domingo, 6 de novembro de 2011

BELAS PERNAS VOADORAS

Em julho de 2008, foi-se a nossa deslumbrante bailarina Cyd Charisse, que enfeitiçou as matinês e soirèes dos cinemas Rio e Majestic, na gloriosa década de 50, em São Paulo. Suas pernas, verdadeiros monumentos à beleza feminina, eram tão perfeitas que haviam merecido um seguro de milhões de dólares para garantia e preservação de sua eficiência no balé e manutenção de sua perfeição na estética.
Chamo-a de nossa porque ela pertenceu a todos nós, apaixonados e cultuadores da beleza distante de suas pernas. Seus pares, Fred Astaire e Gene Kelly, que a solicitavam para palcos no mundo inteiro, eram o alvo do nosso maior ciúme, quando tocavam aquelas pernas para embalá-las em passos acrobáticos e perfeitos até pousarem no chão, magistralmente.
Hollywood produzia filmes para o entretenimento com muita música e dança que embalavam os namoros dos casais apaixonados. Lembro-me de mãos dadas com minha namorada, a Cecilinha  - sósia brasileira da Brigitte Bardot-, quando fomos ao Cine Rio, que ficava num prédio na Rua da Consolação, onde ela morava, no quarto andar. Eu falei tanto das pernas de Miss Charisse que ela ameaçou retirar-se do cinema.
Aquelas pernas nos encantavam, voando nos compassos de Cantando na Chuva, A Lenda dos Beijos Perdidos, Meias de Seda e Dançando nas Nuvens, alguns dos musicais de maior sucesso daquela maravilhosa gazela voadora.
Quando vi anunciada a morte de Cid Charisse, senti uma pontada no coração, porque nos devaneios do rapaz, que vivia numa cidade grande e poderosa como São Paulo, os sonhos tinham que ser alimentados, confrontando-se com a realidade de uma vida tocada a duras penas, com poucos recursos. Desde a bicicleta de segunda mão, comprada da zeladora do prédio, das roupas consertadas do pai e dos tios, da comida simples servida na mesa apertada da cozinha, enfim, aqueles sonhos com as pernas voadoras serviam para colorir um pouco a vida meio cinzenta, numa cidade escurecida pela garoa e pela falta de dinheiro. Voilá! Cyd Charisse dans nos rêves.
Numa dessas tardes cinemáticas de domingo, culminamos com um filme dela, no Majestic, na Rua Augusta, depois de uma longa noite pelos clubes Pinheiros e Paulistano e uma jornada boêmia pelos bares das avenidas São João e Ipiranga. Tudo a pé, com muita cuba libre e Pervitins na cabeça. A fantástica bailarina ficou tão mais acessível, com tantos estímulos alcoólicos e anfetamínicos, que eu e o Renatinho decidimos comprar uma passagem para Hollywood para conhecê-la de perto. Saímos do cinema dispostos a procurar uma agência de viagens e voar para os Estados Unidos, naquele dia mesmo. Sonhos vãos! Nossa inocência não nos permitia saber que, para sair do país, seriam necessários documentos próprios, legalizados e autorizados pelas embaixadas. Sonhos vãos!
Já restabelecidos e na maior ressaca, consultamos o papai sobre as possibilidades de levar a cabo nossa aventura hollywoodiana. Ele disse: “Como é bom sonhar, meninos. Mas não desistam, porque a vida merece seus sonhos.” Ajeitamos os colecionadores e fomos para a aula ginasial, ainda extasiados com as belas pernas voadoras.
Ficou, para sempre, a nossa saudade.

Roberto H. Brandão – julho/2008/novembro 2011

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Tudo que é fácil de ler é difícil de escrever e vice-versa.
Telmo Martins - Jornalista