Sobre barões, lembro-me de duas histórias ocorridas em épocas diferentes, mas que guardam muita semelhança em sua essência. A primeira tem como personagem meu avô Pedrinho, que contava a maior vantagem por ter conhecido o Barão do Rio Branco, numa festa no Automóvel Clube, onde ele compunha uma fila de inúmeros convidados. O Barão, no máximo, raspou a ponta dos dedos dele, - um cumprimento efêmero -, que se transformou numa das maiores honras que um pobre mortal nascido no Serro, poderia receber. Ele cantou e decantou essa honra durante os seus turbulentos 86 anos, grande parte dos quais trabalhou nos Correios, durante o dia, e na Imprensa Oficial, como revisor, nas madrugadas.
A segunda história refere-se a um personagem nascido em Santa Luzia , de pais dinamarqueses. Junto com a irmã, Bianca, ele morou no sítio do Zuza, tornando-se ambos fiéis guardadores da bela propriedade, no alto do bairro Bonança. A Bianca branquinha, meio aloprada e ele, pretinho. Por viver agarrado ao caseiro do sítio, o Zuza resolveu passar-lhe a guarda: “Cuide bem dele, seu Sebastião, agora ele é seu.” No ato, o Tião o batizou como Barão. E lá ele cresceu. Como todo bom dinamarquês, guardava o belo sítio com toda responsabilidade, atento a tudo e a todos. Muito educado e bem alimentado, não ficava pedindo comida, nos grandes almoços oferecidos pela Sônia e o Zuza, não latia para os visitantes e não entrava na casa nem mandado. Era um perfeito vigilante. Sisudo como o pai, John Wayne, e alegre como a mãe, Sofia. Mas, mesmo tão bem educado, sofria na mão do ex-dono, que o tratava como o cachorro do caseiro, sem qualquer privilégio.
Certa vez, nos assentamos na varanda para um vinho e uma cerveja vespertinos e o Barão se aproximou para fazer companhia, só isto. Imediatamente, o Zuza gritou: “Vai pra casa, Barão.” O coitado retirou-se, obediente, deu uma voltinha, dois passos à frente, três para trás e voltou. Despistando, catou um bichinho na grama, abanou o rabo e continuou por perto, como um bom companheiro e atento guardião do patrão. Quando o Zuza percebeu a presença dele, novamente, berrou irritado: “Some daqui, Barão, não enche o saco.” O pobre foi mais longe, deu uma volta maior, com o rabo entre as pernas, passou pelas laranjeiras e limoeiros, e reapareceu sorrateiro. Com a cara boa de quem não está fazendo nada errado, acomodou-se novamente perto do Zuza, que urrou: “Já mandei você pra casa, Barão. Suma daqui.”
Aí, vem a Sônia, toda alegre, contar as novidades do fim de semana: “Hoje, Zuza, aproveitei pra mandar vacinar todos os cachorros com aquela vacina que havíamos comprado, lá no Detinho. Foi a conta certa; deu para vacinar todos.” O Zuza levantou o olhar do jornal e perguntou com cara de espanto: “E quem pagou a vacina do Barão?”
Santa Luzia, abril de 1995.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Engano pensar que o que mais dói é o que nos incomoda. O que mais dói é o que desejamos. O desejo é uma dor sem pouso. Carpinejar