UMA AVENTURA TRANSOCEÂNICA
Um dia, resolvemos vender um relógio de bolso antigo da marca Omega, que havíamos comprado de um colecionador em Belo Horizonte. Era uma preciosidade, com acabamento em lápis lazúli, máquina funcionando, pendent e fundo de ouro maciço, enfim, uma jóia rara e curiosa.
Assim, comecei ofertando para amigos e para antiquários mineiros, que não se interessaram. Ofereci, então, para uns conhecidos paulistas e brazilienses, também sem sucesso. Alguns até se interessaram, mas os valores que ofereciam nem de perto chegavam ao que nós havíamos investido, nem muito menos perto do valor de mercado que havíamos pesquisado, em torno de uns US$ 20,000.
Naquela época, apareceu em Belo Horizonte um americano de Chicago, comprador de relógios antigos, que se anunciava num jornal de grande circulação como “comprador de relógios antigos para qualquer uso: bolso, pulso ou parede.” No anúncio dizia ainda que faria uma avaliação e, se tivesse interesse, faria uma oferta de compra. Informava ao final que ele estaria na cidade nos dias tais e quais, hospedado no hotel X, contatos através do telefone Y.
Um amigo meu, colecionador de Belo Horizonte que conhecia o relógio e o comprador, telefonou-me propondo marcar uma entrevista com o gringo na casa dele. Informou-me que ele ficaria como intermediário, para dar garantia local ao negócio. Topei na hora. Na data aprazada, levei o relógio no estojo com marca de fábrica, também catalogado, e o americano começou o exame das peças com uma lupa. Sobre o estojo falou, de cara, que o forro estava muito gasto e que a tranquinha estava meio agarrada, dificultando para abrir. Pegou o relógio e o abriu, verificando que tinha a inscrição de um nome no verso da caixa de ouro, que imaginamos ser do primeiro proprietário, pois estava bordada com gravação caligráfica, numa letra rebuscada. Franziu o cenho. E continuou apontando pequenos defeitos como uma lasquinha milimétrica no lápis lazúli, só visível com a lupa; disse ainda que este acabamento estava meio gasto e ao final, com total desprezo, cara de deboche, colocou o relógio de volta no estojo, quase o jogou sobre a mesa, olhou-me com a lupa ainda pregada no olho esquerdo e falou categórico: “Pelas peças, senhor, neste estado, posso oferecer US$ 1,000, para não perder a viagem. É pegar ou largar.” Agradeci a “generosa” oferta e me despedi. Quando já estava na porta ele falou, novamente: “Senhor, posso dar-lhe US$ 1,500 que tenho aqui comigo em espécie.” E foi tirando do bolso e contando umas notas de US$ 100.
Agradeci novamente e fui embora.
Naquela busca por preço, havia encontrado alguns catálogos de peças registradas para colecionadores e em dois deles, constava um irmão do tal relógio, com fotos, descrição e valor aproximado de mercado, que era por quanto eu estava tentando vender.
Mas, surpresa, num noticiário na TV, prestei atenção numa matéria que comentava sobre os leilões da casa Sotheby`s, de Londres, na Inglaterra, que os promovia anualmente, com peças garimpadas pelo mundo afora. Empenhei-me muito para conseguir o telefone da casa leiloeira e liguei para saber sobre o interesse deles e qual seria a data mais próxima dos leilões. Colocaram-me ao telefone com a responsável por relógios que me informou que o próximo leilão seria dentro de dois meses, que tinham muito interesse na peça sim, e que eu devia entregar-lhes o relógio até o dia tal, a tempo da preparação prévia do evento.
Comecei então a me virar para viabilizar o negócio. Fui informado de que uma sobrinha estava passando uma temporada em Brighton, perto de Londres que, informada sobre minha intenção ofereceu-se para me ajudar no que fosse possível. Combinamos tudo certinho mas, no meio das tratativas, ela voltou para Belo Horizonte, deixando uma amiga, na casa onde ela esteve hospedada, encarregada da missão. Liguei para ela que se prontificou a ir a Londres quando eu precisasse para pegar o relógio comigo ou com alguém que eu indicasse e entregá-lo na Sotheby`s à encarregada de relógios. Esta funcionária, uma senhora com quem falei diversas vezes, era uma típica inglesa no sotaque e nos hábitos, que sempre me atendeu com muita atenção e simpatia.
Com isto, só faltava arrumar um portador pois não compensaria levá-lo pessoalmente.
Na época, eu trabalhava na Assessoria de Comunicação da Secretaria da Fazenda e soube que, coincidentemente, um colega meu, funcionário graduado da Secretaria, estaria viajando a Londres naqueles dias para uma reunião na capital inglesa. Pura sorte.
A viagem dele coincidia com a data limite para entrega da peça. Ele era um amigo de longa data, com quem tinha total liberdade, assim, contei a ele a história e pedi o favor de levar a peça. Esclareci que ele não teria trabalho algum e que era só para entregar para uma mocinha inglesa de nome tal, que se identificaria e pegaria com ele no hotel. Muito cordialmente ele me atendeu. Assim, embrulhei a raríssima peça e a despachei com ele.
Em resumo, os trâmites em Londres correram tão bem que, em dez dias recebi na minha casa o catálogo dos leilões daquele ano da Sothebys, onde o já famoso relógio constava de uma das fotos que ilustrava a capa. Fiquei feliz com as especificações da peça que remetiam a um lote de apenas vinte relógios, peças únicas, que haviam sido montados para uma feira industrial realizada em Paris, em 1922, com o valor estimado em US$ 20,000 para abertura dos lances.
Ao final, fui informado pela funcionária da Sotheby`s que a peça havia sido arrematada depois de uma ferrenha disputa entre um preposto da fábrica suíssa e um colecionador londrino, que a arrematou com a oferta final de US$ 25,000.
Foi uma aventura transoceânica formidável, que resultou numa ótima venda, sem trocar nenhum papel com qualquer pessoa, sem precisar reconhecer firmas ou autenticar documentos, numa época em que não havia internet, muito menos telefones particulares/celulares
Comento, agora, com muita alegria esta experiência gostosa.
Belo Horizonte/abril 2012.
Se você acha a aventura perigosa, tente a rotina. É mortal! (Paulo Coelho)
Fotos: Pedro Brandão