domingo, 31 de julho de 2011

O GOLPE DO JOÃO SEM BRAÇO

Neste país, realmente grande e bobo, como diz o philosopho Eduardo Almeida Reis, na sua coluna diária “Tiro e Queda”, no jornal Estado de Minas, pode acontecer de tudo. Com o embuste da maior e melhor novidade, apareceram os lobistas das grandes redes de supermercados que decidiram livrar-se do custo ínfimo das sacolinhas plásticas, justificando a medida com um discurso de proteção do meio-ambiente. Diria mais, para proteger os próprios bolsos, empobrecidos pelas migalhas de reais economizados. Pior de tudo, com essa tese esdrúxula, contaminaram o comércio em geral.
Desde que o mundo é mundo, a embalagem é um item de custo mínimo, na maioria das vezes, previsto e contabilizado pelos comerciantes.
Vocês se lembram daqueles envelopes de papel kraft, de vários tamanhos, que embalavam as compras da farmácia? Eles estão de volta. Outro dia fiz uma compra de remédios, que veio num desses envelopes pardos.  Estou pensando em dobrá-lo e colocá-lo no bolso para usos futuros. Vai que, numa emergência, eu compro uns comprimidinhos azuis e eles não me fornecem o envelopinho? Não posso sair exibindo na palma da mão a minha compra secreta... E, se assim for, terei que usar somente aquelas calças-cargo - aquelas de bolsos pelas pernas abaixo até aos calcanhares - ou também camisas com o mesmo conceito de colete de fotógrafo, cheio de bolsos, bolsinhos e bolsões até nas costas.
Fico me imaginando ao sair para o trabalho com os bolsos carregados desses pacotinhos vazios e, no elevador, me encontrando com o vizinho, também todo empacotado de saquinhos vazios. Damos um bom-dia suspeito para o caso de nos encontrarmos, no fim do dia, portando os mesmos saquinhos, só que agora cheios. Muito estranho.
E se, num determinado dia, o pobre do consumidor sair correndo e se esquecer dos saquinhos vazios e, no meio do dia, receber um telefonema  da patroa, pedindo para ele trazer umas coisinhas pra casa? Ele anota e vai imaginando: o vidro de xarope pro Júnior ele pega pelo gargalo com a mão esquerda; o pacotinho de protetor higiênico da madame vai, delicadamente, dependurado no dedo mindinho da mesma mão esquerda; nos diversos bolsos da calça e da camisa, as caixinhas de Omeprazol, o remédio para pressão, ácido úrico e colesterol, os pacotinhos de sais de frutas, as duas ampolas de vacina tríplice e mais alguns antibióticos, como reserva. A caixa de leite semidesnatado, no bolsão do meio da perna da calça. Na mão direita, a garrafa pet de refrigerante, dois litros; e, pendurado no indicador da mesma mão, o fardinho de cervejas. Que belíssima e original árvore de Natal o cidadão viraria! Por aí se vê como as sacolinhas são insubstituíveis.
Como é sabido, o custo das embalagens já está previsto na composição do preço para o consumidor final. Esta é uma prática milenar do comércio.
Assim, a minha conclusão é a de que o não fornecimento de embalagens é a antítese do bom atendimento. E o coitado do consumidor, metaforicamente, fica obrigado a fazer malabarismos andando pelas ruas com milhares de itens de compras espalhados pelo corpo.
Fico me lembrando de outros tempos, quando era bom ouvir os feirantes falando para a mamãe: Vai levar o quê, hoje, freguesa?- já com o pacotinho ou o jornal pronto para embalar as frutas ou os doces, que, em seguida, eram colocados nas sacolas que eu carregava. Já pensaram se ela chegasse no peixeiro e pedisse um dourado lindo, para o preparo de um assado no domingo, e o dono da peixaria lhe entregasse o bicho segurando-o pelo rabo? Ela o pegaria, colocaria debaixo do braço - como os franceses carregam as baguettes -, e sairia pela rua pingando água e cheirando a peixe. E todas as freguesas do dia protagonizariam a mesma cena ridícula. E as laranjas, limões e limas compradas às dúzias? E as unidades de ovos, então? Três numa mão e dois na outra? Impensável.
Só existe um remédio para tal excrescência: a maravilhosa e profissional lei e as consequentes regras do mercado. Resumindo: a concorrência. O comerciante sabe que se seu vizinho passar a oferecer aos clientes algumas facilidades, ele vai perder freguesia. Resta-nos aguardar para ver no que vai dar mais esse “golpe do João sem braço”, dito popular para essas maracutaias comerciais.
Não temos notícias de qualquer modificação nos comércios internacionais relativos ao fornecimento de embalagens ou de algum povo que não as forneça mais. Em Nova Iorque, Paris ou Roma ninguém sai das lojas carregando pelas ruas suas compras dependuradas nos braços?
Só aqui mesmo, neste “país grande e bobo”, como diz o cronista.
Belo Horizonte, 25 de julho de 2011.

Nova seção no blog:

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A LIBERDADE MATA OS MAUS CASAMENTOS E ALIMENTA OS GRANDES AMORES. (Autor desconhecido)

domingo, 24 de julho de 2011

OS TRÊS Ks DOS VELHOS

O Edgard Melo, meu mestre e amigo, sábio consumidor dos vinhos Oxford Landing, Cab Sauv-Shiraz, demi-bouteille, me disse hoje que velho só morre de três males que começam Com K: Keda, Katarro (Pneumonia) e Kaganeira. Verdade verdadeira para rimar.  A cada dia vemos a idade passando rápida e faceira - rimando de novo – e, muitas vezes, deixando os velhos saudáveis e felizes... até com a idade que têm. Que ótimo consolo! É incrível como todo mundo reclama do tempo que anda passando rápido demais.  Hoje, vive-se muito mais e com a saúde boa... Em termos, é bom que se diga.
O Dr. Francisco Souza Lima, médico pediatra emérito, me falava outro dia – ironicamente, durante um velório de um primo que morreu novo, 62 -, que a vida está sendo prolongada ad infinitum. Segundo ele, em breve, seremos Matusaléns, eternizados pela espetacular evolução da medicina, coisa que ninguém, nem Hipócrates quando prescreveu seu juramento, poderia supor. Contou-me ainda sobre um aparelho que acende uma luz dentro do organismo do paciente. Trata-se de uma injeção de prótons ou elétrons - não me lembro em qual ordem - que, ao se encontrarem, provocam uma reação química, acendendo uma espécie de luz interna. E daí, com esse farol, vai-se vasculhando o interior do corpo humano e descobrindo os seus males: tumores, abscessos, fístulas, hérnias e outros “bichos” mais, ratificando ou desmentindo os diagnósticos.
Parece que, de agora em diante, estaremos revelados por fora, como sempre estivemos, e por dentro também, com esta lâmpada mágica.
Os médicos, com certeza, irão fazer o exame clínico tradicional: pulso, língua, garganta, respiração (fale trinta e três), batimentos, olho vermelho ou branco (anemia), micção (quantas vezes ao dia), e ainda terão a leitura desse super hiper equipamento, para uma viagem interna.
Outro dia, passando por uma revista, antes de embarcar para o Brasil num vôo da United Airlines, de Denver para São Paulo, passei por uma máquina que, acredito, tinha parte desses poderes de ver a gente por dentro e por fora. Na fila de embarque, me deram uma cestinha para colocar alianças, anéis, pulseiras, correntinhas, relógios, celulares e todas as miudezas que pudesse estar portando. Cumpri a ordem perfeitamente e passei sob uma arcada eletrônica que enxerga tudo. E ela apitou. Voltei, passei e, novamente, ela apitou. Enfiei a mão no bolso e descobri uma caixinha de metal, inocente, de guardar pílulas, que os velhos usam para não perder a hora de tomar os medicamentos. Nela, havia dois comprimidos: um para pressão e outro para enjôo. Senti-me redículo, como brincava a Mariana, minha sobrinha. Joguei a caixinha fora e passei ileso. Acho muito bacana essa evolução da medicina, mas estamos cada vez mais expostos por dentro e por fora. E isto me incomoda, embora queira durar eternamente...
Em Belo Horizonte, 25 de junho de 2011.

Uma boa canção para acompanhar a leitura desta crônica, é a belíssima  CON TÉ PARTIRÓ,
magistralmente interpretada pelo Bocelli e a filha. Confira.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

QUERIDA DONA SANTA

Na sábado, dia 16 de julho de 2011, fui dormir muito triste: uma santinha morreu.
Pessoas que passam pela vida sem nenhum interesse de aparecer, de se mostrar, de se impor são figuras raras. A Dona Santa era assim, nasceu para servir com muito amor e carinho, sempre feliz e com a carinha boa. Com seus profundos olhos azuis da cor do mar, observava a todos sempre calma e serenamente. Por toda a vida, sempre foi prestativa e dedicada ao marido - o sereno Dr. Célio –, aos filhos Sônia Maria, Maria do Carmo, José Carlos e Célio; aos netos Caio, Natália, Pedro, Frederico, Júnea, Silvia, Luiza e Bruno; e aos bisnetos Isabela, Iara, Ian, Geórgia, Giulia, João Felipe e Laís. 
E eu tive o privilégio e a sorte de viver mais da metade da minha vida - exatamente cinquenta e três anos - com essa gente. Sob o comando silencioso da bondosa figura, aprontamos as maiores estripulias e escaramuças, pois, muitas vezes, e na sua completa inocência, ela não percebia os riscos que corríamos para vencer na vida com dignidade e honradez.
Dona Santa sempre me tratou como um filho. Nos anos 60, já candidato a noivo da filha Maria do Carmo, ela abriu sua casa e me abrigou para dedicar-se a minha recuperação de uma hepatite, como uma mãe zelosa. Serei sempre agradecido a ela, que me servia uma alimentação perfeita, com frutas e pratos especiais, e sempre no final do dia me oferecia abacate e dizia: O Célio falou que abacate é muito bom para hepatite, então vou lhe servir todo dia, para você sarar rápido. E sarei rápido mesmo. Fiquei só uma semana de cama.
Esse carinho e dedicação de Dona Santa também se estendeu a outros a quem ela acolheu em sua casa ou como hóspedes eventuais ou como moradores temporários: os sobrinhos Marco Antônio Patrício, quando servia no CPOR; o Ronald e a Norma, quando vinham do Rio; o Rogério, vizinho/habitante contumaz; e a Alice Guieiro, que chegou de Diamantina para estudar em Belo Horizonte; bem como o Salorio, americano bolsista do Rotary, e tantos outros. Tenho certeza de que todos eles, como eu, lembrarão dela com esse sentimento de amor e gratidão eterna.
Com as noras Magna e Cidinha, ela sempre foi carinhosa e, do Zuza, ela exigia sempre mais, muito mais, pois ele foi o primeiro a lhe tirar de debaixo das asas a Sônia Maria, filha querida.
Hoje ela se foi, para juntar-se aos seus queridos Célio, Rosina e Marco, marido, mãe e pai. Para ela, a felicidade eterna. Aqui, ela optou por viver para os outros, principalmente, para o marido e os filhos. Eles eram o seu universo.
Repito, no sábado fui dormir muito triste: uma santinha morreu.

Belo Horizonte, 16 de julho de 2011.

No dia 22, às 19:00 horas, na igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Sion, será celebrada a missa de 7º dia para a Dona Santa.

domingo, 17 de julho de 2011

AMÉRICA X ATLÉTICO

É muito curiosa a escolha de um time pra gente torcer. Na maioria das vezes, acho que é
meio hereditária essa preferência. Dificilmente os filhos não seguem os caminhos dos pais. Lá em casa, houve um caminho diferente. Quer dizer, na casa onde eu e a Lúcia morávamos, que era a dos nossos tios solteirões, José e Tonico. O primeiro, atleticano doente, com úlcera nervosa de tanto torcer freneticamente pelo Galo e o segundo, ex-jogador do América, beque direito, posição que – diziam - se passasse a bola, o atacante não passava. Era um beque duro, forte e com um petardo que certa vez passou por cima do estádio Independência indo parar a dez quarteirões de distância. A bola sumiu. Esse tio Tonico era um americano de crença e de compromisso, como quase todos da família Hermeto: tio Abdon, vovó, tio Lolode, tio Honório, tia Glória, tia Marina, mamãe e tio Soné, enfim, a maioria. Só o tio Zé era do contra, ou seja, atleticano.
Na hora do almoço, a Lúcia sentava-se ao lado do tio Zé e eu, ao lado do tio Tonico. Isto já denotava uma tendência e despontava as respectivas preferências. Minha irmã foi se interessando pelas conversas futebolísticas do tio, que a motivaram a conhecer e a se interessar pelo Atlético. E, do outro lado, minha influência era, rigorosamente, americana. Até nossas roupas foram assumindo as cores de cada time. Eu, por exemplo, nomeei o verde a minha cor preferida e a Lúcia só admitia o preto e branco. Vovó, muito esperta, colocava guardanapos das nossas cores preferidas e íamos levando uma infância feliz na provinciana Belo Horizonte dos anos 40, com postes no meio das ruas, calçadas com paralelepípedos e os bondes como único transporte coletivo. Nada mais.
De repente, não mais que repente, plagiando o poeta, mudamo-nos para São Paulo e lá perdemos, por quase dez anos, todas as referências e rivalidades do futebol belo-horizontino. Por aqui, surgira um novo concorrente para Atlético e América que se chamava Palestra Itália, então totalmente insignificante, mas que se transformou no poderoso Cruzeiro, tendo como símbolo a Raposa, sendo hoje o principal adversário do Galo. Já o Coelho, glorioso deca-campeão mineiro, foi diminuindo, diminuindo e sumiu para a segundona. Só agora, conseguiu voltar para a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, lugar de onde nunca deveria ter saído. Meu amiguinho aqui do prédio, o Lucas, ardoroso torcedor do Coelho, deve estar feliz. Aqui na minha Toca, pelo menos, tenho a certeza de um colega torcedor e se, por acaso, ouvir o som de um foguete nos dias de jogos do América, já vou saber de onde estará vindo.
Li, hoje, no jornal, que o Coelhão está com técnico novo, o Antônio Lopes. Resta-nos torcer por ele, para, no mínimo, manter o América na primeirona.
Sobre a disputa histórica entre os clubes, contou-me o Márcio - quando pedi a ele a remessa da sua ufanista e linda música para ilustrar musicalmente esta crônica - uma história muito interessante. Disse-me que nos anos 30, num clássico disputado no Independência entre América e Atlético, os presidentes dos clubes estavam discutindo sobre qual juiz deveria ser indicado para apitar a pugna e não chegaram a nenhuma conclusão sobre os juízes mineiros; todos, então, considerados suspeitos. Assim, o presidente do América, o saudoso engenheiro/socialite mineiro Alair Couto, e o presidente do Atlético - de quem não se lembrava do nome -, em consenso, concluíram que um árbitro do Rio de Janeiro, isento de qualquer fanatismo local, seria a melhor indicação. Assim, optaram pelo conceituado juiz inglês, Mr. Barrick, que atuava naquela cidade, sugerido pelo Iustrich, que havia jogado como goleiro do Flamengo e o conhecia bem. O juiz aceitou e o Alair correu para a imprensa, informando que o juiz viria no dia tal e qual, de ônibus. A fanática torcida atleticana precipitou-se até Juiz de Fora para cercar o juiz e ter com ele uma conversa prévia. No entanto, o Alair já havia combinado com um diretor do América para mandar o juiz de avião. E, na Pampulha, Mr Barrick foi recebido pela elegante torcida americana, numa recepção de gala, enganando a afoita torcida do Galo. Histórias do tempo do onça do futebol amador.

Esta crônica abre uma série de outras daquela época em que jogadores e clubes viviam, exclusivamente, do amor à camisa... Já tenho a fonte.

Julho de 2011, diretamente da Toca, a minha.

Ouça a excelente composição em homenagem ao América, do meu compadre, o Márcio Dias, americano desde sempre. O hino está no capítulo As Melhores Brasileiras... É muito bom!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O MEMORIALISTA

Num fim de tarde, estacionei o automóvel na Rua Pernambuco e rumei para um barzinho do Tuíca, que ficava na esquina com a Rua Tomé de Souza. Não me lembro do nome, mas era um lugar muito agradável, com chope gelado e boa conversa.
No caminho, me encontrei com o Roberto Drummond, escritor e cronista, que me perguntou: E então, tá escrevendo alguma coisa? Respondi: “Estou sim, Robert, - como o chamava carinhosamente - mas estou preocupado com uma coisa. Só escrevo a meu respeito ou sobre a minha vida, meus tempos de menino, minhas viagens, amigos, parentes, namoradas, enfim, só escrevo sobre mim mesmo e acho isto meio esquisito.”
Ele sorriu, pegou um livro debaixo do braço – ele andava sempre com um -, abriu numa determinada página e leu: “As pessoas só escrevem sobre elas mesmas, cada um gosta de contar sobre suas coisas, suas preferências, sua experiência de vida.” Fechou o livro e falou: “Você sabe quem falou isto?” Respondi: “Não, quem foi?” E ele, rápido, já se despedindo: “Não interessa, mas pense nisto.”
Assim, orientado por um dos melhores escritores mineiros de todos os tempos, não tenho vergonha nenhuma de ir contando minhas coisas. Naquela época não havia internet, então não pude continuar consultando o mestre e, pior, logo ele se foi.
Sobre essa foto aí em cima, por exemplo, tenho muito que falar. Papai e mamãe haviam chegado dos Estados Unidos onde tinham passado uma boa temporada de estudos e passeios. A expressão feliz deles denuncia isto. Ao fundo, meu tio Heraldo, campeão de natação do Minas Tênis Clube e ainda fraquinho, antes de praticar o halterofilismo e se transformar num dos mais fortes boêmios de Belo Horizonte, junto com seu amigo o delegado Tonico. Fortíssimos mesmo, na boemia e nos músculos. Do outro lado, meu avô Pedrinho, pensativo com o destino irrequieto do filho Helvécio que só queria estudar e viver mundo afora. O semblante dele é de preocupação.
Lúcia e eu felicíssimos com a volta deles e com os presentinhos americanos. Eu, cara fechada pela fotofobia, já exibindo o meu, um cinturão e um coldre do Roy Rogers, com uma réplica do seu famoso Colt 44. Uma glória para o menino simples que só brincava de bolinha de gude e finca, na casa da vovó Augusta. Praticamente, colei o coldre na minha cintura durante um mês. Até tomava banho com ele. A Lúcia ganhou um ursinho de pelúcia marrom que, dando corda atrás, tocava You´re always in my heart, música que ela adotou como tema da sua vida. Vivia cantando ou humming a linda canção, que a enfeitiçava. Ela e o papai, de vez em quando, cantavam juntos. Como os presentinhos eram poucos, mamãe, muito criativa, nos contou que haviam despachado uma mala dos Estados Unidos, muito pesada, cheia de brinquedos e jogos. Infelizmente, a tal mala nunca desembarcou no Brasil, pois ela nunca existiu, mas, enfeitou nossa infância simples com sonhos e projetos.  Concluirmos que a mala poderia ter sido desviada para o Japão e, generosos, nos consolava a ideia de que deveria estar alegrando a vida de muitos japinhas!
Outro sonho da época é de que iríamos com eles, papai e mamãe, na próxima viagem para os Estados Unidos, que só foi acontecer em 1951 e, mais uma vez, sem os meninos. O dinheiro era muito curto e as bolsas muito justas. mal davam pra alugar uma casinha, comer sanduíches e fazer algum passeio pelo Charles River, em Boston, onde moraram por mais um ano, papai frequentando o Master in Public Health na Universidade de Harvard. Ele era um craque.
Em Belo Horizonte, julho de 2011.
(A música sugerida é ODEON, do Ernesto Nazareth, muito bem para a época, 1947, que será postada pelo Frederico logo mais.)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A PRAÇA DA LIBERDADE

A Praça da Liberdade é o maior símbolo de Minas. Com esta frase, começo o texto do comercial de apresentação da então Secretaria de Esportes, Lazer e Turismo, no final da década de 80. Na época, a SELT era minha cliente, na Promar Propaganda. Trinta e um anos depois, continuo pensando da mesma forma.
Ontem, quando fui ao Belas Artes assistir a um dos melhores filmes do momento, Meia-noite em Paris, no caminho, deparei-me com o símbolo que, cada vez mais, faz jus a minha antiga declaração.
Os jardins da Praça da Liberdade estão muito bem cuidados, com poda regular, os passeios totalmente revitalizados, as palmeiras imperiais cada vez mais monárquicas e uma gente alegre e descontraída se exercitando, passeando ou só admirando aquela beleza natural. Ali, até o cheiro é bom. De úmido, de terra molhada, de viço.
Foi restaurada sua fonte, que colore as noites com fachos de luz variados sobre uma água límpida e convidativa para se jogar moedas e fazer um pedido, como na Fontana di Trevi, em Roma. O ambiente geral é tão agradável que pode levar os frequentadores a esperar a realização de sonhos distantes. Se alguém começar a jogar moedinhas na fonte, quem sabe a moda pega?
Até o Xodó, a vizinha lanchonete quarentona, continua movimentada como na época do seu lançamento, com jovens sanduicheiros e refrigeranteiros enchendo a esquina da Avenida João Pinheiro com beleza e juventude.
Com a excelente destinação de abrigar um circuito cultural de porte, com museus, casas de cultura, um planetário e prédios residenciais tombados pelo IPHAN, o conjunto da Praça agrada não só aos turistas como aos mineiros, os belo-horizontinos em especial, pela localização privilegiada, paisagismo e clima. Ali, as temperaturas são extremamente agradáveis, corre uma brisa matinal e vespertina, que encanta a todos, e ainda uma maravilhosa fauna passarinheira, que irradia sons e melodias inéditas, dependendo da população avícola do momento.
O Palácio da Liberdade, construção austera e de fino gosto, está aberto fisicamente à população, embora estivesse sempre aberto à política mineira, ali praticada quase sempre com competência e dedicação, em nome da decantada liberdade postulada por certo governador: O compromisso de Minas é com a Liberdade.
Inspirado pelo genial Woody Allen - criador, roteirista e diretor do filme Meia-noite em Paris - o passeio na Praça da Liberdade, depois da sessão no final da tarde, me fez constatar a semelhança dos seus jardins com os do Palácio de Versalhes, mostrados plenamente no filme. Aliás, citações históricas sobre a construção da capital dos mineiros dizem que os jardins da Liberdade são quase uma cópia, em menor escala, daqueles da capital dos franceses.
Ainda fortemente influenciado pelo filme, me enveredei pelos corredores da Praça com a esperança de repetir a aventura do protagonista Gil Pender e encontrar Zelda e Scott Fitzgerald namorando num daqueles bancos; deparar com Ernest Hemingway, recostado no tronco de uma das palmeiras, tomando seu Bloody-Mary; ou mesmo o fabuloso Picasso esboçando um nu da mais nova namorada, uma bela fêmea mineira, e Matisse, com suas telas, retratando o conjunto do Palácio e seus jardins. No coreto, eu quis ter a nítida impressão de avistar Toulouse Lautrec, sozinho numa mesa, rascunhando suas mulheres e escrevendo umas notas. Perto dele, e também se preparando para seus dibujos, os fantásticos Modigliani e Degas, bem discretos, ao lado de um falante Salvador Dalí, que proferiria uma palestra sobre animais.  Com certeza, o enfoque seria muito extravagante e o homem do bigodinho faria uma conferência sobre sua mais recente musa inspiradora: o rinoceronte. Já, a crítica literária Gertrud Stein, na escada do coreto, gesticulava com um novo autor, o protagonista Gil Pender, sobre seus originais ainda não publicados.
Enquanto eu me aventurava no êxtase dessas ilusões, os caminhantes não interrompiam suas marchas para prestar atenção nessas maravilhosas figuras tão disponíveis. Azar deles.

Belo Horizonte, junho de 2011.

Uma boa música a acompanhar esta crônica é a excelente Belo Horizonte que eu gosto,
do mineiríssimo compositor Pacífico Mascarenhas, que abre mais um capítulo no blog:
AS BRASILEIRAS DE TODOS OS TEMPOS