado fonográfico e aquela seria a grande oportunidade dele. Se a música vencesse a parte mineira, ele a apresentaria no Maracanãzinho e daí para a glória seria um passo. O rapaz devia ser uma cria dele. Humildemente, cedi meu posto para o candidato sem ensaios, que desafinava um pouco e era meio “esquisito”. Acabou afundando com o nosso sonho de compositores. Perdemos na classificação geral e voltamos frustrados para Belo Horizonte a fim de continuar nossa rotina de assessores jurídicos da Coordenação de Crédito Rural. Nossa carreira está interrompida até hoje, mas, carinhosamente, ganhei dos colegas da Coordenação, o apelido de “pinho-brandão”, devido à minha intimidade com o violão. Valeu, colegas!
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Perdoe seus inimigos, mas não esqueça os seus nomes. John F. Kennedy
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