sábado, 6 de agosto de 2016

MEIA-NOITE EM RIBEIRÃO
Numa daquelas noites memoráveis, quando saíamos para mais uma serenata tivemos uma recepção inesperada. Decidimos iniciar a noitada seresteira num pensionato da vizinhança cheio de garotas lindas. Lugar ideal para ganhar beijinhos à distância, pedidos de músicas e até umas palminhas incontidas. Com os violões e marimba a tiracolo, eu, o Marquinhos, colega da Faculdade de Direito, o João e o Fred – estes eram da Medicina - éramos rotineiramente os seresteiros oficiais da cidade. E, naquela noite, até àquela hora, nada fugira da rotina.
No Pinguim, bar boêmio bem no centro da cidade, encontramo-nos para fazer o aquecimento das vozes e a escolha do repertório. Depois de muitos chopes intercalados por doses de Steinheger, decidimos pelas músicas mais românticas que, sabíamos, iriam agradar as meninas. Muitas vezes, elas ficavam tão apaixonadas que até ameaçavam se atirar pelas janelas para cair nos nossos braços. Mal sabiam que não conseguiríamos sustentá-las nem por um segundo, pois estávamos sempre borrachos.
Saímos, então, a pé mesmo, cantando pelas ruas, como um puro grupo de seresteiros originais. Éramos tão duros que não tínhamos carros nem outras facilidades.  Às vezes, como convidados, fazíamos serenatas sofisticadas e com a maior mordomia. As meninas agraciadas com a seresta abriam suas casas para receber os namorados e os simpáticos músicos. Rolava whisky importado, salgados finos, uma festa! Já chegávamos botando banca a bordo de carrões importados dos fazendeiros apaixonados.  Um luxo só!
E naquela noite, início do ano letivo, o pensionato estava cheio. Começamos a cantoria no mesmo embalo de sempre, muita bossa-nova e algumas canções de nossa própria lavra.  
O pensionato ficava num prédio fininho, antigo, de uns três andares no meio do quarteirão, espremido entre outros prédios enormes e, naquele lugar, a serenata não ficava individualizada e acabávamos cantando para toda a vizinhança. Daí porque o agrado não era unânime.
Eis que, naquela noite, levamos baldes d`água na cabeça. Felizmente, o calor infernal de Ribeirão Preto nos conteve. Enxugamos os violões e partimos para a próxima esquina, pois os seresteiros são assim, se arriscam muito...
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“É preciso fazer o mundo inteiro cantar. A música é tão útil
como o pão e a água.” Heitor Villa-Lobos