Gostei da palavra: o som, a escrita e o sentido. A língua portuguesa é tão rica e interessante que, às vezes, a gente só tem a oportunidade de conhecer palavras e vocábulos, acidentalmente. Foi o caso dessa aí.
Depois desse “acidente”, constato que, aqui na Toca, o que mais pratico é o solilóquio. Aliás, acho que em qualquer lugar em que esteja, estou praticando o solilóquio. Chega a ser um hábito, talvez até um vício.
Nas ruas, presto atenção nas pessoas e agora sei que muitas delas também praticam o solilóquio, seja andando, seja estacionado em alguma esquina ou num banco de praça.
Lembro-me de quando morava com a vovó Augusta, na Rua Bernardo Guimarães, 305, lá havia um vizinho, morador da Rua Piauí, que vivia em solilóquio. Toda a vizinhança comentava sem chamar de solilóquio aquela mania, claro. Achavam mesmo que era loucura (doideira, piração) e o chamavam de “o louco do Bairro Funcionários”.
À tarde, a Lúcia e eu nos sentávamos no portão da casa conversando sobre a viagem do papai e da mamãe para os Estados Unidos, sonhando com uma maneira de sair dali e conhecer o mundo. Era quando o soliloquista descia do bonde, na Rua Ceará. Ele subia nossa rua até a Piauí e virava à esquerda. Nunca vimos em qual das casas ele morava, pois havia várias casinhas parecidas, uns bangalôzinhos grudados uns nos outros, no rés da rua. Ele deveria ser funcionário público - origem do nome do bairro -, pois seus horários eram sistemáticos. Pela manhã, não o víamos, pois estávamos no Grupo, mas o tio Tonico nos contava que os dois saíam juntos para trabalhar. Eles se encontravam todo dia às onze da manhã, na rua em frente lá de casa, e pegavam o mesmo bonde. Tio Tonico descia antes e ia para o Hospital Militar, onde era Capitão dentista, e o soliloquista continuava, mas ele não sabia até onde. E a Lúcia e eu fiscalizávamos a volta dele para casa. Era quando soliloquava mais, talvez pelas preocupações que trazia do trabalho.
Anos mais tarde - até já contei sobre esse caso em outra crônica -, conheci um senhor que lançava os resultados da Loteria Mineira no quadro negro, em frente ao nosso escritório de advogados, na Avenida Afonso Pena. Naquele momento, ele também soliloquava, eloquentemente, talvez maldizendo a própria falta de sorte em mais uma rodada sem bilhete premiado.
Outro, de quem me lembro muito, era um brilhante advogado de Ribeirão Preto, nos anos 60, que ficava em solilóquio numa das esquinas da Praça Marechal Deodoro, bem no centro da cidade. Todos comentavam que ele era meio maluco, pois falava sozinho.
Afinal, soliloquar é coisa de doido mesmo. Acho que gente normal não soliloqua.
A minha prática soliloquista mais intensa é aqui na Toca; assim, não corro o risco de ser taxado de louco. Agora, por exemplo, só decido depois de um solilóquio intenso para tomar alguma decisão. Acho que estou meio viciado nessa coisa que, de pomposo, só tem um nome agradavelmente sonoro: solilóquio.
E você, leitor, também soliloqua?