domingo, 16 de março de 2014

MAIS SOBRE VINHOS, AGORA COM O CHARLES
Recentemente falei com o meu querido amigo Carlos Alberto Baroni, por telefone, e ainda a propósito de vinhos, acabei me lembrando de uma interessante e comparativa história.
Eu estava no interior da França, exatamente na cidade de Lyon, quando fui convidado para um almoço no restaurante Le Leon de Lyon, acima, considerado, na época, um dos dez melhores do mundo. Não sei se ainda mantém tal classificação nem se consta do livro do Ricardo Amaral/Boni de Oliveira Sobrinho, editado no ano passado. Sei que nosso anfitrião, naquela data, era um gentleman, que trajava um terno do melhor figurino, gravata de seda italiana, sapatos também italianos e de grife e lenço no bolsinho do paletó. Ele fez a deferência de convidar-me a escolher o vinho. Por delicadeza, declinei. Confidenciando com o maitre, ele então fez o pedido.
Servido, com uma provada, recusou o vinho e o maitre, sem piscar o olho, informou que havia só mais uma garrafa daquela mesma safra e uva, ou se ele preferia trocar por outro rótulo? Ele estava decidido a manter aquela escolha, preferiu tentar com a segunda garrafa e assim degustamos um Santenay Charmes, da Borgonha, 1974, maravilhoso, deixando o maitre sorridente ao lado da mesa.
Alguns anos depois, Baroni - a quem carinhosamente chamo de Charles de Gaulle e que é também homem de muito bom gosto; elegantíssimo, então com terno talhado pelo artista “Tesoura de Ouro”, Hermano Augusto do Carmo, gravata Dunhill e sempre a bordo de um Volvo 750 -, convidou-me para almoçar um Poisson a la belle meuniére, em tradicional restaurante de Belo Horizonte.
Com todo o protocolo, pediu a carta de vinhos, conversando com o maitre que, sem maiores delongas trouxe o vinho, colocou a garrafa sobre a mesa e foi logo dizendo: “Já tá bem gelado, viu doutor.” Charles, delicadamente, pediu que ele o servisse e colocasse o vinho num balde com gelo. O maitre torceu o nariz, mas cumpriu a ordem, servindo ao Charles um fundo da taça. Ele degustou, não aprovou e pediu que trocasse o vinho. O maitre, visivelmente contrariado, falou: “Que qu’é isso, doutor, esse vinho tá ótimo! Tá todo mundo bebendo dele...”. Mais delicado ainda, Charles argumentou: “Pode ser, mas eu prefiro que o senhor traga uma outra garrafa, por favor, pois não gostei deste”. E o maitre, quase berrando, ainda retrucou: “Ô doutor, o senhor tá criando um caso à toa. O vinho tá ótimo, eu garanto.”
“Por favor, senhor, troque o vinho, sim?”- ordenou o categórico Charles. ”Como, doutor, e quem vai pagar esta garrafa? Não, doutor, num faz isso comigo não, o vinho tá ótimo.” E, paciente, mas olhando firme para o garçom, decretou: “Por favor, senhor, cobre as duas garrafas na minha conta e não se fala mais nisto. Vamos embora, Bob.” Levantamo-nos e fomos almoçar noutro restaurante.
Belo Horizonte, março 2014.
 
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
"Quando recupero a razão, enlouqueço." Julio Ramón Ribeyro