domingo, 23 de fevereiro de 2014

DESTINOS DIVERSOS
Apresentei-me em 1965, como bolsista, ao Trinity College, faculdade sediada bem ao sul da cidade de Hartford, em Connecticut, nos Estados Unidos, para complementar o estágio que havia feito num escritório de advocacia em Chicago, durante o quinto e último ano de Direito, que cursava em Pouso Alegre/MG.
Durante aquele inverno gelado, morávamos três estudantes numa fraternity - espécie de pensão que aqui no Brasil conhecemos como “república”-, que era um casarão enorme dentro do próprio campus. Sandy Hance era também formando em Direito - que nos Estados Unidos chamam de Ciências Jurídicas -; Joey Bishop era estudante de Agronomia e filho de fazendeiros; e eu.
Naquele lugar e naquele tempo nossa vidinha era muito pacata, com poucas aulas ministradas em horários variados. Acordávamos bem cedo e depois de um fortificante break-fast, assistíamos a uma ou duas aulas pela manhã, almoçávamos na cafeteria e partíamos para outras aulas à tarde. Raramente, assistíamos a uma palestra ou conferência à noite e os fins-de-semana eram livres.
Por coincidência, os organizadores do programa adivinharam quando me colocaram naquela casa, pois nós três tínhamos o mesmo gosto: cerveja, cerveja e cerveja. E, para variar, também apreciávamos um joguinho de sinuca contra os estudantes de outras fraternities. Como a bebida era liberada no campus, mantínhamos nossa geladeira cheia, até à boca, de Buds, apelido carinhoso da deliciosa Budweiser, e nas horas vagas coincidentes, formávamos nossa equipe para enfrentar as outras turmas. Ficamos conhecidos como o “South-American Trio”, onde eu chefiava a gang por ser o mais velho e chegamos até a ganhar um dos torneios promovidos pelo diretório acadêmico. A vitória rendeu-nos várias Buds.
Estou comentando sobre isto porque falávamos muito sobre o nosso futuro, depois de tomar algumas nas happy-hours de todo dia. Cada um tinha um plano, um sonho.
O meu, por exemplo, era bem linear. Depois de ter abdicado da carreira de músico, planejava voltar para Belo Horizonte e dedicar-me exclusivamente à advocacia, pois gostava muito da prática forense. As chances seriam de que fosse trabalhar num bom escritório local que tivesse interesse em abrigar um jovem advogado com experiência internacional. Feito isto, casar-me-ia com a Carminha, minha namorada na época, e pronto, a sorte estaria lançada. Não era bem um plano, mas o óbvio para dar sequência àquela aventura transoceânica.
O plano/sonho do Joey era claro e também óbvio. Pegaria o diploma e voltaria para assumir a gerência da grande propriedade rural da família no Wyoming. Falava, ainda, que pretendia casar-se e criar uma família grande, de muitos filhos e netos e ficar por lá, mesmo. Nada de muito audacioso. Já o sonho do Sandy era mais arrojado que os nossos; ele estava decidido na sua carreira, então programada passo a passo. Estudava dia e noite para tirar as melhores notas e se candidatar a uma pós-graduação em Harvard. Lá, seria convidado a se associar a um dos grandes escritórios americanos de advocacia, sediado em New York. Ele nunca falava em criar família, só pensava no trabalho.
E hoje, com esta facilidade de localização das pessoas pela internet, resolvi saber sobre o paradeiro dos dois e contar-lhes sobre a minha sina. Foi fácil.
Através de e-mail contei-lhes sobre a brusca mudança na minha vida quando resolvi tornar-me publicitário, abandonando a carreira jurídica. Falei que havia montado uma agência de propaganda e ainda, que havia me aposentado como professor de Marketing numa universidade mineira. Uma reviravolta nos planos iniciais. Casei-me, sim, com a Carminha, e talvez seja este o único acontecimento que virou realidade daqueles antigos sonhos mas que, agora, vinha o melhor de tudo, eu era o avô feliz de uma linda menina, a Iara.
Joey, o caipirão do Wyoming, contou que o destino dele aconteceu tal e qual ele sonhara: voltou para casa, casou-se com uma vizinha, também fazendeira, juntaram as terras e vivem por lá mesmo, cuidando de uma prole de cinco filhos e doze netos. Fico imaginando-o de barba grande - não era muito vaidoso - e sempre sentado numa cadeira de balanço na varanda da fazenda, coçando a barriga e observando, feliz, a correria dos netos pelos jardins da casa.
 Já o ex-futuro brilhante advogado dos quadros de Harvard ainda está solteirão, tendo se transformado num executivo de investimentos. Atuando firme na Bolsa de Valores de New York, durante toda a vida, fez fortuna e hoje mora em Nassau, nas Bahamas. Declarou que, sem modéstia, pode ser considerado um velho play-boy charmoso, cheio de namoradas interessadas na sua grana e está meio aposentado, somente administrando a poderosa fortuna.
C`est la vie.
Belo Horizonte, fevereiro/2014.
 
FRASES, PENSMENTOS E AFORISMOS
Naquele dia, fazia um azul tão límpido, meu Deus, que eu me sentia perdoado para sempre. Nem sei de quê. Mario Quintana