MEIA-NOITE EM
RIBEIRÃO
Numa daquelas
noites memoráveis, quando saíamos para mais uma serenata tivemos uma recepção
inesperada. Decidimos iniciar a noitada seresteira num pensionato da vizinhança
cheio de garotas lindas. Lugar ideal para ganhar beijinhos à distância, pedidos
de músicas e até umas palminhas incontidas. Com os violões e marimba a
tiracolo, eu, o Marquinhos, colega da Faculdade de Direito, o João e o Fred –
estes eram da Medicina - éramos rotineiramente os seresteiros oficiais da
cidade. E, naquela noite, até àquela hora, nada fugira da rotina.
No Pinguim, bar boêmio
bem no centro da cidade, encontramo-nos para fazer o aquecimento das vozes e a
escolha do repertório. Depois de muitos chopes intercalados por doses de Steinheger, decidimos pelas músicas mais
românticas que, sabíamos, iriam agradar as meninas. Muitas vezes, elas ficavam
tão apaixonadas que até ameaçavam se atirar pelas janelas para cair nos nossos
braços. Mal sabiam que não conseguiríamos sustentá-las nem por um segundo, pois
estávamos sempre borrachos.
Saímos, então, a
pé mesmo, cantando pelas ruas, como um puro grupo de seresteiros originais. Éramos
tão duros que não tínhamos carros nem outras facilidades. Às vezes, como convidados, fazíamos serenatas
sofisticadas e com a maior mordomia. As meninas agraciadas com a seresta abriam
suas casas para receber os namorados e os simpáticos músicos. Rolava whisky
importado, salgados finos, uma festa! Já chegávamos botando banca a bordo de
carrões importados dos fazendeiros apaixonados. Um luxo só!
E naquela noite,
início do ano letivo, o pensionato estava cheio. Começamos a cantoria no mesmo
embalo de sempre, muita bossa-nova e algumas canções de nossa própria lavra.
O pensionato
ficava num prédio fininho, antigo, de uns três andares no meio do quarteirão, espremido
entre outros prédios enormes e, naquele lugar, a serenata não ficava individualizada
e acabávamos cantando para toda a vizinhança. Daí porque o agrado não era
unânime.
Eis que, naquela
noite, levamos baldes d`água na cabeça. Felizmente, o calor infernal de
Ribeirão Preto nos conteve. Enxugamos os violões e partimos para a próxima
esquina, pois os seresteiros são assim, se arriscam muito...
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“É preciso fazer
o mundo inteiro cantar. A música é tão útil
como o pão e a
água.” Heitor Villa-Lobos