Uma cena interessante é a que você observa do alto de um prédio, num dia de chuva,
quando todos passam a ser guarda-chuvas.
Somem os velhos, as crianças, as moças bonitas, os mendigos, os super-poderosos, somem todos e viram meros guarda-chuvas.
Um artista/pintor, um Claude Monet, quiçás, poderia registrar um acontecimento insólito: a humanidade virando guarda-chuvas. Outro dia, fiquei na varandinha conversando com o vizinho que me falou que estava esperando a namorada dele passar e me deparei com diversos deles, uns negros, outros bem coloridos - a moda já permite até florais e unicolores fortes, vermelhos, azuis, verde escuros e cor de abacate - numa miscelânia de movimentos e cores interessantíssima, comentamos.
Quando um, tão maduro quanto amarelo, atravessou a rua correndo, parecia uma bola de basquete, quicando no asfalto duro, num sobe e desce do movimento do braço de quem o segurava para atingir nada, somente, o seguro passeio do outro lado. Já outro, mais recatado e conservador, preto e grande, descia pelo passeio debaixo das árvores, num caminho reto e imperturbável em direção à portaria do prédio, com certeza onde morava, pois lá sumiu. No meio da rua, dois tagarelavam, um verde outro vermelho, em passo cadenciado, sem medo da chuvinha fria. O papo ajuda muito a esquecer da chuva
pois distrai. Um médio, azul e amarrotado numa das varetas quebradas, subia compassadamente num passo militar com direção certa para a Praça da Liberdade. Com certeza, algum compromisso pré-acertado.
E a chuva não dava trégua. Engrossou e começou a formar uma correnteza na linha do meio-fio. Difícil de atravessar sem galocha.
E a namorada dele não aparecia. Devia estar escondida na entrada do prédio, debaixo da marquise, coitadinha. A noite corria solta e nada de ela aparecer. Ele contou-me que insistiu para que ela aceitasse o convite para dormir ali com ele, mas ela alegou que não tinha trazido a camisolinha e não gostava de dormir semi-nua. Uma bobagem. Pudores interioranos.
Mais um preto, bem grande, devia ser de um dos moradores do super prédio acima do meu, que vejo de frente. Um luxo de prédio, salas enormes, quartos exuberantes, que meço pela extensão das janelas. E o prédio fica escorado sobre colunas metalizadas que dão a impressão de uma bela morada de comendadores e duques. Um guarda-chuvas pequeno, meio marrom, coisa de criança, descia devagar, quase contando os passos. Entrou no prédio vizinho ao meu, do lado de cá da rua.
Aí, aparece a “Margarida”, com uma sombrinha bege. Ainda existem sombrinhas... E ela se dirige para o outro lado da rua a fim de pegar seu carro. A sombrinha, como tudo nela, combina com a roupa do dia. Ela estava com uma calça comprida, também bege, uma blusa branca e um lenço avermelhado no pescoço. O lenço tinha tons de preto, bege também e com predominância dos vermelhos. Muito chique sua namorada, falei com ele. Ah! E o sapatinho dela, também era bege. Que luxo!
Fiquei muito curioso. Ela é sempre elegante assim? Já a vi algumas vezes por aqui e agora, vou reparar se, nos próximos dias de chuva, ela comparece com outras sombrinhas combinando com a toalete. Parece pessoa distinta, educação de primeira. Um dengo! Como dizem os baianos. Um denguinho ensopado. Que delícia! Vou parando por aqui, porque, se não, meu vizinho vai pensar alguma besteira e me atirar lá em baixo. Ciao bella.
Roberto Hermeto Brandão – 22/11/2010

domingo, 27 de fevereiro de 2011
sábado, 19 de fevereiro de 2011
CARNAVAL EM SANTOS - 1954
Um outro cheiro forte e marcante que ficou para sempre na minha memória, foi o do estofamento de couro do Chevrolet 1954, conversível, verde, pintura metálica, do Dr. Renato, pai do Zezé e do Ná. Cançados de subir e descer a rua Augusta, resolvemos estrear com o carrão à beira-mar. Em São Paulo ele não faria o mesmo sucesso que fez em Santos, durante o Carnaval.
Alugamos um apartamento de frente pro mar e descemos a Via Anchieta, na época muito insipiente, para uma farra de arromba. Pelo menos, era o que nós achávamos. Saímos sem qualquer fantasia, pois o que queríamos era nos mostrar mesmo: Olhem, este carrão é nosso, viu? Deixamos as mochilas no apê e nos mandamos para o corso. Arriamos a capota e entramos na avenida à beira-mar, que não me lembro do nome, acho que é Praia do José Menino. Quatro gaviões paulistas: Zezé ao volante, Brandão ao lado, Renato Magro e Ná no banco de trás. E, com certeza, diversos engradados de cervejas no porta-malas. Geladas na primeira meia-hora, depois...
Usávamos, eu e o Zezé, camisas de manga bem curtinha, pois estávamos levantando uns pesos na casa dele, toda manhã, e achávamos que estávamos uns touros. O que ajudava era colocar os bíceps na porta do Chevrolet, o que aumentava a medida do músculo, que apertávamos para mostrar a musculatura. Renato Magro atrás, braços fininhos, sempre cobertos por um surrado paletó preto e o Ná, mais novo e levado, dando palpite sem parar. E o Carnaval foi esquentando. O Chevrolet foi arregimentando um verdadeiro batalhão de gatinhas santistas, o que dava um status enorme aos paulistanos. A música não sei de onde vinha, na época não existiam trios elétricos nem nada, acho que era no grito mesmo. Começamos a pular, muito exibidos, dentro, em cima e por todo do carrão, provocando um verdadeiro estrago no Chevrolet. Se fosse hoje, diria que o carrão era o bloco do abre-alas. Vinha todo mundo atrás.
E nessa farra, rasgamos a capota verde escura, novinha, amassamos o capô e o porta-malas, os outros foliões ciumentos queimaram a pintura do carro, enfim, foi um desastre, quase destruímos o carro do Dr. Renato.
Voltamos ressabiados pra São Paulo com a destruição do carro e morrendo de medo das nossas namoradas. O Zezé da Marília, eu da Eliana, irmã dela e o Renato da Salete, vizinha e amiga das duas. O Ná, livre como um pássaro, morrendo de rir.
Naquele Carnaval de 1954, tinham lançado o lança-perfume Rodouro, que povoou nossa vida de sonhos e fantasias durante muito tempo, tornando-se indispensável em todos os carnavais seguintes, até ser proibido pelo radical presidente Jânio Quadros. Dali pra frente e, clandestinamente, em todas as festinhas mais quentes, o Rodouro apagava as lembranças ruins e atiçava as boas, tornando-as ainda melhores. Fomos a diversas festas carnavalescas com o Rodouro nos bolsos. Ele era nosso estimulante, também, nas festas de formatura.
Mas, isto é uma outra história, que fica para a próxima vez.
Alugamos um apartamento de frente pro mar e descemos a Via Anchieta, na época muito insipiente, para uma farra de arromba. Pelo menos, era o que nós achávamos. Saímos sem qualquer fantasia, pois o que queríamos era nos mostrar mesmo: Olhem, este carrão é nosso, viu? Deixamos as mochilas no apê e nos mandamos para o corso. Arriamos a capota e entramos na avenida à beira-mar, que não me lembro do nome, acho que é Praia do José Menino. Quatro gaviões paulistas: Zezé ao volante, Brandão ao lado, Renato Magro e Ná no banco de trás. E, com certeza, diversos engradados de cervejas no porta-malas. Geladas na primeira meia-hora, depois...
Usávamos, eu e o Zezé, camisas de manga bem curtinha, pois estávamos levantando uns pesos na casa dele, toda manhã, e achávamos que estávamos uns touros. O que ajudava era colocar os bíceps na porta do Chevrolet, o que aumentava a medida do músculo, que apertávamos para mostrar a musculatura. Renato Magro atrás, braços fininhos, sempre cobertos por um surrado paletó preto e o Ná, mais novo e levado, dando palpite sem parar. E o Carnaval foi esquentando. O Chevrolet foi arregimentando um verdadeiro batalhão de gatinhas santistas, o que dava um status enorme aos paulistanos. A música não sei de onde vinha, na época não existiam trios elétricos nem nada, acho que era no grito mesmo. Começamos a pular, muito exibidos, dentro, em cima e por todo do carrão, provocando um verdadeiro estrago no Chevrolet. Se fosse hoje, diria que o carrão era o bloco do abre-alas. Vinha todo mundo atrás.
E nessa farra, rasgamos a capota verde escura, novinha, amassamos o capô e o porta-malas, os outros foliões ciumentos queimaram a pintura do carro, enfim, foi um desastre, quase destruímos o carro do Dr. Renato.
Voltamos ressabiados pra São Paulo com a destruição do carro e morrendo de medo das nossas namoradas. O Zezé da Marília, eu da Eliana, irmã dela e o Renato da Salete, vizinha e amiga das duas. O Ná, livre como um pássaro, morrendo de rir.
Naquele Carnaval de 1954, tinham lançado o lança-perfume Rodouro, que povoou nossa vida de sonhos e fantasias durante muito tempo, tornando-se indispensável em todos os carnavais seguintes, até ser proibido pelo radical presidente Jânio Quadros. Dali pra frente e, clandestinamente, em todas as festinhas mais quentes, o Rodouro apagava as lembranças ruins e atiçava as boas, tornando-as ainda melhores. Fomos a diversas festas carnavalescas com o Rodouro nos bolsos. Ele era nosso estimulante, também, nas festas de formatura.
Mas, isto é uma outra história, que fica para a próxima vez.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
LINGUAGEM DOS PÁSSAROS
Outro dia, acordei com vontade de conversar. Mas, conversar muito, trocar ideias e confidências. Falar sem parar. Tentei com as paredes, pois, dizem, que elas falam. Nenhuma resposta as minhas indagações.
Tentei entabular uma conversa com um passageiro do elevador, quando fui buscar o jornal. Nada mais do que bom-dia e até logo. O porteiro, Sr. Marcos, só me cumprimentou e passou o jornal, sem qualquer interesse em conversa. Nem olhou pra mim. As faxineiras do prédio, muito simpáticas olham e não pronunciam uma palavra. Estão sempre muito ocupadas e mantém o prédio um brinco. Falei até com o síndico, o Ademar, sobre a dedicação e o cuidado de todos os empregados. É incrível, como ele me disse, que o Ed. Liberty seja um exemplo e motivação para que outros condomínios tenham como exemplo as mesmas rotinas de manutenção adotadas pelo prédio.
Legal, mas, continuo sem interlocutor.
Tentei uma volta na rua, na praça da Liberdade, cheia de gente que não quer conversar, só andar, correr ou ficar contemplando a natureza exuberante completada com fontes,
um coreto lindo e uma alameda lendária cheia de histórias como a que a tia Marina me contou outro dia.
Disse que ela e a mamãe iam para a praça, aos domingos à tarde, para fazer o footing.
Passeio das meninas e meninos na década de 1930, para conhecer, flertar e buscar um namorado/a para um futuro casamento. E lá, conheceu o papai, homem bonito, novinho em folha e solteiro. O bom-partido ideal. Mal sabia ela!
Começaram a namorar, nem sei se a palavra é esta, mas, começaram a se encontrar e ela o levou para conhecer seus pais, vovó Augusta e vovô Manoel, na rua Bernardo Guimarães, 305, onde tudo começou, também, para mim. Ela vinha de uma briguinha com o Nelsinho, meu futuro tio querido, exímio violonista e companheiro do Noel Rosa nas noitadas boêmias de muita cachaça e boa música na insipiente farra belorizontina.
O namoro durou pouco, pois, o tio Nelsinho voltou e o papai já estava interessado, mesmo, era na Lia, irmã da Marina e minha mãe. Discreta, pernas bem torneadas e um charme irresistível, que os acompanhava como vela nos encontros caseiros ou nas matinês do Cine Glória aos domingos. Foi um amor arrebatador! Decidiram se casar rápido e coincidentemente, no mesmo mês da tia Marina e do tio Nelsinho. Diferença de um ou dois dias.
E neste domingo vazio, eu continuava sem ninguém pra conversar. Nem os meninos nem a Iarinha, meu doce de coco, me ligaram.
Resolvi, então, puxar assunto com o Papagueno, um canário belga que me acompanha há muitos anos. Olhei-o fixamente e perguntei: Você está gostando daqui? Do tratamento que estou lhe dando? Das comidas que estou lhe servindo: jiló, mistura e maçã?
Ele me olhou fixamente e levantou as asas. Sempre fixado em mim.
Será que aquilo representaria uma vontade de voar, de ir embora? Ou seria a maneira dos pássaros dizerem que estão felizes?
Aí, me olhou de novo e disparou a cantar.
Roberto H. Brandão – 25/10/2009
Tentei entabular uma conversa com um passageiro do elevador, quando fui buscar o jornal. Nada mais do que bom-dia e até logo. O porteiro, Sr. Marcos, só me cumprimentou e passou o jornal, sem qualquer interesse em conversa. Nem olhou pra mim. As faxineiras do prédio, muito simpáticas olham e não pronunciam uma palavra. Estão sempre muito ocupadas e mantém o prédio um brinco. Falei até com o síndico, o Ademar, sobre a dedicação e o cuidado de todos os empregados. É incrível, como ele me disse, que o Ed. Liberty seja um exemplo e motivação para que outros condomínios tenham como exemplo as mesmas rotinas de manutenção adotadas pelo prédio.
Legal, mas, continuo sem interlocutor.
Tentei uma volta na rua, na praça da Liberdade, cheia de gente que não quer conversar, só andar, correr ou ficar contemplando a natureza exuberante completada com fontes,
um coreto lindo e uma alameda lendária cheia de histórias como a que a tia Marina me contou outro dia.
Disse que ela e a mamãe iam para a praça, aos domingos à tarde, para fazer o footing.
Passeio das meninas e meninos na década de 1930, para conhecer, flertar e buscar um namorado/a para um futuro casamento. E lá, conheceu o papai, homem bonito, novinho em folha e solteiro. O bom-partido ideal. Mal sabia ela!
Começaram a namorar, nem sei se a palavra é esta, mas, começaram a se encontrar e ela o levou para conhecer seus pais, vovó Augusta e vovô Manoel, na rua Bernardo Guimarães, 305, onde tudo começou, também, para mim. Ela vinha de uma briguinha com o Nelsinho, meu futuro tio querido, exímio violonista e companheiro do Noel Rosa nas noitadas boêmias de muita cachaça e boa música na insipiente farra belorizontina.
O namoro durou pouco, pois, o tio Nelsinho voltou e o papai já estava interessado, mesmo, era na Lia, irmã da Marina e minha mãe. Discreta, pernas bem torneadas e um charme irresistível, que os acompanhava como vela nos encontros caseiros ou nas matinês do Cine Glória aos domingos. Foi um amor arrebatador! Decidiram se casar rápido e coincidentemente, no mesmo mês da tia Marina e do tio Nelsinho. Diferença de um ou dois dias.
E neste domingo vazio, eu continuava sem ninguém pra conversar. Nem os meninos nem a Iarinha, meu doce de coco, me ligaram.
Resolvi, então, puxar assunto com o Papagueno, um canário belga que me acompanha há muitos anos. Olhei-o fixamente e perguntei: Você está gostando daqui? Do tratamento que estou lhe dando? Das comidas que estou lhe servindo: jiló, mistura e maçã?
Ele me olhou fixamente e levantou as asas. Sempre fixado em mim.
Será que aquilo representaria uma vontade de voar, de ir embora? Ou seria a maneira dos pássaros dizerem que estão felizes?
Aí, me olhou de novo e disparou a cantar.
Roberto H. Brandão – 25/10/2009
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
A VIA LÁCTEA NO CARIBE
De Miami até Puerto Plata, levamos umas seis horas de vôo, com uma escala em Santo Domingo.
A República Dominicana é uma ilha caribenha que se destaca pela simpatia do seu povo e pelo amor ao ritmo local: o Merengue. Por todo lugar e a qualquer hora, o Merengue está no ar, por isto considerada o maior culto “menrenguero” do Caribe. Comprei um LP do July Mateo, líder nas paradas da época, com a.música Oye! Sensacional.
Puerto Plata é de uma simplicidade total. Praias pequenas e bonitinhas e numa delas, sentamo-nos, Gilda e eu, sob um Almendrón, uma castanheira secular imensa, daí o aumentativo, para beber uma cerveja e conversar sobre a vida. Sempre a vida e a cerveja! Minhas companheiras inseparáveis e, no caso, mais a Gilda e um cinzeiro de barro, pois fumávamos muito.
Nosso grupo foi instalado num acampamento onde morava uma equipe de técnicos agrícolas, assistentes e orientadores sociais para a execução e acompanhamento de um miniprojeto agrícola chamado Plan Sierra. Para nós, numa estada de três dias, iríamos conhecer um sistema autossustentável de vida para pequenos agricultores, comandado pelo Licenciado Dr. Blas Santos.
É muito interessante. As minúsculas propriedades estão instaladas num alto de morro, com uma pequena horta de
sobrevivência: alface, cenoura, beterraba, batatas e pimentas, um galinheiro no quintal, onde convivem galos, galinhas, cachorros e gatos e, de lá, corre uma aguinha, morro abaixo, que carrega os excrementos dos bichos, até um minúsculo lago onde habitam patos, gansos e outros afins que também fazem suas necessidades na água que, de lá, vão desembocar num chiqueiro, para alegria e vida dos porcos. Todos gordinhos, bem nutridos e fétidos, como em todo chiqueiro. São diversas famílias de sem-terra vivendo nessas condições e plenamente satisfeitas com a solução oferecida pelo governo. É uma mini-mini-minirreforma agrária.
Mas, acima disso, aliás, bem acima, naquela noite, corria uma das maiores belezas do universo: a deslumbrante.Via-Láctea.
Dizem que a melhor visão da Via-Láctea é no Caribe, depois da meia-noite num acampamento sem luz e em noite de céu claro. Para sorte minha, ainda havia lá um violão, que alguém tinha esquecido ou que talvez ficasse lá de plantão para ser oferecido a um candidato a encantar mais a bela noite, sem trocadilho! What a night, como diria o Simon!
A única dificuldade é que as cervejas ficavam bem longe. Um voluntário tinha que quebrar o torpor da noite encantada e andar uns cinquenta metros morro abaixo até a cantina do alojamento, acordar o servente quase aos berros, e pedir, por Diós, pelo amor de Deus, by God, que nos vendesse algumas. Depois do terceiro ou quarto pedinte ele decidiu ficar de prontidão para os próximos, que aconteceram até o raiar do dia.
Voltando à Via Láctea, só havia tido uma visão semelhante numa noite de lua cheia em Santa Luzia, na fazenda Boa Esperança, e que também foi acompanhada pelo meu violão.
Num determinado momento começamos a ver objetos se deslocando no espaço infinito e os palpites foram ecoando no deslumbramento da noite: “São aviões. No planes, you fool, at that high? São discos voadores. Estás loco? Son pequeños cometas. Acho que são satélites artificiais ou estrelas cadentes. They’re ghosts in the night. Tem razão, são fantasmas da noite, como espíritos vagueando no espaço. Bobagem, isto tudo é fruto do nosso encantamento e imaginação. Creo que es solo, el amor de nosotros que vuela en el espacio. It’s the life in the future. Que nada, no céu o que a gente vê é a vida que passou! We’re just drunkers seeing more than stars. Tá certo, tá todo mundo é bêbado mesmo, vendo estrelas. Es Marte, seguro. No it’s Saturn with the rings. Que nada, seus bobos é a estrela Dalva que no céu desponta.”
E a noite foi acontecendo cheia de suposições, músicas de todos os gêneros e nacionalidades. Era a vida em sua plenitude, no Caribe. Gracias a La vida!
A República Dominicana é uma ilha caribenha que se destaca pela simpatia do seu povo e pelo amor ao ritmo local: o Merengue. Por todo lugar e a qualquer hora, o Merengue está no ar, por isto considerada o maior culto “menrenguero” do Caribe. Comprei um LP do July Mateo, líder nas paradas da época, com a.música Oye! Sensacional.
Puerto Plata é de uma simplicidade total. Praias pequenas e bonitinhas e numa delas, sentamo-nos, Gilda e eu, sob um Almendrón, uma castanheira secular imensa, daí o aumentativo, para beber uma cerveja e conversar sobre a vida. Sempre a vida e a cerveja! Minhas companheiras inseparáveis e, no caso, mais a Gilda e um cinzeiro de barro, pois fumávamos muito.
Nosso grupo foi instalado num acampamento onde morava uma equipe de técnicos agrícolas, assistentes e orientadores sociais para a execução e acompanhamento de um miniprojeto agrícola chamado Plan Sierra. Para nós, numa estada de três dias, iríamos conhecer um sistema autossustentável de vida para pequenos agricultores, comandado pelo Licenciado Dr. Blas Santos.
É muito interessante. As minúsculas propriedades estão instaladas num alto de morro, com uma pequena horta de
sobrevivência: alface, cenoura, beterraba, batatas e pimentas, um galinheiro no quintal, onde convivem galos, galinhas, cachorros e gatos e, de lá, corre uma aguinha, morro abaixo, que carrega os excrementos dos bichos, até um minúsculo lago onde habitam patos, gansos e outros afins que também fazem suas necessidades na água que, de lá, vão desembocar num chiqueiro, para alegria e vida dos porcos. Todos gordinhos, bem nutridos e fétidos, como em todo chiqueiro. São diversas famílias de sem-terra vivendo nessas condições e plenamente satisfeitas com a solução oferecida pelo governo. É uma mini-mini-minirreforma agrária.
Mas, acima disso, aliás, bem acima, naquela noite, corria uma das maiores belezas do universo: a deslumbrante.Via-Láctea.
Dizem que a melhor visão da Via-Láctea é no Caribe, depois da meia-noite num acampamento sem luz e em noite de céu claro. Para sorte minha, ainda havia lá um violão, que alguém tinha esquecido ou que talvez ficasse lá de plantão para ser oferecido a um candidato a encantar mais a bela noite, sem trocadilho! What a night, como diria o Simon!
A única dificuldade é que as cervejas ficavam bem longe. Um voluntário tinha que quebrar o torpor da noite encantada e andar uns cinquenta metros morro abaixo até a cantina do alojamento, acordar o servente quase aos berros, e pedir, por Diós, pelo amor de Deus, by God, que nos vendesse algumas. Depois do terceiro ou quarto pedinte ele decidiu ficar de prontidão para os próximos, que aconteceram até o raiar do dia.
Voltando à Via Láctea, só havia tido uma visão semelhante numa noite de lua cheia em Santa Luzia, na fazenda Boa Esperança, e que também foi acompanhada pelo meu violão.
Num determinado momento começamos a ver objetos se deslocando no espaço infinito e os palpites foram ecoando no deslumbramento da noite: “São aviões. No planes, you fool, at that high? São discos voadores. Estás loco? Son pequeños cometas. Acho que são satélites artificiais ou estrelas cadentes. They’re ghosts in the night. Tem razão, são fantasmas da noite, como espíritos vagueando no espaço. Bobagem, isto tudo é fruto do nosso encantamento e imaginação. Creo que es solo, el amor de nosotros que vuela en el espacio. It’s the life in the future. Que nada, no céu o que a gente vê é a vida que passou! We’re just drunkers seeing more than stars. Tá certo, tá todo mundo é bêbado mesmo, vendo estrelas. Es Marte, seguro. No it’s Saturn with the rings. Que nada, seus bobos é a estrela Dalva que no céu desponta.”
E a noite foi acontecendo cheia de suposições, músicas de todos os gêneros e nacionalidades. Era a vida em sua plenitude, no Caribe. Gracias a La vida!
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
A PRIMEIRA TERÇA-FEIRA DO MÊS
Sempre muito aguardada, a primeira terça-feira do mês traz a Belo Horizonte o Jimmy Duchowny com sua banda, para apresentação no Ah! Bon, restaurante de alto nível clientela/freguesia selecionada, no bairro de Lourdes. O jazista seleciona os músicos pelo mundo afora - Estados Unidos, Rio, Inglaterra, Japão - monta uma banda variada de aficionados por jazz e convida outro grupo de apreciadores do bom jazz, para lhes proporcionar Jam sessions, extremamente agradáveis. Pena que só aconteça uma vez por mês!
Faço parte do segundo grupo, que é composto pelo Ronald, nosso chef e chefe, o José Arthur Fiúza, o Carlinhos e eu, fixos. E os eventuais: Baldonedo, Geraldo, Roberto Brant, além dos eventualíssimos Fred Matta Machado, Rubinho e Bilé, Paulinho Dani e esposa, a Patrícia Avellar e uma amiga, e mais outros menos conhecidos. É uma boa turma!
Ontem, 1º.de fevereiro de 2011, primeira terça-feira do mês, além da boa música, aconteceu um fato inusitado.
O contrabaixista Chiquinho, pela primeira vez no grupo, esquecera em casa os óculos de enxergar perto. Disse ele que ao sair de casa, meio correndo, como todo músico vive, com o contra-baixo acústico na algibeira, deixou os óculos em cima da mesa da sala. Mas, não se preocupou porque, como tocam tudo meio de cor, improvisadamente, achou que não fosse precisar da muleta oftálmica. No entanto, o Jimmy, pra variar, convidou o saxofonista inglês, Nick Payton, que toca com partitura, e as distribuiu para os outros músicos, pois iam executar um repertório novo. Chiii! - pensou o Chiquinho - E agora?
Ao invés de ter que voltar até sua casa, pediu ao Jimmy que descolasse, entre seus amigos na plateia, uns óculos emprestados. Ele chegou até a nossa mesa e viu três óculos, escolheu o mais bonito e levou emprestado. Eram os óculos do Carlinhos, nosso consultor jazzístico.
O Carlinhos é impressionante. Conhece tudo sobre jazz, seus intérpretes, o ano em que tocaram ou gravaram, nascimento dos músicos, as composições das bandas, o estilo que adotaram, enfim, tudo, tudo, sobre o jazz e sua história. Uma verdadeira enciclopédia jazzística. Só que não toca nenhum instrumento, não é músico e viu, com certo interesse, que emprestando seus óculos para o baixista, talvez, quem sabe, poderia receber uns fluidos musicais que o transformassem, também, num tocador de contra-baixo.
Ele pensou isto, mas não falou, só que nós percebemos a mudança na fisionomia dele e começamos a dar corda ao assunto.
Para reforçar, contei a história de um amigo paulista que, de tanto pedir emprestada a japona de outro companheiro, tocador de violão, acabou aprendendo o instrumento e tornou-se um craque, até já tendo gravado um disco solo.
Essas coisas acontecem e se até o fim da noitada musical o Carlinhos tivesse um choque? Na hora de pagar a conta, por exemplo, já com os óculos de volta, desse nele uma loucura de fazer uma experiência com o contrabaixo? Seria até muito bacana. Ou ainda se o contrabaixista se esquecesse de devolver os óculos e fosse embora com eles? Fatalmente, o Carlinhos teria que ir buscá-los na casa do Chiquinho e, naquela de conversa vai, conversa vem, talvez resolvesse mesmo aprender a dedilhar o baixão?
Mas, não aconteceu nada disto. Os óculos foram devolvidos sem nenhuma emoção, não vieram acompanhados de nenhuma mágica transformadora e nem o Carlinhos ficou mais sábio do que já é na história do jazz.
Que pena!
Mais uma ótima da noite, nos encontramos com o amigo José Carlos Farah. Um prêmio.
Faço parte do segundo grupo, que é composto pelo Ronald, nosso chef e chefe, o José Arthur Fiúza, o Carlinhos e eu, fixos. E os eventuais: Baldonedo, Geraldo, Roberto Brant, além dos eventualíssimos Fred Matta Machado, Rubinho e Bilé, Paulinho Dani e esposa, a Patrícia Avellar e uma amiga, e mais outros menos conhecidos. É uma boa turma!
Ontem, 1º.de fevereiro de 2011, primeira terça-feira do mês, além da boa música, aconteceu um fato inusitado.
O contrabaixista Chiquinho, pela primeira vez no grupo, esquecera em casa os óculos de enxergar perto. Disse ele que ao sair de casa, meio correndo, como todo músico vive, com o contra-baixo acústico na algibeira, deixou os óculos em cima da mesa da sala. Mas, não se preocupou porque, como tocam tudo meio de cor, improvisadamente, achou que não fosse precisar da muleta oftálmica. No entanto, o Jimmy, pra variar, convidou o saxofonista inglês, Nick Payton, que toca com partitura, e as distribuiu para os outros músicos, pois iam executar um repertório novo. Chiii! - pensou o Chiquinho - E agora?
Ao invés de ter que voltar até sua casa, pediu ao Jimmy que descolasse, entre seus amigos na plateia, uns óculos emprestados. Ele chegou até a nossa mesa e viu três óculos, escolheu o mais bonito e levou emprestado. Eram os óculos do Carlinhos, nosso consultor jazzístico.
O Carlinhos é impressionante. Conhece tudo sobre jazz, seus intérpretes, o ano em que tocaram ou gravaram, nascimento dos músicos, as composições das bandas, o estilo que adotaram, enfim, tudo, tudo, sobre o jazz e sua história. Uma verdadeira enciclopédia jazzística. Só que não toca nenhum instrumento, não é músico e viu, com certo interesse, que emprestando seus óculos para o baixista, talvez, quem sabe, poderia receber uns fluidos musicais que o transformassem, também, num tocador de contra-baixo.
Ele pensou isto, mas não falou, só que nós percebemos a mudança na fisionomia dele e começamos a dar corda ao assunto.
Para reforçar, contei a história de um amigo paulista que, de tanto pedir emprestada a japona de outro companheiro, tocador de violão, acabou aprendendo o instrumento e tornou-se um craque, até já tendo gravado um disco solo.
Essas coisas acontecem e se até o fim da noitada musical o Carlinhos tivesse um choque? Na hora de pagar a conta, por exemplo, já com os óculos de volta, desse nele uma loucura de fazer uma experiência com o contrabaixo? Seria até muito bacana. Ou ainda se o contrabaixista se esquecesse de devolver os óculos e fosse embora com eles? Fatalmente, o Carlinhos teria que ir buscá-los na casa do Chiquinho e, naquela de conversa vai, conversa vem, talvez resolvesse mesmo aprender a dedilhar o baixão?
Mas, não aconteceu nada disto. Os óculos foram devolvidos sem nenhuma emoção, não vieram acompanhados de nenhuma mágica transformadora e nem o Carlinhos ficou mais sábio do que já é na história do jazz.
Que pena!
Mais uma ótima da noite, nos encontramos com o amigo José Carlos Farah. Um prêmio.