De Miami até Puerto Plata, levamos umas seis horas de vôo, com uma escala em Santo Domingo.
A República Dominicana é uma ilha caribenha que se destaca pela simpatia do seu povo e pelo amor ao ritmo local: o Merengue. Por todo lugar e a qualquer hora, o Merengue está no ar, por isto considerada o maior culto “menrenguero” do Caribe. Comprei um LP do July Mateo, líder nas paradas da época, com a.música Oye! Sensacional.
Puerto Plata é de uma simplicidade total. Praias pequenas e bonitinhas e numa delas, sentamo-nos, Gilda e eu, sob um Almendrón, uma castanheira secular imensa, daí o aumentativo, para beber uma cerveja e conversar sobre a vida. Sempre a vida e a cerveja! Minhas companheiras inseparáveis e, no caso, mais a Gilda e um cinzeiro de barro, pois fumávamos muito.
Nosso grupo foi instalado num acampamento onde morava uma equipe de técnicos agrícolas, assistentes e orientadores sociais para a execução e acompanhamento de um miniprojeto agrícola chamado Plan Sierra. Para nós, numa estada de três dias, iríamos conhecer um sistema autossustentável de vida para pequenos agricultores, comandado pelo Licenciado Dr. Blas Santos.
É muito interessante. As minúsculas propriedades estão instaladas num alto de morro, com uma pequena horta de
sobrevivência: alface, cenoura, beterraba, batatas e pimentas, um galinheiro no quintal, onde convivem galos, galinhas, cachorros e gatos e, de lá, corre uma aguinha, morro abaixo, que carrega os excrementos dos bichos, até um minúsculo lago onde habitam patos, gansos e outros afins que também fazem suas necessidades na água que, de lá, vão desembocar num chiqueiro, para alegria e vida dos porcos. Todos gordinhos, bem nutridos e fétidos, como em todo chiqueiro. São diversas famílias de sem-terra vivendo nessas condições e plenamente satisfeitas com a solução oferecida pelo governo. É uma mini-mini-minirreforma agrária.
Mas, acima disso, aliás, bem acima, naquela noite, corria uma das maiores belezas do universo: a deslumbrante.Via-Láctea.
Dizem que a melhor visão da Via-Láctea é no Caribe, depois da meia-noite num acampamento sem luz e em noite de céu claro. Para sorte minha, ainda havia lá um violão, que alguém tinha esquecido ou que talvez ficasse lá de plantão para ser oferecido a um candidato a encantar mais a bela noite, sem trocadilho! What a night, como diria o Simon!
A única dificuldade é que as cervejas ficavam bem longe. Um voluntário tinha que quebrar o torpor da noite encantada e andar uns cinquenta metros morro abaixo até a cantina do alojamento, acordar o servente quase aos berros, e pedir, por Diós, pelo amor de Deus, by God, que nos vendesse algumas. Depois do terceiro ou quarto pedinte ele decidiu ficar de prontidão para os próximos, que aconteceram até o raiar do dia.
Voltando à Via Láctea, só havia tido uma visão semelhante numa noite de lua cheia em Santa Luzia, na fazenda Boa Esperança, e que também foi acompanhada pelo meu violão.
Num determinado momento começamos a ver objetos se deslocando no espaço infinito e os palpites foram ecoando no deslumbramento da noite: “São aviões. No planes, you fool, at that high? São discos voadores. Estás loco? Son pequeños cometas. Acho que são satélites artificiais ou estrelas cadentes. They’re ghosts in the night. Tem razão, são fantasmas da noite, como espíritos vagueando no espaço. Bobagem, isto tudo é fruto do nosso encantamento e imaginação. Creo que es solo, el amor de nosotros que vuela en el espacio. It’s the life in the future. Que nada, no céu o que a gente vê é a vida que passou! We’re just drunkers seeing more than stars. Tá certo, tá todo mundo é bêbado mesmo, vendo estrelas. Es Marte, seguro. No it’s Saturn with the rings. Que nada, seus bobos é a estrela Dalva que no céu desponta.”
E a noite foi acontecendo cheia de suposições, músicas de todos os gêneros e nacionalidades. Era a vida em sua plenitude, no Caribe. Gracias a La vida!