IJUÍ, 1945
Numa manhã Lúcia e eu
acordamos loucos pra pegar nossos velocípedes e correr pelo quintal da casinha onde
morávamos em Ijuí, no Rio Grande do Sul. Passamos pela cozinha e a mamãe lá
estava coando o café para o papai tomar e ir para o quartel bem alimentado:
café com pão e manteiga, e um copo de leite. Enquanto ela preparava a mesa, ele
vestia a farda com todos os seus botões e talabartes, para ajudar na montaria
no cavalo Guri, um Pecherón que o Exército Brasileiro adotara para
os Regimentos de Cavalaria. Era um cavalo branco, grande, muito fogoso, inteiro. A raça,
de origem francesa, lhe atribuía características bem próprias para o serviço
militar: macio de sela, muito forte e resistente e com boa tração. O Guri era
um belo exemplar!
Naquela vidinha simples,
o padeiro deixava na porta de cada casa na Vila do quartel, uma ração de pães
para o dia - um pãozinho para cada morador, e um litro de leite, que vinha
naquelas garrafas típicas. Mamãe mantinha uma pequena horta com alfaces,
espinafres, couve, salsinha, cebolinha e tomates. Assim, nossas refeições eram
simples e saudáveis, com arroz, feijão, frango e ovo do próprio galinheiro,
complementadas com as folhas. O cardápio era único, variando, de vez em quando,
com batatas fritas, cozidas ou puré, e muito raro, raríssimo mesmo, um
bife. Curioso, não me lembro de comer macarrão naquela época.
Naquele dia, saímos de
casa atrás dos velocípedes e não os encontramos. Voltamos desapontados e
murchos, quando o papai falou: “Os ciganos devem ter roubado os velocípedes.
Quando eu cheguei, ontem à noite, eles estavam começando a armar o acampamento
ali no campo de futebol.”
Quando o papai saiu,
furiosos e curiosos, demos as mãos para a mamãe e fomos até o quintal para dar
uma olhada no acampamento. Vizinho ao muro de fundo do nosso quintal havia um
campo gramado onde a soldadesca jogava futebol nos fins de semana.
Naquele dia, havia lá um
bando de umas mil pessoas, com duas barracas enormes em volta de uma tenda,
onde havia dois fogões, com a lenha espalhada por todo canto. Parecia um hotel
rústico. Numa das barracas dormiam os homens solteiros, e na outra, as
donzelas, rodeados por diversas barraquinhas, onde ficavam os casais com os
filhos menores. E a lenha servia, ainda, para as grandes fogueiras noturnas, pois
o frio era bravo. Banheiros não havia. De acordo com a lenda, as necessidades
eram feitas no espesso mato ao redor. “E o banho, mamãe?” perguntou a Lúcia.
“Ah, minha filha, eles devem se lavar naquele rio que passa lá do lado do
quartel do seu pai.”
De longe, fomos
vasculhando com os olhos para todo canto e não vimos os velocípedes. Eles
haviam sumido para nunca mais.
Belo Horizonte, dezembro, 2013. Foto Google.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
É melhor calar-se e deixar que as
pessoas pensem que você é um idiota do que falar e acabar com a dúvida. Abraham Lincoln, 1809-1865