Estávamos embarcando no último vôo noturno da Alitália para Atenas, com escala em Roma, naquela sexta-feira de 1975. O Ronald e a Marlene, a Carminha e eu, que, em determinado momento, comecei a matutar: O que eu estou fazendo aqui? Para onde estão me levando?Com este mistério e esta curiosidade na cabeça, entramos no ônibus, que nos levaria até o avião, estacionado junto aos outros, já preparados para voar, num grande pátio em frente do Salão de Embarque, no velho Galeão.
Cintos afivelados, voltei às minhas indagações e me lembrei de que os três haviam me convidado para uma conversa séria dias atrás, quando então me propuseram conhecer a Itália e a Grécia, até aquele momento inexploradas pelos habituais viajantes. Concordei de imediato com a viagem, conforme me disseram, embora não me lembrasse de nada. Havia batido com a cabeça no meio-fio, num acidente de carro, três meses antes, e estava completamente fora do ar. Comia, bebia, andava, ia trabalhar, visitava os amigos, mas totalmente alheio a cada situação.
Até que eles pensaram muito bem: Vamos tentar dar um choque de situação: línguas, costumes, climas, gente, tudo bem diferente e bem forte, pra ver se o homem “acorda”, depois de todos os tratamentos médicos, medicamentosos e, inclusive, psiquiátricos. O choque funcionou.
Já no avião, comecei a perceber alguma coisa, manifestando minha vontade de beber champagne e brindar a nova aventura ultramarina. Tomei duas taças e minha cabeça começou a abrir. Ninguém percebeu. Só eu tinha consciência do acontecido e deixei ficar. Era tão bom ser meio-doido!
No Aeroporto Fiumiccino, fiquei fascinado com a beleza da mulher italiana, o cheiro delicioso de queijo parmesão e a tremenda felicidade de estar num outro país. Estas coisas sempre me encantaram. Nossa estada em Roma seria na volta, assim, re-embarcamos e voamos direto para Atenas. E lá, as surpresas seriam muito maiores para todos nós.
Fomos direto conhecer a Acrópole, num dia de neve intensa. Fato raríssimo, segundo os próprios gregos. Conhecemos o Mercado de Pulgas e, claro, todas as demais ruínas da Grécia antiga. Este panorama nos remetia às aulas de história universal, quando fizemos diversos comentários sobre o conhecimento que ainda tínhamos.
Ficamos hospedados num hotel antigo, na Praça Omonia, bem no centro da cidade, num ponto privilegiado, próximo de tudo. Andávamos pelo centro de Atenas com muito desembaraço, embora não entendêssemos nenhuma palavra em grego e o inglês que falávamos não adiantava muito, pois eles não gostavam de se comunicar nessa língua. A comunicação era feita através da mímica e com murmúrios.
Assim mesmo, decidimos, por sugestão do Ronald, conhecer as famosíssimas ilhas gregas, universalmente decantadas. De mímica em mímica, chegamos ao Porto do Pireu, muito movimentado, com bares e restaurantes e navios que faziam a rota das ilhas. Contratamos o mais próximo, que oferecia um passeio de um dia, com permanência nas três ilhas: Hidra, a maior, Pórus e Aegina, o berço dos pistaches, com a volta para Atenas ao entardecer.
Estávamos ansiosos para ver o decantado por do sol no Mediterrâneo e o Ronald excitadíssimo com as fotos que iria registrar. Na primeira parada, comprei um boné de marinheiro grego, daqueles pretos, para me integrar à paisagem como um nativo. Nunca conseguiria...
Andamos muito pelas ilhas, conhecemos pequenos museus e pontos turísticos, comemos pistache, ao pé, e nos encantamos com o poente mediterrâneo. Realmente, um esplendor!
Naquela altura, eu já estava bem melhorzinho. Conversava normalmente, entendia bem os assuntos, estava quase bom.
Desembarcamos no Pireu e o Ronald sugeriu: Vamos comer uns camarões por aqui?
Parecem sensacionais. Dos muitos restaurantes enfileirados, escolhemos um onde podíamos escolher os camarões expostos num aquário e eles os preparavam à moda grega. Não era com arroz à grega, apenas, camarão à moda grega. Logo, pensamos ser um prato delicioso. Entusiasmamo-nos com o direito de cada um de nós poder escolher seis camarões. Uma fartura! Cada um, então, apontou os seus e nos sentamos para tomar o vinho nacional que acompanharia o prato típico. Curiosamente, eles só serviram as cabeças fritas dos camarões e o Ronald, cozinheiro de escol, perguntou: E o corpo dos camarões? O garçom respondeu: Isto é pro pessoal da cozinha, senhor, eles é que gostam.
O quê? Nós também gostamos é do corpo, não das cabeças, argumentamos no nosso ítalo-anglo-grego-gálico-aramaico-português, que não foi entendido, é lógico.
Mas, como para turista tudo é festa, enfrentamos os crânios dos camarões com muito vinho grego e deu tudo certo. Comida típica, heim? Saímos meio desapontados, palitando os dentes pra tirar as antenas agarradas e fomos pegar um táxi.
Aí, o Ronald sugeriu que fôssemos de metrô, para conhecer como esse transporte funcionava na Grécia. Achamos ótimo. Chegamos à estação e havia dois trens estacionados. Eu, já meio metido, me ofereci para entrar num deles e saber qual dos dois ia para Omonia Square. Assim que entrei, as portas se fecharam e o trem partiu. Só deu tempo de olhar pela janela e ver os três me olhando como se fosse pela última vez. Dei um adeus simbólico, com a mão aberta num gesto de despedida. Como eles me acreditavam ainda muito doido, devem ter pensado que eu não conseguiria chegar a Atenas, muito menos à praça do nosso hotel. E, pela cara de incredulidade deles, também achei que aquele adeus seria para sempre e que, talvez, com muito esforço, eles conseguissem me localizar num trem Trans-Siberiano, indo para a China ou para a Mongólia.
Roberto H. Brandão – janeiro/2011.