domingo, 25 de dezembro de 2011

NAVIDAD EN LA MITAD DEL MUNDO

Numa das etapas do Fellows II, fomos para o Equador, para participar de seminários e conferências que versavam sobre os fenômenos climáticos que já vinham comprometendo a movimentação turística aos países da costa do Pacífico. Minha missão, naquela temporada, foi apresentar uma versão comparativa com os países da costa Atlântica; o Brasil, naturalmente, como destaque. 
Aterrissamos bem ao sul, em Guaiaquil, cidade litorânea de belezas exóticas como uma coleção de iguanas numa praça em frente ao hotel onde nos hospedamos. Bem mansos aqueles lagartos horrendos normalmente transitam pela praça, arrastando-se pelos passeios à procura de insetos para comer. Frequentadores e transeuntes são proibidos de alimentá-los.
As praias locais são de belezas diferentes das brasileiras. Por tudo. A vegetação litorânea não privilegia amendoeiras nem coqueiros como as nossas. Parece que essas espécies gostam mais do Oceano Atlântico. As areias são mais grossas e muitas pedras avançam no mar. São bonitas, mas bem diferentes das nossas.
A programação do seminário só incluía uma visita às praias. Nada de banho de mar.
Também, por azar, minha mala havia se extraviado e fiquei praticamente sem roupas, só com duas camisas e roupas de baixo. Mas, daria pra levar até a mala aparecer.
Naquela temporada, um restaurante marcou muito na minha lembrança, pelo nome poético, Juan Salvador Gaviota, e pelos enormes caranguejos do estreito de Beagle, chamados centollas.  Comem-se as patas das quais se extraem lascas de carne, depois de quebradas com um martelinho especial. Essas lascas são mergulhadas em potes com misturas diversas de temperos. Uma deliciosa comida típica equatoriana, que é servida sem qualquer acompanhamento.
Em Guaiaquil, só passamos o fim de semana. De lá, peguei uma carona até Cuenca, com meu amigo equatoriano Eduardo Malo. Os outros Fellows foram de ônibus. Subimos, numa Rural Willys, as íngremes estradas da Cordilheira dos Andes, contando as lhamas dependuradas nas trilhas e acompanhando um enorme condor que, isolado,  sobrevoava as lindas montanhas. Fui apresentado à belíssima música Alfonsina y el mar, numa das fitas cassete que o meu companheiro levava no carro e a mais uma centena de canções andinas.
A cidade de Cuenca fica encravada na metade da subida aos Andes. Próximo ao hotel passa um rio de águas calientes. Isto mesmo, as águas descem do alto da Cordilheira congelada e, por um fenômeno qualquer, quando entram naquela região se aquecem e formam piscinas onde turistas se esbaldam. Lembro-me de que fomos convidados para um banho numa das piscinas. Com meu amigo Bernal Revelo Castro, dentista consagrado em San Jose, na Costa Rica, fui conhecer as tais piscinas quentes, sem nenhum interesse em mergulhar. Apenas os americanos do grupo, uns vinte, estavam nadando. Todos lourinhos, banhando-se nas borbulhantes e enfumaçadas águas da piscina natural. E o Bernal, irônico, fez um comentário inesquecível: Una verdadera sopa de gringos!
Perto de Cuenca, bem no alto da Cordilheira, a bordo de um velho ônibus da Bibi Travels, visitamos uma das mais antigas cidades incas, Ingapirca, também encravada num dos enormes degraus da montanha. Lá, fomos convidados para um churrasco de porco, preparado bem à moda daqueles “porcos no rolete” feitos no Rio Grande dos Sul. Um porco inteiro espetado numa haste com uma manivela na ponta, que os churrasqueiros vão rodando para assá-lo por igual. Essas comidas e costumes, talvez espanhóis, se espalharam por todas as Américas. De Ingapirca, com as lhamas correndo morro acima, fomos para Quito.
A capital é belíssima, com ar rarefeito a mais de 2.500 metros acima do nível do mar. Daí, as reclamações, cada um falando horrores da pressão atmosférica: que dificultava a respiração, que a gente se sente achatado, que cansa muito, etc. Nada disso, me senti absolutamente normal. Melhor ainda, pois quando chegamos, encontrei minha mala esperando no saguão do ótimo hotel. Foi um alívio. Ela havia extraviado, seguindo no voo para Santiago do Chile. Felizmente voltou intata e até exalando uns ares vinícolas da excelente uva cabernet sauvignon..
Numa daquelas tardes, fizemos um passeio ao monumento denominado La Mitad del Mundo, que fica a mais ou menos vinte quilômetros de Quito (foto). Lá, resolvi mudar minha passagem de volta, pois queria fazer uma parada em Lima, no Peru e em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, somente para acrescentar mais dois países ao meu portifólio viagístico. Curioso contar que, naquela data, já havia no Brasil um sistema de telefonia bem adiantado para os padrões sul-americanos. Os interurbanos já eram discados diretamente com os códigos de área, enfim, estávamos bem up to date. no Equador, eles estavam num estágio atrás. Consegui, a duras penas, um aparelho telefônico, imaginem, num lugar de total interesse turístico, justamente onde passa a linha do Equador, que divide o mundo ao meio e, de lá, quis ligar para a agência de viagens. Resposta da telefonista: Tenemos una espera de dos horas para las llamadas a Quito, señor. Desisti e fui tomar una cerveza en la mitad del mundo. O gosto era o mesmo das outras, muito boas.
Era véspera de Natal e os organizadores programaram a Missa do Galo na primeira igreja jesuíta das Américas. Naquela noite, com certeza, conheci uma das mais belas igrejas construídas pelos jesuítas mundo afora. É lindíssima! Rica e com vitrais maravilhosos, que, acredito, compõem uma das melhores obras artísticas da igreja católica. Comparada, nos vitrais, com a Saint Chapelle e a Notre Dame em Paris, a de Saint Patrick em New York, e com os lindíssimos vitrais das igrejas da Boa Viagem e de Lourdes, em Belo Horizonte, sem me esquecer da Capela Sistina, no Vaticano.
Nosso Natal foi solene, com a missa e depois um jantar no próprio hotel, onde haviam montado uma árvore bem sugestiva. Trocamos uns presentinhos entre os Fellows.
Outro aspecto interessante do Equador é que lá, o jogo é livre. Assim, meio fascinado pelas apostas, me encaixei numa mesa de roleta, num cassino ao lado do hotel. Perdas irreparáveis me obrigaram a fazer somente uma parada rápida em Lima e Cuzco e um passeio de táxi em Santa Cruz de La Sierra. Também, não havia muito mais pra ver. Sobre Lima e Cuzco ainda vou falar alguma coisa viu, Lulu?
Belo Horizonte, dezembro/2011.
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domingo, 18 de dezembro de 2011

BELO HORIZONTE INUNDADA


Lembro-me de uma chuvarada parecida com esta do dia 15 de dezembro passado, quando morava em Belo Horizonte, em 1951, num intervalo de nossa permanência em São Paulo. Morávamos na casa do tio Hermeto, ao lado da casa da vovó, na Rua Bernardo Guimarães, no bairro Funcionários.
Era um domingo pesado, totalmente cinza, coberto de nuvens negras e, inusitadamente, papai nos convidou para um passeio pela cidade. De vez em quando ele tinha umas vontades estranhas, sem pé nem cabeça. Passear de carro num dia tenebroso como aquele? Sei lá! Aceitamos e nos aboletamos no novíssimo Austin A40, pretinho, estofamento de couro castor, alguns discretos cromados nos para-choques, nas maçanetas e na bela grade do radiador, com um escudo da marca sobre o capô. Um autêntico carro inglês da década de 1950.
Cheirando a tinta e couro, nos aboletamos no carrinho: Lúcia e eu atrás e a mamãe na frente, com o que ela chamava de sanduíches; na verdade, somente pães com manteiga e uma daquelas antigas garrafas de leite, contendo um delicioso suco de laranjas; estas colhidas no quintal da casa da vovó. Um programão de domingo!
Saímos lá pelas onze horas, com a animação típica das crianças - a Lúcia 11 e eu 10. Àquela época, Belo Horizonte ia pouco além da Avenida do Contorno. Não existiam bairros periféricos e a cidade ficava, realmente, circunscrita no modesto perímetro da avenida, cujo idealizador Aarão Reis, nunca imaginaria e nem poderia supor a desordenada e incontida explosão demográfica da Capital das Alterosas. Descendo a Rua Aimorés cruzamos com um bonde na Rua Ceará, passamos pela já arborizada Av. Bernardo Monteiro para, afinal, chegarmos à Av Afonso Pena, também frondosamente  arborizada com fícus australianos até à Praça Sete. Este cruzamento com Av. Amazonas era um divisor da cidade onde estavam localizados os abrigos dos bondes que vinham da Pampulha, Serra, Cruzeiro e Floresta. Passando pela Igreja de São José, sentimos a grandeza e exuberância da religião católica, predominante na capital.
Naquele sobe e desce, pegamos a Amazonas até a Contorno, quando fomos surpreendidos por uma tremenda tromba d’água que inundou todo o bairro de Santo Agostinho. A água atingia a metade da porta do Austin que, valentemente, singrava as ondas revoltas das correntezas. Para distrair suas duas crianças, realmente assustadas com tal volume de água, a mamãe, preocupadíssima, nos ofereceu os tais sanduíches com suco de laranja.
Papai, como sempre nas nuvens, filosofando, conduzia tranquilo o Austinzinho e ainda comentava: Gosto muito de passear com vocês aos domingos! Para ele, que raramente estava disponível para essas reuniões familiares – já que vivia dedicado aos estudos no Brasil e além-mar -, aquele era um programa muito especial. Naquela ocasião, ele vivia um intervalo entre a temporada que havia passado na Inglaterra na Universidade de Oxford e a próxima, que seria dali a um mês, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Notamos, a Lúcia e eu, que, naquele momento, o nosso era o único carro nas ruas. Não cruzávamos com ninguém. E a chuva não parava! Um verdadeiro dilúvio.
De novo na Contorno, chegamos à Cidade Jardim, onde havia pouquíssimas casas. O papai apontou: É ali que o Célio está morando. Uma belíssima casa moderna na Rua Olimpio de Assis, isolada num bairro totalmente inóspito. O primo Célio, talvez o  melhor amigo dele durante toda a vida, havia adquirido aquela bela casa, num bairro  que viria a ser o mais chique da Capital.
O passeio continuou, enquanto as águas continuavam caindo...
Lá pelas duas da tarde, já havíamos contornado literalmente a cidade, quando papai resolveu voltar, pois a mamãe ainda ia preparar o almoço. Chegamos debaixo d’água  na casinha que não tinha garagem. Papai estacionou o Austin debaixo de uma centenária árvore de tamarindo e corremos para dentro. Foi um domingo e tanto.

Esta crônica saudosista saiu no dia 15 de dezembro de 2011, quando cheguei à Epamig depois de cruzar a Avenida Brasil debaixo d’água, subir a Conselheiro Lafaiete, remando num verdadeiro rio, e pegar a Avenida José Cândido da Silveira, totalmente congestionada. Devido à mesma intensidade da chuva relatada, neste trajeto, os acontecimentos registrados na crônica vieram nítidamente na minha memória. Parecia um filme revisitado, um dèja-vu.


Numa das fotos, em primeiro plano, assentados, a Carminha, a Sônia e o Rogério, e agachado, Eugene Salório, bolsista do Rotary hospedado com eles. Em segundo plano e não menos importantes, a D. Santa e o Dr. Célio. Em pé, o José Carlos, vulgo Zé, e o Roberto e o Zuza, estes dois últimos, de importância nenhuma.
Na outra, a fachada da casa da Olimpio de Assis, recém-habitada.
As fotos foram feitas por Célio Andrade Jr., vulgo Celinho.




domingo, 11 de dezembro de 2011

A CADEIRA DO CANDIDATO À ABL

Até que enfim já estou trabalhando em prol da minha candidatura a uma vaga na Academia Brasileira de Letras! Idade mínima já tenho. Como vocês estão vendo aí na foto, agora, aqui na Toca, com contrato de locação renovado por mais um ano, estou perfeitamente habilitado a concorrer, visto que não tenho nenhum impedimento para prosseguir nesta promissora carreira de cronista, que estava sendo interrompida insistentemente, pelo uso de uma cadeira fixa e desconfortável.
Vocês - nomeio todos: meus filhos, neta, noras, primo querido distante, sobrinhas e sobrinhos, concunhado e cunhada - me presentearam com uma cadeira chiquérrima. Ela gira em todos os sentidos: norte, sul, leste e oeste, bem como up & down, concedendo-me uma movimentação cadeirística completa, tão necessária nesses felizes momentos dedicados à literatura e à música.
Parece que eu estou brincando, mas era um sacrifício quando me virava para trocar ou colocar uma música na vitrola contígua. Tomava um choque na coluna lombar ou cervical e me fugia completamente a inspiração. Era como se tivesse um sensor-torturador a me criticar sobre o tema que estava desenvolvendo. Um horror!
Agora, fiquei livre desses déspotas estraga-prazeres e, com certeza, a literatura brasileira vai ganhar muito em expressão e qualidade. Vamos aguardar... Tudo brincadeira, queridos amigos.
O que eu quero mesmo é agradecer-lhes de público e de coração. O meu público são só vocês mesmo, que me acompanham e me incentivam através deste blog. Foi uma  gentileza e uma caridade oferecerem ao septuagenário uma peça tão adequada. Espero corresponder com uma produção que venha alegrar-lhes a vida.
No fundo, pela vida desregrada, aventureira e pobre, nunca pensei que conseguisse emplacar mais de 35 anos. No entanto, já estou com duas juventudes acumuladas de 35 e muito feliz.
Quero adverti-los de que a próxima vaquinha que terão que fazer será para a compra do “fardão”. Comecem a poupar, viu? Por favor.
Obrigado, Thanks, Danke, Merci, Gracias, Donko, Grazie, Arigatô.
Belo Horizonte – julho de 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

LES ESCARGOTS DU SIÈCLE


Desembarquei no velho Galeão depois de uma proveitosa viagem de negócios a Paris. Na bagagem, muitas lembranças e uma preciosa carga de cinco latas de escargots com los caracoles, para um lauto almoço em BH.
De cara, comuniquei ao Daurinho e à Helena, meus convidados de honra, que faríamos os raros e deliciosos bichinhos, talvez, numa bela manhã de domingo, no meu apartamento da Raja Gabaglia, “quase à beira-mar”. Avisada, a Lúcia afinou o violão e recomendou ao Dorival que separasse o avental e o chapéu du chef.
Mas, uma coisa e outra, o tempo foi passando e o tal almoço não acontecia. Os bichinhos, enraivecidos, decidiram mofar dentro da lata, em sinal de protesto. Afinal, era um absurdo, pois já estavam há tempos preparados pra irem pra panela e... nada. Ninguém os convocava.
Muitas outras viagens, muitas latinhas na bagagem e nada do almoço. A população escargótica revoltada, os caracoles esfacelados no muda pra cá muda pra lá, num verdadeiro desastre gastronômico. Passei até a ser cobrado, em tom de brincadeira, quando nos encontrávamos - “E os escargots do Daurinho?” Eu ficava meio sem graça, cofiava a barba, mas não deixava de prometer que, na próxima viagem, eles chegariam. Mas, o tempo é implacável. Passaram-se meses, anos, até o século passou e nada! A cada nova viagem criava-se uma expectativa e os bichinhos não apareciam. Assim, e com muitas latas mofadas, caí no descrédito.
No entanto, o Daurinho, cansado de tantas promessas e com uma curiosidade culinária aguçadíssima, acabou de anunciar ter trazido o bicho. Aleluia!!! Desta vez, sai.
Num pulo, corri para a vitrola, coloquei o LP do insubstituível Dave Brubeck para, com o Take five, buscar a receita e a inspiração corretas. No segundo copo de Blood Good Red, corte bordalês, veio à mente a complicadíssima receita: manteiga salgada, salsa, alho e cebola bem cortadinhos, cebolinha picada e um dedo de noz-moscada, a conselho do grão-mestre Flávio Simão. Corri para o telefone e marcamos para a casa da Lúcia, também “quase à beira-mar”, no domingo, 24, início da primavera de 2006. Não podemos perder mais tempo. Pedi logo à Carminha que lavasse os pratinhos e as ferramentas: pinças com molas de pressão e garfinhos de duas pontas para pescar o bicho no fundo do caracol, e demos início, assim, à prometida farra pantagruélica.
Lúcia já pediu ao Dorival para providenciar, na hora e na horta, as salsinhas e as cebolinhas bem frescas e disse que a mamãe comentou, com o nariz franzido: “A gente come mesmo esse bicho?”.
O cardápio ficou decidido: Entrée: les escargots à Provençale, avec Chardonnay Banrock Station, mèthod champenoise , degrée six y les riz blanche chez les Poulets a la Provençale au M. Anquier, avec le Chardonnay d`Australie Out Break Creek Colombard/Chardonnay, 2004, degrée neuf.Um luxo! Não é fácil montar um desses em Belo Horizonte...
Assim, no sopé da montanha, com os ipês floridos da verdejante Mata do Jambreiro, ao fundo, e com uns dez anos de atraso, vamos saborear os famosos escargots do Daurinho que, pela longa espera, carinhosamente foram apelidados os “escargôs do século”, para os quais, o Pedro e a Luciana também foram convidados.

domingo, 27 de novembro de 2011

OS GÓTICOS


Um gótico apareceu e pediu um Guaraná. “Antarctica”, disse ele.
Pulseira de couro preta, lógico, e outra de bolinhas douradas.
Um barato.
Coturno militar, brincos - dois furos em cada orelha – uma correia
enorme como chaveiro e a carteira, também preta,  enrascada no final
e enfiada num bolso grande do lado da calça. Que figura!
Cabelos longos abaixo da cintura, bebendo numa latinha de guaraná.
Fiquei curioso em saber o nome dele. Será que usa o próprio?
Ou algum outro apelido mais adequado com a figura negra?
Black Gottic, quem sabe? Ou isto é redundância?
Não interessa. O que importa é que saiu tão rápido quanto entrou neste
bar, numa véspera de feriado.
Pelo jeito vai longe. Latinha na mão e disposto a andar e gastar, até acabar, a super  sola do coturno preto.
Vá em paz gótico e seja feliz, sempre.   
Subitamente, chegam mais góticos, todos nos mesmos trajes negros, uns barbados, outros cavanhecados ou costeletados, mas todos exalando um cheirinho característico de mato fresco, daqueles...
Esses, já mais decididos, pediram bebidas mais fortes, cachaça pra um, conhaque pro outro e cervejas à vontade. Para todos. Eram quatro homens e duas mulheres. Elas, até muito maquiadas, ressaltavam na decoração facial fundas olheiras, bocas vermelhíssimas, sobrancelhas raspadas e brincos, argolas, alfinetes, pedrinhas e ouros e pratas por todo o corpo, imagino. As unhas, também muito pintadas, destacavam esmaltes roxos, azuis e vermelhos vivos, que mostravam garras retorcidas e prontas para esganar o primeiro infeliz que se apresentasse para uma cantada.
Do balcão, bem próximo deles, comecei a ouvir a conversa.
“Será que passou por aqui? – Deve ter passado sim, não tem outro caminho... – Ele é muito esquisito, quer entrar para a turma, mas nunca se junta conosco. - E ele nem bebe! Eu gosto dele. - Eu também. - Eu detesto. - Ele é gente boa, cara, só meio desligado. - Parece que gosta de andar sozinho, isolado, é uma figura estranha. - O que é que vocês acham? Continuamos atrás dele ou vamos ficar por aqui curtindo numa boa? – Sei lá, o papo ta bom, pra que sair por aí sem rumo. Vamos arranchar por aqui. Tem até este gente boa aí curtindo o nosso papo!”
Esta frase ele falou olhando pra mim e apontou com a cabeça. O gente boa era eu mesmo. Será que dei tanta bobeira assim? Será que minha fisionomia curiosa me entregou?
Quando me assento no balcão do Café La Place fico muito alheio a tudo. Peço uma cerveja branca e uma escura para misturar no meu blend. Não presto atenção em nada nem ninguém! Gosto mesmo é de observar aquela esquina de Afonso Pena com Brasil onde cruzam pessoas e carros em 12 direções, cada um com um pensamento, um sonho bom ou um problema na alma, uma vontade ou um desencanto na vida, cada um no seu rumo misterioso e único. Nada de mais diferente do que de qualquer outra esquina do mundo.
Reparei mais nos góticos, porque, realmente, são peças excêntricas dentro daquele pequeno grupo de beberrões de terno e gravata, de tênis e agasalhos, alguns mais descontraídos de camiseta e bermudas, todos num fim de dia e de expediente com olhares perdidos no infinito...
Belo Horizonte – novembro/2011   

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

MISTY

      Acordei no sábado, dia 16 de dezembro de 2006, com uma música na cabeça, no coração e na boca: Misty. Passei o dia e a noite de sábado, o domingo inteiro e a segunda, cantando Misty, envolvido com sua melodia suave e a letra pra lá de romântica. Na terça-feira seguinte, assistindo ao programa do David Letterman, pela televisão a cabo, ouvi dele a seguinte notícia: “Sábado passado, foi comemorado o cinquentenário de lançamento do antológico LP Heavenly, magistralmente interpretado por Johnny Mathis e que marcou época com a música Misty, no coração de diversos casais de namorados.” A data desse lançamento fora 16 de dezembro de 1956. Fiquei abismado com a coincidência da provocação da minha memória com tal aniversário.
Música é um assunto importante na minha vida. Importantíssimo. Todos os dias, logo pela manhã, depois da barba e do banho, mantenho ligado o rádio da sala, numa emissora bem musical, enquanto tomo o café da manhã. No trabalho, na minha casa, ao lado do computador, tem sempre um rádio já sintonizado na mesma estação. Portanto, é música o tempo todo. Ainda, quando saio, o rádio do carro já está conectado na chave de ignição e a música vai variando entre as rádios e cds. Com todo esse envolvimento, a coincidência foi demais.
Busquei, então, na minha velha e boa coleção de Lps, o Heavenly, datado de 1960. Tenho o hábito de datar essas compras e agora vejo como é útil este procedimento, pois devo tê-lo comprado logo que foi lançado. Naquela época, as gravações demoravam um pouco para serem reproduzidas no Brasil.
Recolhi-me no meu canto, munido de diversas latinhas de cerveja bem gelada e comecei a ouvir o bolachudo. Nenhum arranhão, apesar de ter sido ouvido, intensamente, durante mais de 40 anos. Passei a tarde/noite ouvindo Misty e decidi presentear meus amigos, neste Natal, com uma cópia em CD. Passei a telefonar para cada um deles e contar sobre a boa nova. Consegui falar com a Lúcia, o Celinho e o Zé Carlos. Ninguém mais me atendeu, nem o Eloy, nem o Brant, nem o Carlos Alberto, nem o meu compadre Flávio que, como todo interiorano, agora dorme cedo. Também, já passava da meia-noite. Alguns retornaram meu chamado, no dia seguinte. O primeiro deles foi o Márcio, que ficou muito feliz com a notícia e revelou que a música tinha sido muito importante na vida dele com a Beth, na época do namoro. Enquanto falava com o Márcio, o Ronald chamou duas vezes. Liguei pra ele e relatei o acontecido. Ele me disse: “Pois é, Roberto, tome nota aí, porque tem mais uma coincidência incrível. Considero Misty a minha música. Em qualquer lugar que eu entro, onde tenha um conjunto, orquestra ou músicos tocando, instantaneamente, começam a tocar Misty. É impressionante! Outro dia, por exemplo, estava em Nova York quando soube da apresentação do Erroll Garner num daqueles night-clubs da Broadway. Consegui, com muita dificuldade, um lugar numa mesa e corri pra lá. O show foi ótimo, pois, além de Misty, ele tinha composto diversos outros clássicos da música americana. Tocou todos, menos Misty e fiquei decepcionado, pois não era assim que acontecia comigo. Num ato de coragem, levantei-me e pedi: Mr. Garner, could you please play Misty? Of course. And I`ll do it specially for you - respondeu ele. Ganhei, assim, uma homenagem única do autor da minha música, que tocou dirigindo-se a mim o tempo todo. Foi um concerto quase particular, trocando olhares com Mr. Garner. Como você sabe, é essa coisa de músico...” E completou: “Tenho diversas gravações de Misty, mas não tenho a do Johnny Mathis.”
Ah! E ele ainda me contou outra. Disse que um dia estava jogando vôlei na praia, lá no Rio, e sentou-se pra tomar água, ao lado do grande escritor Fernando Sabino, que jogava no outro time. Conversa vai, conversa vem, começaram a falar sobre música. O Fernando tocava bateria muito bem e até tinha um conjunto amador, de jazz, com amigos. O Ronald acabou lhe contando esse episódio com o autor de Misty, que também lembrou outro semelhante que havia acontecido com ele, também em Nova York. Naquele momento na Big Apple, estava acontecendo uma apresentação do grande maestro Tommy Dorsey, por quem ele era fanático. Mr. Dorsey foi um dos maiores e melhores band-leaders americanos, de todos os tempos. Assim, o Fernando lutou para conseguir um ingresso para o espetáculo e conseguiu uma cadeira num daqueles gargarejos do Carneggie Hall. O ótimo cronista tinha, também, sua música preferida no repertório do maestro, que também não foi tocada naquela noite. Meio sem graça, mas com a mesma coragem do Ronald, levantou-se no meio da platéia e gritou: Mr. Dorsey, what about We`ll get it? O maestro respondeu-lhe: Ok, Mister unknown, I`ll play it specially for you. E, flertando com o Sabino, dedicou-lhe a canção, orquestrada magistralmente.
Para atualizar minha forma de reverenciar a linda canção, corri na Acústica e encomendei uma cópia em CD do meu antigo LP.

Belo Horizonte, dezembro/2006.

MISTY (lyrics)
(para quem quiser cantar junto com a música que está na listagem do blog)

Look at me, I`m as helpless as a kitten up a tree,
And I feel like I`m clinging to a cloud, I can´t understand,
I get misty, just holding your hand.

Walk my way, and a thousand violins begin to play,
Or it might be the sound of your hello, that music I hear,
I get misty, the moment you´re near.

You can say that you´re leading me on,
But it`s just what I want you to do,
Don`t you notice how hopelessly I`m lost
That`s why I`m following you.

On my own, would I wander through this wonderland  alone,
Never knowing my right foot from my left, my hat from my glove,
I`m too misty, and too much in love
I`m too misty, and too much in love.


FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Il n’y a qu’une antistrophe entre femme folle `a la messe et femme molle `a la fesse.
François Rabelais

domingo, 13 de novembro de 2011

OS PAPAGUENOS


Num fim de tarde, apareceu lá em casa meu compadre Flávio Simão, para decidirmos sobre um finíssimo jantar em homenagem ao Ronald Andrade, na minha opinião o melhor cozinheiro amador destas Gerais. Portanto, um evento de responsabilidade enorme.

Ao entrar, o Flávio foi logo perguntando: O que o Papagueno está fazendo aqui? Fiquei confuso e ele explicou: Ô Brandão, é aquele personagem da ópera A Flauta Mágica, de Mozart, não se lembra? E era verdade. Pela descrição, meu canarinho era a cara do Papagueno mozartiano. Assim, imediatamente providenciamos o batizado do bicho, regado a muito champanhe e com uns fabulosos tira-gostos que a Carminha havia preparado. Foi um batizado à altura da genialidade do músico setecentista.

O bichinho gozava de uma posição de destaque na sala de jantar. Assim, acostumou-se a viver e a cantar, bem próximo de todos. Inaugurava o dia com a cantoria do café da manhã, depois de tratado. No almoço, dava outro show.  Até no jantar, às vezes, esboçava um canto leve, sonolento. Era um craque. Ficou velhinho, penas esbranquiçadas, um pio de vez em quando e pum, morreu!

De lá pra cá, venho colecionando Papaguenos. O substituto do falecido, comprado de um fruteiro, no Mercado Distrital da Barroca, em frente ao Zuim, nosso fornecedor, era muito arisco e em pleno vigor da juventude. Cantava até perder o fôlego. Ficou logo conhecido como “canarinho-cigarra”, mas teve vida breve, uma pena. Ele nos acompanhou na mudança para a Raja Gabaglia e, com a melhoria no status, foi rebaixado para a área de serviço.

Amanhecemos na Raja e ele inundou o prédio com seu canto alegre e contínuo. É inacreditável, mas durante uma reunião do condomínio, fui chamado à atenção porque "o passarinho cantava muito." Uma vizinha neurótica tinha registrado uma reclamação para ser lida na assembléia, onde dizia que o canto do pássaro a incomodava muito. Coitada! Deve ter rogado uma praga, pois ele morreu de panela. É isto mesmo. D. Maria estava cozinhando um feijãozinho básico quando a panela de pressão explodiu e ele foi atingido por um caco de vidro da janela estilhaçada. Direto no coração do bichinho.

Esse segundo Papagueno teve a companhia de duas calopsitas, que piavam o dia inteiro, como galinhas velhas. Era um casal. Um dia, uma delas morreu e a outra emudeceu. Reparei que, de vez em quando, ela dava um pio choroso, lamentando a perda do companheiro. Mas, notei também que, quando ela ouvia o ranger da porta enferrujada do fogão, ficava excitadíssima. O chiado da porta era muito parecido com o do macho que viveu com ela. Acho que ficava esperançosa ou de que ele poderia voltar, ou até mesmo aparecer um substituto. Acho que foi o único caso de paixão desenfreada de calopsita por porta de forno enferrujada. Morreu de tristeza, coitadinha!

Os Papaguenos seguintes vieram de diversas cidades e regiões diferentes. Um deles, já no Buritis, ganhei do Frederico, que havia se mudado para Sete Lagoas. Esse também foi um campeão do canto. Um dia, eu estava trabalhando no meu quarto, ouvindo-o cantar, maravilhosamente, na varanda. De repente, parou! Pensei comigo, deve estar bebendo água ou tomando fôlego. Mas o intervalo ficou muito comprido e resolvi checar. O danado tinha aberto uma fresta entre os arames da gaiola e fugido. Não me aborreci, pois ele tinha pleno direito à liberdade.

O seguinte era manco e cantor médio. Tinha uma patinha com os dedos embolados, o que não fazia muita diferença, pois andava muito pouco e o canto era sóbrio. Posso considerá-lo de médio para bom cantor, pois conseguiu atrair um gavião predador, que o atacou dentro da gaiola, com as garras e o bico, fraturando-lhe a patinha boa, uma asa e perfurando-lhe um dos olhos. Ficou todo mutilado. A Maria José ligou pra mim e fui correndo socorrê-lo. Levei-o a uma clínica, mas o veterinário deu-me pouca esperança de recuperação. Entalou a patinha, passou uma pomadinha no olho furado e fez diversos curativos nas asas e em todos os lugares onde o predador miserável o havia atingido. Depois da agressão, coitadinho, durou mais uns poucos dias.

Agora, na Toca, tenho um campeão também doado pelo Frederico. Acho que veio de Sete Lagoas. Dou um trato nele toda manhã, com alpiste, mistura para canário e um indispensável pedaço de jiló, que ele adora.  Cuidado e alimentado, ele dispara a cantar.

Assim, aos Papaguenos só tenho a agradecer pela alegria de suas companhias ao longo do tempo.


Em Novembro de 2011, sobre um tema que começou em 1967.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Detesto conselhos a não ser os que eu dou. Jack Nicholson

domingo, 6 de novembro de 2011

BELAS PERNAS VOADORAS

Em julho de 2008, foi-se a nossa deslumbrante bailarina Cyd Charisse, que enfeitiçou as matinês e soirèes dos cinemas Rio e Majestic, na gloriosa década de 50, em São Paulo. Suas pernas, verdadeiros monumentos à beleza feminina, eram tão perfeitas que haviam merecido um seguro de milhões de dólares para garantia e preservação de sua eficiência no balé e manutenção de sua perfeição na estética.
Chamo-a de nossa porque ela pertenceu a todos nós, apaixonados e cultuadores da beleza distante de suas pernas. Seus pares, Fred Astaire e Gene Kelly, que a solicitavam para palcos no mundo inteiro, eram o alvo do nosso maior ciúme, quando tocavam aquelas pernas para embalá-las em passos acrobáticos e perfeitos até pousarem no chão, magistralmente.
Hollywood produzia filmes para o entretenimento com muita música e dança que embalavam os namoros dos casais apaixonados. Lembro-me de mãos dadas com minha namorada, a Cecilinha  - sósia brasileira da Brigitte Bardot-, quando fomos ao Cine Rio, que ficava num prédio na Rua da Consolação, onde ela morava, no quarto andar. Eu falei tanto das pernas de Miss Charisse que ela ameaçou retirar-se do cinema.
Aquelas pernas nos encantavam, voando nos compassos de Cantando na Chuva, A Lenda dos Beijos Perdidos, Meias de Seda e Dançando nas Nuvens, alguns dos musicais de maior sucesso daquela maravilhosa gazela voadora.
Quando vi anunciada a morte de Cid Charisse, senti uma pontada no coração, porque nos devaneios do rapaz, que vivia numa cidade grande e poderosa como São Paulo, os sonhos tinham que ser alimentados, confrontando-se com a realidade de uma vida tocada a duras penas, com poucos recursos. Desde a bicicleta de segunda mão, comprada da zeladora do prédio, das roupas consertadas do pai e dos tios, da comida simples servida na mesa apertada da cozinha, enfim, aqueles sonhos com as pernas voadoras serviam para colorir um pouco a vida meio cinzenta, numa cidade escurecida pela garoa e pela falta de dinheiro. Voilá! Cyd Charisse dans nos rêves.
Numa dessas tardes cinemáticas de domingo, culminamos com um filme dela, no Majestic, na Rua Augusta, depois de uma longa noite pelos clubes Pinheiros e Paulistano e uma jornada boêmia pelos bares das avenidas São João e Ipiranga. Tudo a pé, com muita cuba libre e Pervitins na cabeça. A fantástica bailarina ficou tão mais acessível, com tantos estímulos alcoólicos e anfetamínicos, que eu e o Renatinho decidimos comprar uma passagem para Hollywood para conhecê-la de perto. Saímos do cinema dispostos a procurar uma agência de viagens e voar para os Estados Unidos, naquele dia mesmo. Sonhos vãos! Nossa inocência não nos permitia saber que, para sair do país, seriam necessários documentos próprios, legalizados e autorizados pelas embaixadas. Sonhos vãos!
Já restabelecidos e na maior ressaca, consultamos o papai sobre as possibilidades de levar a cabo nossa aventura hollywoodiana. Ele disse: “Como é bom sonhar, meninos. Mas não desistam, porque a vida merece seus sonhos.” Ajeitamos os colecionadores e fomos para a aula ginasial, ainda extasiados com as belas pernas voadoras.
Ficou, para sempre, a nossa saudade.

Roberto H. Brandão – julho/2008/novembro 2011

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Tudo que é fácil de ler é difícil de escrever e vice-versa.
Telmo Martins - Jornalista


domingo, 30 de outubro de 2011

RABBIT HUNTING



Num dia de janeiro de 1977, partimos para uma viagem curiosa e marcante a Lund, na Suécia, com escalas em Paris, Hanover, Kopenhagen e Malmo. Éramos dois brasileiros, o Jarjour e eu, mais o laticinista nascido em Lyon, na França, o Barbier.
Arrumamos nossas malas com roupas bem pesadas, pois sabíamos do frio naquela região do planeta. As vestes tropicais seriam incapazes de agasalhar naquelas temperaturas sempre abaixo de zero. Assim, cachecol inglês, blusa de lã, carinhosamente tricotada pela mamãe, meias mais grossas, calça de sarja grossa, luvas de couro americanas, sem forro, e mais umas bobagens pretensiosamente aquecedoras. Como eu, meus companheiros também estavam despreparados. Partimos, então, com todo o ânimo e a honrosa missão de comprar uma empacotadeira, para lançamento do Leite BIG em Belo Horizonte, pioneiro no país, com os famosos “leites de caixinha”.
A primeira classe da Varig era realmente um luxo. Champagne e caviar logo no embarque; um lauto jantar quente com sopa de aspargos, lagosta à belle meuniére, acompanhada de um maravilhoso riesling alemão, rigorosamente a 11º C; cassata e expressos, licores, bombons, etc. E um sono tranquilo, em seguida, para atravessar o Atlântico em paz.
Com o avião vazio, o Jarjour pediu ao Barbier, ao seu lado, que trocasse de lugar, pois ele preferia dormir sem o desagradável cheiro das meias do francês, que já tinha chutado a botina para debaixo da poltrona.
Depois das escalas, sem qualquer atropelo, desembarcamos na belíssima Kopenhagen, cuja temperatura era de –10º C. Empacotamo-nos com os casaquinhos mineiros e iniciamos o primeiro dos quinze dias gelados da missão. Para minha sorte, o Ronald havia me emprestado um casacão de lã verde militar, que me rendeu o apelido de Her General.
Passamos o dia conhecendo um pouco da cidade, onde nos informaram que deveríamos tomar um ferry-boat com destino a Malmo, na Suécia, do outro lado do Mar Báltico e, de lá, pegar um trem até a pequena cidade de Lund, bem ao sul, onde ficava a fábrica e os escritórios da Tetra-Pak.
À custa de muita vodca, atravessamos o mar gelado e desembarcamos numa estação ferroviária, onde um velho trem a vapor aguardava para levar os trabalhadores para casa, depois de um longo dia de trabalho no país vizinho. Parecia um daqueles trens-cargueiros com passageiros de olhares curiosos e cansados, barba meio crescida e semblante abatido, carregando umas sacolinhas que deviam ser suas marmitas. Uns liam jornais amarelados, outros jogavam com pedrinhas plásticas um jogo diferente, desconhecido para nós; alguns ficavam recostados nas janelas, tirando uma soneca, enfim, um legítimo trem suburbano com sua exótica população. Nossos companheiros de viagem nos contaram que muitos suecos fazem diariamente esse trajeto, pois trabalham na Dinamarca e moram na Suécia. Sentimo-nos  totalmente avulsos no meio daquela gente mas, com bastante fair-play,  tentamos nos misturar como se fizéssemos parte daquela turma de trabalhadores fatigados. A viagem foi curta, uma hora e meia, e chegamos em Lund. Na estação, já nos aguardavam o presidente e o vice da Tetra-Pak, que nos levaram, num carro só, pois estavam praticando o transporte solidário, em pleno início da crise do petróleo. Apertamo-nos para caber na van e rumamos para o Hotel Lundia. O presidente nos deu uns minutos para descarregar a bagagem e descemos para jantar no restaurante do hotel. Comidas diferentes regadas com bom vinho francês e um convite inusitado: no dia seguinte, um sábado, ele havia combinado com os amigos para uma caçada aos coelhos e, gentilmente, nos convidava para acompanhá-lo. Espertos, Jarjour e eu agradecemos, desculpando-nos por não termos as roupas apropriadas, mas o Barbier, corajosamente, aceitou.  
Na manhã seguinte, tomávamos o café, quando o Barbier apareceu para narrar a caçada. Parecia um pinguim. Depois de um whisky duplo puro, contou-nos que o presidente e os amigos haviam chegado às cinco da manhã para buscá-lo, vestidos com uniforme de inverno sueco. Calça justa sobre ceroula de lã, botas até o joelho, blusa de tricô com gola rolê, tapa orelhas, óculos de neve, gorro russo de pele, um over-coat até o calcanhar, enfim, armas e munições para exterminar um exército de coelhos. E ele, coitado, com a roupinha de Minas: camisa de algodão, suéter e meias normais, sapatos comuns, luvas finas, enfim, um sério candidato a uma pneumonia tripla. Com pena, emprestaram-lhe uma capa, entregaram-lhe a carabina e se embrenharam no mato. Depois de um fôlego e um segundo cow-boy, considerou que tinha sido um péssimo programa, pois todos haviam se escondido numa moita - eram quatro -, onde ficaram aguardando os coelhos. Ele embrulhou-se na capa cobrindo até a cabeça, escondendo o rosto e as orelhas e sem enxergar nada, pois não tinha os óculos apropriados.
Uma tragédia! Com os pés e as mãos congelados, tremendo, fizeram um plantão durante umas duas horas - ele calculava -, pois havia perdido a noção do tempo. Disse ainda que, apoiado na espingarda enorme, dormiu e só acordou com um estrondo quando todos dispararam ao mesmo tempo. Havia aparecido um único exemplar do inocente pequeno mamífero leporídeo, que foi estraçalhado pelo tiroteio ao pé de uma árvore.
Havia acabado a caçada a – 45º. C.
Belo Horizonte, abril de 1980 e outubro de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Antes, todos os caminhos iam, hoje, todos os caminhos vêm. Mário Quintana

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

OS SÓSIAS

Parece que hoje, 20/10/2011, livrei-me de um sósia incômodo, há muito tempo citado por amigos - ou inimigos, não sei -, como de incrível semelhança física comigo, especialmente a partir de uma antiga capa da Veja, que exibia um close do ditador, assassino, torturador, tirano, o então presidente da Líbia, Muammar Al Kadafi. Parece que hoje ele se foi, para o bem da sofrida população Líbia. 
É um risco a menos nas minhas viagens internacionais, visto que, vestido como gente normal, estava sujeito a voltar a ser confundido com o extravagante títere africano e sofrer alguma represália ou atentado.
Por outro lado, fico somente com as lembranças de outros sósias ao longo da minha vida, que me deixaram feliz e envaidecido com semelhança mais descontraída, alegre e até elogiosa. Numa feita, em 1965, tomando sol na piscina de um hotel em Miami/Flórida, fui confundido com um príncipe árabe, de cujo nome não me lembro. Recebi um tratamento soberano, por garçons e toda a equipe de serviço do hotel, pois mantive a dúvida e a postura de monarca, comendo e bebendo do bom e do melhor, como um príncipe mesmo, despistado em viagem turística. 
Há um tempo, surgiu no universo internacional uma figura que até eu mesmo vejo alguma semelhança física: o grande tenor espanhol Plácido Domingo, que atua até hoje nos mais famosos palcos do mundo. Em diversas ocasiões e ambientes completamente díspares, fui confundido nessa semelhança.
Numa festa organizada para a da entrega do título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte ao meu amigo Dr. José Carlos Lassi Caldeira, há uns dez ou quinze anos, fui flertado, no saguão da Câmara Municipal, pela filha, a mãe e a tia de uma das famílias dos convidados. Fiquei tão intrigado pela “olhação” das três mulheres bonitas de idades variadas que, depois de algumas cervejas, resolvi pedir ajuda ao José Carlos para perguntar por que me olhavam tanto. Ao constatarem que eu não era quem elas pensavam, as três vieram a mim, desapontadas e uníssonas: “Desculpe-nos, mas você é a cara do tenor Plácido Domingo. Estávamos aguardando ansiosas a sua apresentação aqui hoje. Nós o adoramos.”  Tomei mais um copo de cerveja e fui embora.
Numa outra situação, parado num sinal, me encontro com um velho amigo que, puxando minha cabeça pra fora da janela do carro, falou: “Puxa, Roberto, como você está novo e bonito. E como você se parece com o Plácido Domingo!” Infelizmente, não pude retribuir a gentileza. Recentemente, numa comemoração de “bodas de diamante”, uma senhora bem velhinha, nonagenária talvez, se adiantou e me cumprimentou dizendo: “Gostei muito da sua atuação.” Dei um sorriso amarelo, agradeci, sem saber a que ela se referia.  Perguntei a uma convidada se a conhecia e se podia apurar sobre o entusiasmo da simpática senhora. Uma das anfitriãs da festa, que viu a manifestação daquela que era sua tia, foi logo chutando: “Ela deve ter te confundido com o Plácido Domingo” – e, levantando a taça de champagne, brindou comigo: “Muito bem, Plácido, a que horas você entra em cena?”   
Ainda no ano passado, numa festinha de família, uma concunhada me falou: “Roberto, minhas irmãs te acham muito parecido com o Marcelo Mastroianni, sempre elegante.” Esta semelhança já havia acontecido algumas vezes no passado, quando ambos éramos mais jovens. Aliás, tive uma namoradinha que me falava que, no inverno, eu ficava com a cara do super ator italiano. Especialmente, por causa da capa de gabardine.
Para mim, não podia ser melhor.
E o Felipe ainda me chama de Roberto Banderas. Será?
Belo Horizonte, 20 de outubro de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos a um elogio. Sigmund Freud


 

domingo, 16 de outubro de 2011




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Eis o primeiro revisor da Imprensa Oficial, vovô Pedrinho, passeando com os netos Lúcia e Roberto na
Av. Afonso Pena, em frente à Igreja de São José, em 1947.

A HISTÓRIA SE REPETE

De vez em quando, nestas crônicas, cito meu avô Pedro Jorge Brandão Júnior, figura importante na minha vida, visto que morei com ele durante curto período quando papai, mamãe e Lúcia foram morar em Ribeirão Preto, em 1963. Durante seis meses habitamos juntos a casa dele na Rua Piauí, 1972, bairro Cruzeiro, em Belo Horizonte.
Morávamos, ele, 65, meu tio Heraldo, uns 32 e eu, 21. Quase três gerações num ambiente confortável e feliz.
O Heraldo, curiosamente, criava pombos e bichos da seda. Desenhista de traço perfeito cuidava dos bichinhos e cumpria seu expediente de examinador aos aspirantes à Carteira Nacional de Habilitação no Departamento Estadual do Trânsito. Sobre o Heraldo, ainda, quero falar muito mais, porém, nesta crônica, vou comentar sobre uma tremenda coincidência com a minha vida de hoje e a do meu querido avô.
Num instante, tornei-me revisor dos textos da AUDI, auditoria da EPAMIG, onde trabalho. Pela sensibilidade do chefe Márcio Matos, que, atento observador, descobriu um colega, escritor iniciante, que poderia ajudar na padronização dos escritos daquele departamento. Atualmente, a maioria das grandes empresas vêm mantendo em seus quadros um profissional dessa especialidade para oferecer aos leitores de seus documentos uma leitura mais fluida e agradável de documentos muitas vezes pesados e, porque não dizer, de leitura difícil pelo conteúdo indispensável de seus textos.
Coincidentemente, na década de 1930, meu avô Pedrinho, foi o primeiro revisor da Imprensa Oficial de Minas Gerais, emprego que atendia das oito da noite às quatro da madrugada, conferindo os textos do Diário Oficial, leitura enfadonha e cansativa de leis, decretos, portarias e circulares emitidas pelo Governo.
Tudo para compor uma renda suficiente para manter e alimentar uma prole de oito filhos, numa jornada que começava às sete da manhã nos Correios, como eles falavam.
São as voltas que a vida dá. Aliás, tenho feito revisões ao longo de toda minha vida, como diretor da Randrade e da Promar, agências de propaganda, onde não só criava os textos como também os copidescava para não passar nenhuma falha.
Digo isto porque, nesta nova função, muito me orgulho do trabalho a ser feito com prazer e desenvoltura, num ambiente francamente agradável com meus amigos da AUDI.
Muito obrigado, Márcio. Vamos em frente!
BH, outubro de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
"Mal por mal, é melhor ter o de Alzheimer que o de Parkinson, pois é melhor
esquecer de pagar a cerveja do que derramar tudo no chão."
Anônimo

domingo, 9 de outubro de 2011

SARAIVADA DE POMBOS


Da varanda de um apartamento na Avenida Raja Gabaglia, num feriado de aniversário da apelidada Cidade Jardim, assisti a um espetáculo grandioso. E, não sei por que, naquela hora lembrei-me de certo Presidente da República que talvez dissesse estar vendo uma saraivada de pombos, ao entardecer.
Os pombos voavam em formação sobre casas e árvores floridas naquele recanto da cidade, que continua mais verde do que nunca, apesar dos radicais ambientalistas dizerem que não.
A saraivada subia e descia sobre os centenários fícus australianos que, ao longo do tempo, pareciam não ter perdido uma só folha, de tão exuberantes. Quaresmeiras e flamboyants floridos também compunham o maravilhoso sítio para o voo sincopado dos pássaros. Era uma cena única, tendo ao fundo a majestosa Serra do Curral, perfeitamente delineada como um gigante protetor dos felizes moradores do lugar.
Fascinado pela revoada, notei que os pombos voavam como numa esquadrilha, seguindo seu chefe. Começavam o exercício aéreo bem no alto, flechados num trajeto que quase sempre era o mesmo. Subiam bastante e davam rasantes sobre os telhados e árvores, como se buscassem um refúgio para a noite. Alguns dos ases se acomodando a cada mergulho. Na subida seguinte, outros sumiam, repentinamente. Não estavam mais na formação. Deviam ser os que já tinham encontrado um pouso seguro. Percebi um pequeno grupo continuara voando, voando, sem lugar para pousar. Aí, pensei: devem ser os do movimento dos sem árvore, conhecido como MSA. E eles voaram, voaram até desaparecer na escuridão da noite. 
Belo Horizonte, agosto de 2004.

Cenas como aquela me fizeram pensar na beleza de Belo Horizonte, no seu clima agradável com a leve brisa no final do dia, depois de uma chuvinha fria e refrescante. Para mim, então, o lugar ideal para se viver! Naquela minha visão de 2004, talvez fosse muito inocente somente descrever a paisagem.
Hoje, já pensamos com uma consciência muito mais objetiva sobre o meio ambiente e sua conservação. A chuvinha de anteontem ainda não conseguiu trazer de volta o emocionante verde belo-horizontino: constatação deste sábado, neste outubro de 2011, ainda há pouco na mesma varanda da casa do Zuza. Ele me esclareceu, com seus conhecimentos de piloto interrompido, que só o vento sul traz chuva boa e o de agora é vento leste.  Nada de chuva pra hoje. Pobres de nós!
Apesar de tudo, BH continua sendo a minha preferida para viver.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Ao contrário dos maridos, os cavalos gostam de voltar para casa. (R.Manso Neto)

domingo, 2 de outubro de 2011

BONS TEMPOS AQUELES ( II )



Ainda sobre a Coordenação de Crédito Rural, nossa conhecida de crônicas anteriores, lembro-me do Roberto Carlos de Paiva Carvalho, que só me tratava de xará. Uma figura excêntrica que, com uma certa falta de controle emocional, nos brindava com diversos perdigotos numa conversa mais próxima e  não passava por uma cadeira sem dar uma tropeçada. Na verdade, era um pouco estabanado, mas era um grande amigo e tinha um coração de ouro. Na origem de uma família de grandes latifundiários e sem nenhuma propensão à vida no campo, fez o Curso de Economia e se estabeleceu na Capital. O Robertão, como o chamávamos, estava sempre de paletó, mas não era considerado muito cuidadoso com a roupa, como nós outros, colegas da Coordenação. Com a gravata sempre folgada e meio torta sobre a barriga exposta pela camisa aberta e mal abotoada, os paletós um pouco amarrotados, sapatos desamarrados e calças e meias sem combinar muito, discutia com o Lourenço, quase que diariamente, sobre a vida folgada do colega que, aos domingos, comparecia às piscinas do Iate Clube com a namorada, apelidada de “boneca”.
Nunca entendi a origem da implicância dele com o Lourenço Menicucci, outro figuraça e nem a contratação daquele dentista. De família de italianos ricos do Sul de Minas, havia se mudado de Lavras para Belo Horizonte para estudar Odontologia e acabou trabalhando na Coordenação, um dentista com ares de psicólogo. Alto, bonitão, olhos verdes e uma conversa pra boi dormir realmente eficiente.
Já o José Roberto Martins, meio pária naquela relação de jovens bonitinhos e promissores, foi logo apelidado de “barango”, pelo Maurício.  Nós sabíamos que era também pela falta de cuidado com a vestimenta e o desleixo consigo próprio. Ele saiu da Coordenação para trilhar caminhos mais promissores na profissão de economista e deve ter dado certo. Era muito competente e dedicado.
O Cláudio Luiz de Paula de Carvalho, já pelo próprio nome, talvez a pessoa mais prolixa que já conheci, também economista, tinha planos maiores. Talvez mudar-se do Brasil para um lugar onde pudesse se esconder do mundo. Soube que aposentou-se e foi  morar em Paris e acho que por lá ficou. Nunca mais o vi. 
E o Raul Octávio Amaral do Valle, óculos grossos, autêntico intelectual, também dedicado às ciências econômicas era radical e não se misturava nas nossas farras de muita cerveja e muita música. Era um introspectivo! Chegava pontualmente, ria discretamente das nossas conversas e saía sem muita prosa. Ele não se misturava conosco.
O Maurício Moreira, se recebesse um apelido seria de “o sorriso”, pois não me lembro de vê-lo aborrecido ou reclamando de alguma coisa. Estava sempre sorrindo! God bless him.
Já a área jurídica, era composta por um poeta e um músico, absolutamente frustrados nas suas aptidões e dedicados a pareceres de alto valor teórico. O Aloísio Ferreira Filho ainda entendia um pouco a prática forense, herdada do pai, advogado bem sucedido em Visconde do Rio Branco e eu, o outro jurista, só queria cantar e compor em longas noitadas no Maletta.
Uma vez nos metemos a fazer uma música para o I Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, a realizar-se no final do ano. Perguntei ao Aló: Alguma poesia escondida ou pronta pra sair do forno? Ele falou que tinha um tema interessante, que era a comparação do curso de um rio com a própria vida, bem filosófico que, com uma melodia também fluida, talvez ficasse bom. Naquela época estavam em moda esses temas filosóficos. Vejam só as concorrentes: a belíssima canção do Fernando Brant e do Bituca, Travessia, e as não menos lindas, Arrastão, do Edu Lobo e Vinícius de Morais, e Sabiá, do Tom Jobim e do Chico, para citar apenas algumas.
Trabalhamos muitas horas no tema sugerido: eu compondo a melodia e o Aloísio, a letra. Classificados para a primeira etapa do concurso, viajamos para Juiz de Fora, palco decisivo para escolher as melhores de Minas. Abastecemos nossos respectivos Volks e Gordinis e nos mandamos para a Manchester Mineira onde, em tese, eu cantaria e meus cunhados, o José Carlos e o Célio, me acompanhariam nos violões. Bem ensaiados, nos apresentamos para a grande noite, mas fui surpreendido pelo organizador do concurso, o escritor/promotor de eventos, André Carvalho, que não permitiu que eu cantasse. Dizia ele que, pelo fato de eu não ser cantor profissional, devia dar chance para um novo cantor, que precisava lançar-se no mercado fonográfico e aquela seria a grande oportunidade dele. Se a música vencesse a parte mineira, ele a apresentaria no Maracanãzinho e daí para a glória seria um passo. O rapaz devia ser uma cria dele. Humildemente, cedi meu posto para o candidato sem ensaios, que desafinava um pouco  e era meio “esquisito”. Acabou afundando com o nosso sonho de compositores. Perdemos na classificação geral e voltamos frustrados para Belo Horizonte a fim de continuar nossa rotina de assessores jurídicos da Coordenação de Crédito Rural. Nossa carreira está interrompida até hoje, mas, carinhosamente, ganhei dos colegas da Coordenação, o apelido de “pinho-brandão”, devido à minha intimidade com o violão. Valeu, colegas!
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Perdoe seus inimigos, mas não esqueça os seus nomes. John F. Kennedy
Forgive your enemies but never forget their names.

domingo, 25 de setembro de 2011

O PAPA E EU


Um grupo de pseudo-intelectuais dos anos 1960 em Belo Horizonte, eu incluído, combinamos de assistir ao filme Veridiana, do fabuloso Luis Buñuel e, depois de todos assistidos, nos reunirmos para os comentários num bar chamado Porão, numa velha casa tombada da Av. João Pinheiro.
Esta casa, aliás, havia sido a moradia de uma parenta do papai que chamavam de vovó
Petronília, que não conheci. O sugestivo nome do rústico bar justificava-se porque fora montado no porão da casa, que ficava ao rés da rua. Era um porão alto, de porta pesada de madeira. Está lá até hoje onde funciona uma clínica de fisioterapia.
Cerveja farta e conversa solta, passamos a discutir o filme, cada um com uma interpretação mais esdrúxula e o Luís, professor de cinema no Curso Comunicação da UFMG, era o moderador/coordenador dos debates.
Particularmente, eu estava muito confuso pois, recentemente, havia começado a
freqüentar as missas da igreja católica, por influência do meu namoro com a Carminha.
Aos domingos toda a família dela ia à missa na capela do Colégio Loyola e eu também embarquei nessa. Não largava a namorada por nada!
No entanto, minha formação religiosa pregressa havia passado por fases absolutamente distintas e variadas. Mamãe me contou que fui batizado na igreja e a partir dali, nunca mais havia frequentado qualquer igreja mas havia sido induzido a fazer  minha primeira comunhão em São Paulo, por costume da época.
Logo depois, nos mudamos para Belo Horizonte onde fui morar com um tio solteirão, espírita praticante, onde toda quarta-feira participava dos cultos inclusive cantando os “pontos” dos espíritos que baixavam nas sessões lá em casa. Para quem não sabe, os “pontos” são as músicas dos espíritos que, cantadas pelos presentes, atraem as almas para virem baixar nas sessões espíritas. E atraem mesmo. Lembro-me de que numa das sessões cantamos o ponto de um espírito, o índio Guarani, que baixou e falou que era meu protetor. Perguntou se eu tinha algum pedido a fazer e respondi que queria que ele acompanhasse a mamãe, que estava viajando sozinha naquele dia para  os Estados Unidos. Acreditem! Uma semana depois ele voltou à sessão e contou que o avião da mamãe, um Douglas DC-6, havia parado um dos motores, em cima do Mar do Caribe e ele o havia segurado até fazerem um pouso de emergência em Trinidad&Tobago, mudando o curso que era para Miami.
Mamãe confirmou por carta o episódio, um mês depois. Naquele tempo, este era o tempo dos Correios para as correspondências internacionais.
E mais este acontecimento favoreceu minha confusão religiosa.
Voltando ao Porão, confuso com a ideia da existência de Deus y otras cositas,
resolvi escrever para Sua Santidade para obter uns esclarecimentos. E assim fiz, com a absoluta perplexidade dos companheiros de mesa.
No dia seguinte, coloquei no Correio uma carta com o seguinte destinatário:
Vossa Reverendíssima Papa João Paulo II
VATICANO II - Itália.
Algum tempo depois recebi, também por carta, uma resposta, através do Bispo Dom João de Araújo Costa, que me informou que o Santo Padre havia recebido minha singela missiva e que me recomendava a leitura dos anais do Concílio Vaticano II, à disposição na biblioteca da Capela Sistina.


Lógico que lá estive, no entanto, em Latim, não consegui entender as respostas
às minhas dúvidas religiosas que persistem até hoje.
Belo Horizonte, 1º. De setembro de 2011.


FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Julgue um homem pelas suas perguntas, não pelas suas respostas.Voltaire

sábado, 17 de setembro de 2011

BONS TEMPOS AQUELES

 Numa análise rápida, acho que todos nós conseguimos lembrar e detectar os melhores períodos de nossas vidas e ir qualificando-os ou como o mais feliz ou o mais proveitoso, ou mesmo o mais alegre. Nem sempre esses adjetivos se agrupam. Posso assim, qualificar um período onde um pequeno grupo de pessoas com formações e personalidades totalmente ecléticas reuniu-se numa autarquia chamada Coordenação de Crédito Rural de Minas Gerais, em Belo Horizonte, sob o comando seguro e competente de um nome respeitadíssimo no setor público nacional, na área da administração e do crédito agrícola, o do Dr. João Napoleão Berthelot de Andrade. Que figuraça! Com nome tão pomposo - escolhido pelo pai farmacêutico, em homenagem ao grande químico, aos poucos -, ele foi convidando pessoas para comporem o quadro de funcionários da autarquia, todos jovens e ávidos para iniciar uma carreira de sucesso na vida. A equipe ficou formada por oito profissionais, em ordem cronológica: Robertão, José Roberto, Raul, Lourenço, Cláudio, Aloísio, Roberto e Maurício.
Vou registrar neste blog diversas das nossas atuações e aventuras, mostrando a personalidade de cada um, como as entendo, contando algum fato pitoresco ligado à figura do retratado, começando pelo mais moço: o Maurício Moreira. Ele, que infelizmente foi embora muito cedo, talvez tenha sido o cara mais vaidoso que conheci. E eu entendo deste assunto, pois também sou vaidoso à beça. A concorrência era brava entre nós.
Trabalhávamos num prédio recém-inaugurado na Avenida João Pinheiro, muito bem construído, com acabamentos finos e vários espelhos na decoração modernosa.  Uma glória para os vaidosos. Em todos os espelhos do prédio, o Maurício dava uma olhada e arrumava o cabelo. Assim, na entrada, já toda espelhada, olhava para a esquerda e ajeitava o cabelo; para direita, outra ajeitada, de frente no espelho da coluna arrumava a camisa e a gravata e, no elevador, dava o arremate final até chegar ao sétimo andar. Uma peça rara! Sempre muito bem vestido, com camisas e gravatas importadas, mas sem um oficial de costura fixo.
Assim, um amigo meu, da turma dos meus cunhados, me apresentou a um alfaiate, pois estava querendo fazer umas calças e, recentemente mudado de São Paulo, eu não conhecia ninguém que pudesse me atender. E o meu amigo, o Marcelo Klysh, me apresentou para aquele que viria a ser conhecido como o melhor alfaiate da cidade, até hoje, o inteligentíssimo e muito bem humorado Hermano. Ele trabalhava, então, numa pequena sala do Edifício Helena Passig, na Praça Sete, onde cortava e costurava seus panos com maestria.
Num determinado dia, apresentei o Hermano para o Maurício, que estava interessado em fazer uns ternos com tecidos que havia trazido de Londres, durante viagem com os colegas de formatura da Faculdade de Ciências Econômicas. Ali mesmo, no modesto atelier e na minha presença, o Hermano tirou as medidas do Maurício, que detalhou minuciosamente como queria os ternos, as costuras, os botões, pregas, etc. Aproveitei para deixar no atelier uns paninhos - nacionais mesmo -, para as minhas calças e, alguns dias depois, num sábado de manhã, fui buscá-las e notei certo desarranjo no atelier do Hermano. Disse ele que estava terminando vários ternos para pessoas da alta sociedade mineira, para uma festa à noite, no Automóvel Clube, promovida pelo colunista social do Estado de Minas, Eduardo Cury.
A festa era o Showçaite, palavra montada que significava um show apresentado e estrelado por figuras da high-society belo-horizontina. E, naquele turbilhão de corre pra cá, corre pra lá do Hermano, notei que diversos cortes de tecidos estavam espalhados pelo chão e ele e os oficiais de costura sapateando em cima das peças, no afã de dar conta do recado para a celebrada festa. No chão, vi os cortes do Maurício e falei pro mestre alfaiate: Tome cuidado, Hermano, que o chão está cheio de panos finos e caros e vocês vão acabar sujando e amarrotando tudo. Quando ele reparou a bagunça e viu os cortes do Maurício no meio dela, ficou pálido. Esbugalhado, deu um pulo pra trás e orientou os costureiros para que não saíssem dos seus lugares, enquanto ele não acabasse de recolher a panaria. E fechou, dizendo: Minha Nossa Senhora! Se o Maurício chega aqui e vê os cortes dele no chão, ele me esgana!
Recolhida a tralha, nos sentamos, tomamos um café frio e começamos a rir da bagunça. O Hermano, perdendo o controle, soltou aquela risada típica dele, tão contagiante que contagiou todos os ocupantes dos andares acima e abaixo do dele, para um hilariante congraçamento.
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A gente não faz amigos, reconhece-os. Vinícius de Morais