É muito curiosa a escolha de um time pra gente torcer. Na maioria das vezes, acho que é
meio hereditária essa preferência. Dificilmente os filhos não seguem os caminhos dos pais. Lá em casa, houve um caminho diferente. Quer dizer, na casa onde eu e a Lúcia morávamos, que era a dos nossos tios solteirões, José e Tonico. O primeiro, atleticano doente, com úlcera nervosa de tanto torcer freneticamente pelo Galo e o segundo, ex-jogador do América, beque direito, posição que – diziam - se passasse a bola, o atacante não passava. Era um beque duro, forte e com um petardo que certa vez passou por cima do estádio Independência indo parar a dez quarteirões de distância. A bola sumiu. Esse tio Tonico era um americano de crença e de compromisso, como quase todos da família Hermeto: tio Abdon, vovó, tio Lolode, tio Honório, tia Glória, tia Marina, mamãe e tio Soné, enfim, a maioria. Só o tio Zé era do contra, ou seja, atleticano.
Na hora do almoço, a Lúcia sentava-se ao lado do tio Zé e eu, ao lado do tio Tonico. Isto já denotava uma tendência e despontava as respectivas preferências. Minha irmã foi se interessando pelas conversas futebolísticas do tio, que a motivaram a conhecer e a se interessar pelo Atlético. E, do outro lado, minha influência era, rigorosamente, americana. Até nossas roupas foram assumindo as cores de cada time. Eu, por exemplo, nomeei o verde a minha cor preferida e a Lúcia só admitia o preto e branco. Vovó, muito esperta, colocava guardanapos das nossas cores preferidas e íamos levando uma infância feliz na provinciana Belo Horizonte dos anos 40, com postes no meio das ruas, calçadas com paralelepípedos e os bondes como único transporte coletivo. Nada mais.
De repente, não mais que repente, plagiando o poeta, mudamo-nos para São Paulo e lá perdemos, por quase dez anos, todas as referências e rivalidades do futebol belo-horizontino. Por aqui, surgira um novo concorrente para Atlético e América que se chamava Palestra Itália, então totalmente insignificante, mas que se transformou no poderoso Cruzeiro, tendo como símbolo a Raposa, sendo hoje o principal adversário do Galo. Já o Coelho, glorioso deca-campeão mineiro, foi diminuindo, diminuindo e sumiu para a segundona. Só agora, conseguiu voltar para a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, lugar de onde nunca deveria ter saído. Meu amiguinho aqui do prédio, o Lucas, ardoroso torcedor do Coelho, deve estar feliz. Aqui na minha Toca, pelo menos, tenho a certeza de um colega torcedor e se, por acaso, ouvir o som de um foguete nos dias de jogos do América, já vou saber de onde estará vindo.
Li, hoje, no jornal, que o Coelhão está com técnico novo, o Antônio Lopes. Resta-nos torcer por ele, para, no mínimo, manter o América na primeirona.
Sobre a disputa histórica entre os clubes, contou-me o Márcio - quando pedi a ele a remessa da sua ufanista e linda música para ilustrar musicalmente esta crônica - uma história muito interessante. Disse-me que nos anos 30, num clássico disputado no Independência entre América e Atlético, os presidentes dos clubes estavam discutindo sobre qual juiz deveria ser indicado para apitar a pugna e não chegaram a nenhuma conclusão sobre os juízes mineiros; todos, então, considerados suspeitos. Assim, o presidente do América, o saudoso engenheiro/socialite mineiro Alair Couto, e o presidente do Atlético - de quem não se lembrava do nome -, em consenso, concluíram que um árbitro do Rio de Janeiro, isento de qualquer fanatismo local, seria a melhor indicação. Assim, optaram pelo conceituado juiz inglês, Mr. Barrick, que atuava naquela cidade, sugerido pelo Iustrich, que havia jogado como goleiro do Flamengo e o conhecia bem. O juiz aceitou e o Alair correu para a imprensa, informando que o juiz viria no dia tal e qual, de ônibus. A fanática torcida atleticana precipitou-se até Juiz de Fora para cercar o juiz e ter com ele uma conversa prévia. No entanto, o Alair já havia combinado com um diretor do América para mandar o juiz de avião. E, na Pampulha, Mr Barrick foi recebido pela elegante torcida americana, numa recepção de gala, enganando a afoita torcida do Galo. Histórias do tempo do onça do futebol amador.
Esta crônica abre uma série de outras daquela época em que jogadores e clubes viviam, exclusivamente, do amor à camisa... Já tenho a fonte.
Julho de 2011, diretamente da Toca, a minha.
Ouça a excelente composição em homenagem ao América, do meu compadre, o Márcio Dias, americano desde sempre. O hino está no capítulo As Melhores Brasileiras... É muito bom!