terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O DESTINO DE CADA UM

Encontramos uma vez, o Brant e eu, com o Mileto, irmão do meu querido afilhado João Stamatto, num Scotch Bar na Av. Angélica, em São Paulo.
Ele tocava clarineta/saxofone na banda do Hermeto Paschoal. No intervalo, ele foi até a nossa mesa, nós dois felissíssimos, pois não nos víamos há muitos anos e o convidei para sentar e tomar um drinque conosco. Ele agradeceu e disse que os músicos não podiam beber no recinto. Heim? Então, o convidamos para tomar uma cerveja lá fora, no bar da esquina. Topou na hora. Em pé, no balcão de mármore encardido de um velho bar paulista, tomamos umas cervejas deliciosas e recordamos as mil e uma noites em que, em Ribeirão Preto, tocamos na noite e fizemos serenatas, com certeza, per tutti belle ragazzi de la cittá. Naquele momento solene de um encontro de dois grandes amigos a conversa fluiu no mesmo timbre e nível daqueles tempos e ele, subitamente me perguntou: “Você está fazendo o quê?” Respondi, hesitante: “Eu sou advogado, e você?” Ele me olhou no fundo dos olhos e, desafiadoramente, respondeu: “Eu sou músico!”. Quase batendo no peito de orgulho por ter escolhido uma profissão maravilhosa e de acordo com sua formação prática na vida. Nós tínhamos passado metade da vida tocando e cantando juntos em Ribeirão  e em quase todo o interior de São Paulo: Franca, Araraquara, Campinas, Jundiaí, Sertãozinho e muitas outras. Nós éramos os músicos da época. E esta frase dele foi tão forte pra mim que uma furtiva lágrima escorreu no meu olho esquerdo. Uma só. Ele não viu mas o Brant percebeu e ficou quieto, não fez nenhum comentário. Bebemos mais uma só, ele tinha que voltar para finalizar a apresentação da banda. Voltamos à nossa mesa e tomamos um derradeiro drinque, pois, eu estava arrasado. Voltamos para o Hotel sem dar uma palavra. O Brant foi muito sábio, não comentou nada.
Afinal, foi uma escolha minha, ao invés de ser músico, tinha decidido ser advogado. E bem que tive chances, muitas. Nos Estados Unidos, numa determinada época, um pouco antes daquele encontro, havia lecionado violão para uma brasileira, Valucha, cantora e artista plástica que morava em Chicago e que me conseguiu um emprego de professor de violão na Folk and Country School of Music, em Chicago, onde poderia ter iniciado a carreira. Ela e eu gravamos um LP, capa desenhada por uma artista local, com 18 músicas que nunca soube do paradeiro dele. Encontrei um apartamentozinho em Old Town, zona boêmia da cidade, para morar e começar minha carreira. Nada disso. Não deu certo. Eu era apaixonado demais! Abandonei o projeto.
E assim, com a paixão e pela paixão, transformei um músico razoável num advogado medíocre que acabou transmudado, com o tempo, num publicitário de relativo sucesso. Ces’t le destin. Coisa inexplicável, mas, irreversívelmente, verdadeira.
Naquela hora, aprendi uma lição definitiva. Nunca pergunte sobre o destino de alguém quando você não tiver a resposta que gostaria de dar. Fatalmente, ele vai devolver a pergunta, e aí, você chora. Chora mesmo, porque a gente não consegue mudar o próprio destino, este traço que alguém risca para nós e pronto.
Ninguém consegue. Sem nenhuma filosofia barata: de onde vem isto?
Roberto H. Brandão – dezembro/2010.

NA CONTRA MÃO

As viagens ao interior de Minas têm me proporcionado uma série de aventuras nunca vividas em mares mais agitados.
Agora, quando fomos a Juiz de Fora, a Júlia, eu e o Paulão, motorista de fina estirpe da Epamig, para o Congresso do Instituto Cândido Tostes, aconteceu uma ótima.
A inauguração do Congresso correu maravilhosamente, com três centenas de expositores em estandes de alto nível com argentinos, uruguaios, internacional mesmo e diversos nacionais, de todos os país. Uma feira de alto padrão.
O coquetel de abertura, prestigiadíssimo, com mais de mil pessoas, diversas autoridades
locais, estaduais e nacionais, sociedade juizforana com excelente música de fundo do violonista da terrinha: Mário Terror. É isto mesmo, me disse ele – “Não se assuste com o meu nome, verdadeiro, é o sobrenome do meu pai...”
Fiquei bem próximo dele, desfrutando da boa voz e do repertório de extremo bom gosto. Música moderna, bossa nova, sambas de raiz, enfim, um craque.
Tudo regado a uma boa cerveja, gelada no ponto e salgados variados de caprichoso preparo. Boa festa.
Na saída, Júlia e eu buscamos o Paulão e pedimos que nos levasse para o hotel, distante uns 25 km do Expominas.
Quando estávamos no carro, começou a cair uma chuva fina, uma garoa de inverno que molha muito e deixa os pisos escorregadios.
E não deu outra, já na estrada de volta, na BR-040, topamos com um congestionamento ocasionado por uma carreta que estava atravessada na estrada, não permitindo passar nem um patinete em cada limite da rodovia. Eram 11 e meia da noite.
Paulão parou no acostamento e foi verificar o acontecido. Voltou com a péssima notícia de que teríamos que dormir na estrada pois, para retirar a carreta, seriam necessários tratores, gruas, etc. e, à noite, esse pessoal, bombeiros e PRF, leva muito tempo para atender.
Não conformados, autorizamos o excelente motorista a voltar de marcha ré até um trevo ou estrada vicinal que nos tirasse da confusão.
E assim fomos, debaixo de chuva, de marcha-à-ré, enxergando quase nada, comigo limpando o vidro de trás, a Júlia com a cabeça de fora da janela, debaixo d`água e o Paulão choferando feito caranguejo, de trás-pra-frente.
A cada carro que vinha do nosso lado da pista, parávamos bem colados na faixa limite do acostamento, rezávamos uma Ave Maria e pedíamos para não cair no que  imaginávamos ser um barranco pois, no escuro, não dava pra ver nada.
A Júlia, com a cabeça ensopada, com medo de pegar uma pneumonia e ficar sem poder brincar com a Ana Laura um bom tempo, e eu, com receio de interromper a cerveja vespertina com uma gripe inesperada. Já o Paulão, com muito medo de ser pego pelos guardas rodoviários, até aquela hora desaparecidos na noite.
Foi numa aventura de mais de 10 km nestas dramáticas condições que conseguimos nos ver livres da encrenca, chegando ao bendito trevo de Juiz de Fora, de onde partimos atordoados de volta para o hotel Serrano.
Uma aventura e tanto!
Ah, no caminho de volta, ainda na nossa marcha ré, cruzamos com a camionete da Epamig carregada de felizes funcionários que ficariam ancorados na estrada até 3 da madrugada,  conforme nos relataram no café da manhã.
Roberto H. Brandão – 21/07/2010.

HÁ SESSENTA ANOS

Numa fria manhã, às 07h15, abri a porta pesada de ferro do Edifício São Miguel Arcanjo, à Rua Teodoro Sampaio, 316, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Meu destino era o Ginásio Castro Alves, três quarteirões abaixo. No meio do primeiro, passei em frente ao prédio onde moravam as irmãs Maud e Gilda, filhas de franceses, que adoravam um ménage d´amour. A primeira, branquinha, muito gostosa e muito sem vergonha, que adorava aqueles beijos de língua bem demorados, que lambiam desde o céu da boca até o sininho da garganta, que tocava em sinal de prazer e júbilo. A outra irmã, gordona e bancária, às vezes, também se insinuava, mas ninguém a queria, pelas medidas e também pelo peso daquele trambolho em cima de nós, meninos de 15, 16 anos, imberbes e fraquinhos.
Na porta do armazém, logo após a entrada do apartamento das irmãs, senti muito frio com a garoa fina, que molhava meu corpo de jogador de basquete do primeiro time do Ginásio, junto com o Aquiles e o Jalil, alas; o Pega-Balão, pivô; e o Claudinho, ataque. Que timão, aquele! Na esquina da Rua Oscar Freire, entrei no botequim do Auro e comi um pedaço de pizza de muçarela com tomate, especialidade da casa. Com certeza, a melhor pizza da minha vida! Era o meu café da manhã, pois, a mamãe já estava de pé, mas, muito atarefada para despachar o papai para a Faculdade de Higiene, a um quarteirão acima lá de casa. Papai também ia a pé, porque o carro dele, um Mercury 1950 preto, do ano, ficava guardado na garagem da Faculdade, pois, nosso prédio não tinha garagem, como a maioria dos predinhos novos de São Paulo, na gloriosa década de 50. O carrão só andava aos sábados e domingos, quando saíamos para um passeio ao Jardim Zoológico ou ao recém-inaugurado Parque do Ibirapuera.
Fui descendo a rua e, no quarteirão seguinte, passei pela casa do Renatinho, num prédio pequeno, com uma entrada estreita, ao lado do bar do Auro, onde havia uma escada íngreme para chegar ao pequeno apartamento de quarto e sala, onde morava com a tia. Ele ficou órfão de pai e mãe ao sobreviver a um acidente de carro, na Via Anhanguera, quando os dois se foram.
Mais abaixo, na esquina com a Rua Alves Guimarães, a Casa Jorge, onde a mamãe comprava os tecidos e aviamentos para suas obras de arte. Madame Brandão, dizia seu cartãozinho de visitas, era mestra na alta costura. Tirava os moldes da revista Burda e copiava com competência os modelos lançados em Paris, por Pierre Cardin, Lanvin e outros não menos famosos.
As lojas iam se abrindo: portas de correr, de subir, de aço, de madeira, enormes cadeados e fechos. Os paulistanos, ávidos por começar o trabalho, olhos inchados do pouco sono, cabelos desalinhados da manhã, iniciavam mais uma jornada na cidade escura e úmida.
A Livraria do Renatão e do Waldir, do outro lado da rua, continuava fechada, pois, muito boêmios, os dois deviam estar curtindo a brava ressaca da noite anterior.
Mais um quarteirão e, na esquina, o Ginásio Castro Alves, quando tive que correr para pegar o portão aberto para não perder a chamada para a primeira aula. Com o Latim, começamos o dia letivo.
Roberto H. Brandão – 26/11/2010.

ABATIDO EM PLENO VÔO

As varandas são o melhor posto de observação.
Esteja você buscando o movimento do dia-a-dia da sua cidade, o caminhar dos seus vizinhos, os incógnitos que passam pela rua, os automóveis com ou sem destino certo, as motos extravagantes com seus canos de descarga abertos, enfim, todos que movimentam aquele espaço que você observa.
Nas varandas, mais abertas e altas você consegue, ainda, ver o movimento das nuvens, das estrelas, da chuva que vai e vem como uma ameaça. Do Sol, que nasce e morre todo dia. Da Lua, que também nasce e morre, mas deixa um sentimento de esperança para um novo dia melhor e mais feliz.  .
Tem gente que morre de medo de chuva. Será porquê? A chuva é benta. Só traz saúde e alegria. E suas gotas são tão puras que não poderiam fazer mal. E elas vêm do céu, quer mais?.
Outro dia, o Zuza estava sentado na varanda da casa dele, das melhores varandas que conheço, vendo todos esses acontecimentos da vida numa cidade grande, em frente a uma avenida movimentada e uma mata preservada pelo Ministério da Agricultura, cheia de fícus australianos, mangueiras, flanboyants, quaresmeiras, ipês e paineiras, pombos, bem-te-vis, rolinhas e pardais. Uma exuberância da natureza!
Muito diferente da varandinha da casa da Rua Guaranésia, de frente para a Rua Jacuí donde se via, no máximo, a fachada da Farmácia Universal, dos seus amigos  e vizinhos, talvez, oportunidade do seu primeiro emprego, ou mesmo da varanda da casa de três pavimentos da tia Delane, em Juiz  de Fora, para onde foi deportado para aliviar as despesas da casa do Sêo Zé Braga, onde morou até ser admitido no internato do Colégio Santo Inácio de Loyola, por honra e graça do frei Tauzin, vagabundo, pedófilo, inescrupuloso que morreu apodrecido numa prisão em Paris, por todos os crimes que cometeu.
A vida não perdoa!
Voltando à vista da casa do Zuza, como disse, das melhores de Belo Horizonte, de onde ele vê e sonha com a  Serra do Curral. Que ironia, a Serra do Curral D’el Rey que, hoje, abriga uma metrópole de milhões de habitantes, sem cor nem destino, num vai-e-vem descontrolado, prá tudo e prá nada. E a vista da Serra do Curral, também, propicia visões formidáveis e imprevistas.
Distraído pelo vinho, na varanda, o Zuza seguia o vôo de um pardal que voava da mata em frente e, sobre a Avenida Raja Gabaglia quando, subitamente, mergulhou como se tivesse sido atingido por uma bala mortífera de um caçador escondido.
Ele correu pela varanda, pegou o elevador e desceu pra ver o que tinha acontecido com o bichinho. No passeio, pegou o pardal e constatou: ele está morto. O coração matou o inocente pássaro. Infarto fulminante do miocárdio. Que pena!
Triste, o Zuza voltou para o seu posto de observação e concluiu como bom piloto:
O pardal foi abatido em pleno vôo. Como tantos!
Roberto H. Brandão – dezembro/2010

A CORNETA

Hoje, sábado, acordei invocado. Resolvi comprar uma corneta, daquelas que eu tocava na fanfarra do Ginásio Castro Alves, na década de 1950 em São Paulo. Saí quente!
Logo, me lembrei que havia deixado umas velharias numa loja de objetos que, talvez, tivesse vendido alguma e quem sabe, não teria lá a procurada corneta.
Corri até a loja e tive a grata surpresa de que tinham conseguido vender umas coisinhas e estava com um crédito de R$ 80,00. Bom começo. Fucei a loja toda, tem mais de 2.000 peças e não consegui achar a tal corneta e o dono da loja ainda me pediu que levasse embora uma máquina de escrever antiga que havia deixado prá vender. Alegou que estava mudando para uma loja menor e que tinha muita coisa em consignação que estava devolvendo. Eram os objetos que haviam ultrapassado o prazo razoável de venda que era de um ano. Com razão.
Mas não desanimei, pedi uma referência de onde poderia encontrar a corneta e me indicaram a feira da avenida Bernardo Monteiro, que acontecia justamente aos sábados.
Fica em frente do Colégio Arnaldo.
E lá fui eu, máquina de datilografia no porta malas e muito animado atrás da querida corneta.
A feira é uma festa: flores, comidas, música e objeteiros de todo o pais, vendedores e compradores, com canetas de marca, selos, enfeites tipo candelabros, molduras, jóias finas e artesanais, cinzeiros, copos, taças, vidraria em geral, livros, enciclopédias, coleções famosas, panelas raras e instrumentos musicais. Ahn? É, eles mesmos. Quem sabe não encontro uma corneta velha?
Passei numa tenda e experimentei um bolinho de feijão. Disse o cozinheiro que era receita de Diamantina. Estacionei na banca, pois, o melhor bolinho de feijão que já comi era preparado pelo “meu tipo inesquecível”, Dr. Newton Andrade, justamente de Diamantina. Algumas cervejas e muitos bolinhos no papo que nem se comparam com os dele e continuei minha pesquisa sabática já meio trôpego, como dizia a mamãe.
Achei duas cornetas, bem no estilo que estava procurando, mas, sem o bocal. Na verdade, o bocal é a parte mais importante do instrumento de sopro. Sem ele, não vale nada e o Paulo, da banca, queria me empurrar as duas por R$ 60,00 cada. Nem pensar...
Continuei minha busca e achei a bichinha perfeita, amassada, com bocal, duas voltas no pescoço, um verdadeiro clarim!
Sorrateiro, me aproximei da banca e comecei a mexer em outras peças, louco pra pegar a corneta, pagar e me mandar. Mas, nestes mercados de pulgas, você tem que ser maroto. Finge que não quer nada, oferece alguma coisa, muda de assunto, pega o que quer, mas despreza. Coloca de novo no mesmo lugar e finge que não gostou... Eu já estava ficando treinado só de observar os frequentadores.
Aí, ofereci ao dono da banca a máquina de escrever. “Tá ali no carro”, falei. E ele, “pega lá que eu quero ver”.  Fui meio cambaleante até o automóvel e gritei: “amigo, chega até aqui que ela é muito pesada”. Com toda a má vontade possível ele foi até o carro, acompanhado de uma fila de “sapos” interessados e disparou. “Pra mim não vale nada. Não trabalho com máquinas de datilografia.” Desapontado, fechei o porta malas e voltei para admirar o meu achado. Não resisti e perguntei: “Quanto é a corneta?” Ele delicado e pronto pra vender. Isto não é corneta não doutor. É um clarim. E está perfeito, com bocal e tudo.”   Eu já sabia e estava pronto pra negociar. “E quanto é o clarim amassado?” “Cento e vinte reais, nem mais nem menos, doutor”. Doidão, perguntei: “O senhor aceita um cheque?” Ok, pode dar”, sem muita convicção.
Nesse momento, aproximou-se de nós um senhor, de bermudas, camiseta de malha, típico comprador de brexó que disse: Eu vi sua máquina e gostei muito, Sou colecionador. O senhor pode mostrá-la novamente?”- “Claro”, respondi, com medo de sair dali e aparecer alguém e levar a corneta. Caminhei até o carro com o digníssimo senhor que não vacilou: “Qual o menor preço que o senhor faz nela”. Eu, péssimo negociante falei: “Estava pensando em pedir 150, mas, se o senhor der cento e vinte eu vendo”. “Tá fechado, falou, posso lhe dar um cheque? Eu trabalho no Tribunal de Justiça, aqui perto e fiquei muito interessado na máquina de escrever. Aliás, se o senhor for levar a corneta, dou meu cheque para o Toninho que me conhece muito e fica tudo certo.”  Sabia, ele era um rato de feiras de antiguidades.
“Fechadíssimo, senhor.” Entreguei a máquina e peguei a desejada corneta, no molde que queria pra pendurar em cima da vitrola imitando o Ronald Andrade, e saí conversando com o comprador da máquina que me perguntou o que eu fazia, disse-lhe que era escritor, publicitário, professor aposentado, bacharel, violonista e músico interrompido, compositor, vendedor de vinhos, bebedor de cervejas, cozinheiro de fim de semana, apreciador de carros antigos y otras cositas más, passando-lhe meu cartão de visitas. Ele agradeceu e foi embora.
Uma semana depois recebo uma correspondência com envelope timbrado do Tribunal de Justiça e, dentro, um livro e um bilhete do Desembargador Roney Oliveira mandando-me um livro Capistrana da Vida, de seu amigo, Procurador Dirceu de Vasconcelos Horta, sobre sua passagem por Diamantina e arredores. Uma preciosidade.
Um viva à corneta e a Diamantina.

Roberto H. Brandão
Belo Horizonte, março de 2010.

O POTE DE OURO

Estava distraído aqui na Toca, ouvindo música e escrevendo, quando escutei uma falação, uma conversaria danada que parecia vir da rua. Chequei até a varanda e vi uma verdadeira multidão na porta do meu prédio, apontando e olhando para cima. Acompanhei os dedos e braços apontados e, como eles, também fiquei encantado. No alto do belo prédio, meu vizinho, que dá frente para a Rua Bernardo Guimarães, estava pousado um enorme arco-íris. Daqueles belos, que iluminam o fim de tarde da nossa não menos bela Horizonte.
Quando todos nós observávamos a fantástica aparição, surge um avião por detrás do prédio e atravessa o arco-íris em toda a sua extensão. Parecia que o piloto, também encantado, queria voar até o fim do arco-íris para descobrir seu segredo. Há uma lenda que fala sobre alguma coisa escondida atrás do arco-íris, um pote de ouro, quem sabe?
Muitos incorrigíveis românticos já andaram na busca que esta lenda excita, porém, nunca ninguém deu notícia de nada. Voltam sempre de mãos e ideias abanando. Nada além do arco-íris...
Já eu, que acredito piamente nesta história, vou continuar buscando o tal pote de ouro.
Lembro-me que estava na Jamaica, em Ocho Rios, numa região interessante, onde o rio encontra o mar numa forte correnteza, sobre a qual os inocentes turistas são induzidos a escalar, subindo pelas pedras, no sentido contrário ao seu curso. Uma loucura!
Fiquei observando os intrépidos aventureiros, meus colegas do grupo Fellows II, sentado numa ponte e rodeado por mais de uma dúzia de latinhas de cervejas jamaicanas, que são bem razoáveis. Daquele ponto, avistei um arco-íris formado no mar e que entrava terra adentro, numa mata fechada, que abrigava esta embocadura do rio com o mar. Eu estava, exatamente, neste ponto de encontro do arco-íris com a mata.
Pensei rápido: é hoje, estou pertinho do pote de ouro. Comecei a buscá-lo, com tanta crendice, que passei a enxergar coisas brilhantes em cada toca ou buraco que mexia ou enfiava o pé. Parecia um caçador da arca perdida! E, quanto mais cerveja, mais as visões de multiplicavam, claro, não pelo efeito do álcool, mas, pelo fascínio de estar tão perto da lenda. Sou muito curioso com essas crenças populares e esta do pote de ouro no fim arco-íris é universal e me fascina! Por todos os lugares por onde andei, os aborígenes comentavam sobre ela e sempre com o comentário decepcionante de que nunca tinham encontrado nada.
Ali, achei que era a minha vez. Continuei enfiando a cara mata adentro, quando surgiu uma borboleta amarela. Sempre elas a me acompanharem. Fui atrás por uns bons metros, escorregando mata afora, meio conduzido pela minha guia e pela minha imaginação, até que cheguei à praia. E o arco-íris entrava pelo mar e sumia no horizonte até onde a vista não alcançava.
Pensei: esta busca termina aqui. Não vou me enfiar no mar, primeiro porque nado muito mal e, segundo,porque não vou conseguir levar as cervejas comigo. E sem cervejas não ando nem muito menos nado. Ciao, pote de ouro.
Voltei da Jamaica na mesma condição em que cheguei: pobre, porém, muito feliz...
Roberto H. Brandão – 09/12/2010

CONVERSANDO COM A JOANINHA

Hoje, com certeza, para mim, é um dia mais feliz que os outros.
Já havia tomado umas dez latinhas do meu blend, three parts of Antarctica Sub Zero e one part of Xingu, the best dark beer of all e você apareceu: uma joaninha vermelha no meu ombro. E caminhou pela minha camisa como se estivesse passeando no seu canteiro.
Tenho certeza de que é você, tão longe e tão perto!
Na camisa clara, você caminha como se estivesse procurando alguma coisa. O quê será?
Vi você, agora, passeando nas minhas costas. Será que lá é mais quentinho e atrai você?
Agora, você entrou no bolso da camisa. Bolso raso e sem alternativa, você sai de novo, livre, e caminha para as minhas costas. Perco você de vista e vou ao banheiro. Me espere ou vá comigo, joaninha vermelha, quero você aqui comigo, sempre!
No espelho do banheiro procuro você nas minhas costas, não a encontro. Será que você desceu para a calça?
Volto para a mesa, e procuro no bolso e nada. Você sumiu! Será que cansou da música Storms in África da Ennya, que já repeti pela décima vez?
Agora, sinto uma coceirinha no meu cabelo, do lado direito. Acho que você está singrando pelas madeixas black&white só para fazer uma cosquinha e chamar atenção.
Não vou conferir porque posso espanta-la. Fique aqui comigo, onde você quiser!
Nossa fabulosa Ennya terminou e procuro uma nova música. Tento um LP do Duane Eddy, que ronca e não toca e então, busco um CD mesmo e encontro o Dom Williams que ouvi em Nashville, no Tenessee, cantando I’ m Just a country boy. Música ótima e de boas lembranças do Grand Olé Opry, a maior festa para a música americana que acontece todo ano, quando todos os artistas que estão em cartaz, naquele momento, se apresentam sem ordem de chegada, num ginásio com capacidade para 10.000 pessoas, em Nashville, Tenessee, USA. É o máximo!
Lá, tive a oportunidade de ouvir, também, o famosérrimo Bob Dylan, com o Where have all the flowers gone e o fantástico Willie Nelson, cantando Stardust, a música símbolo de uma época de ouro nas Américas.  
Coisas da vida, minha joaninha, como diria o Paulinho da Viola.
Decidi não te buscar mais, se você quiser, apareça. É você que está rondando, não eu.
Mas, já sinto sua falta. Suas asinhas vermelhas, suas patinhas azuis e seus olhinhos negros já são parte da minha vida.
Please, don’t run away.
Roberto H. Brandão – setembro/2010