UM FILÓSOFO PORTENHO MEQUETREFE
Num belo dia de 1965, apareceu em Ribeirão Preto um senhor que se apresentava como filósofo, nascido na Argentina e era especializado na obra de Saint Exupéry. Tratava-se de uma figura muito estranha, cabelo desgrenhado, barbudo e sem banho, que levava apenas uma sacolinha a tiracolo onde guardava todos os seus pertences: uma alpargata Roda azul com a sola de corda bem gasta, uma troca de camisa e cueca e um gasto livro “O Pequeno Príncipe”, matéria de suas palestras.
Ele ficou zanzando meio perdido até que um estudante de medicina o encontrou e, compadecido, o recolheu numa das inúmeras repúblicas da cidade. Aquele futuro médico tratou de divulgar a permanência do visitante, dizendo que ele estaria à disposição para explicar e comentar com os interessados, a obra do escritor francês.
Logo apareceram uns candidatos à conferência, que foi marcada para a casa de uma amiga nossa, numa daquelas tardes quentes da Alta-Mogiana. O convite telefônico pedia que comparecêssemos pontualmente, pois o palestrante era muito metódico e exigente, vejam só que discrepante figura.
Chamei a Lúcia e fomos ouvi-lo. Aliás, a não ser pela pronúncia arrastada de um portunhol confuso, não apresentou nenhuma novidade quanto ao conteúdo da obra que, qualquer candidata a miss Brasil já sabia de cor e salteado, como “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” ou “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos” enfim, um Exupéry bem conhecido.
De qualquer forma, ele ganhou um lanche na casa da anfitriã que, parece, era o que queria pois não cobrava pelas palestras e fazia questão de enfatizar que estava a dois dias viajando, sem comer nada e que se sentia muito fraco. Depois de um café com leite reforçado com muitos sanduíches mistos de presunto e queijo, salsichas de lata, pasteizinhos portugueses fritos na hora pela mãe da anfitriã, a reunião descambou para uma cervejada. Em Ribeirão é inevitável, pois na terra do melhor chope do Brasil, o insuperável “chope do Pinguim”, ninguém recusa uma cerveja gelada.
E a reunião serviu, também, para uma bela rodada de violão pois, onde quer que fôssemos, a Lúcia e eu, sempre aparecia um violão e a conversa descambava para uma cantoria sem fim.
E para não interromper o embalo, de lá, e já bem mamados, carregamos o argentino, por nossa conta, e fomos todos para a Cava do Bosque, onde havia um bar aberto no meio de um jardim botânico nos arredores da cidade que mantinha montado um pequeno palco para os interessados em fazer música ao vivo. Era o nosso palco preferido, com os ares mais fresquinhos entre as árvores do imenso jardim que disfarçavam, um pouco, o calorão escaldante de Ribeirão.
Cheguei até a improvisar uma trilha sonora, em solo, para o portenho declamar uns trechos do Pequeno Príncipe, que renderam muitos aplausos e deram mais alguma visibilidade para a obra do piloto/autor francês.
Foi uma efeméride lítero-musical-filosófica.
BH, junho/2012
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O verdadeiro amor nunca se desgasta. Quanto mais se dá, mais se tem. Antoine-Jean- Baptiste-Marie-Roger-Foscolombe de Saint Exupéry
Exupéry ao lado seu avião de combate