domingo, 25 de setembro de 2011

O PAPA E EU


Um grupo de pseudo-intelectuais dos anos 1960 em Belo Horizonte, eu incluído, combinamos de assistir ao filme Veridiana, do fabuloso Luis Buñuel e, depois de todos assistidos, nos reunirmos para os comentários num bar chamado Porão, numa velha casa tombada da Av. João Pinheiro.
Esta casa, aliás, havia sido a moradia de uma parenta do papai que chamavam de vovó
Petronília, que não conheci. O sugestivo nome do rústico bar justificava-se porque fora montado no porão da casa, que ficava ao rés da rua. Era um porão alto, de porta pesada de madeira. Está lá até hoje onde funciona uma clínica de fisioterapia.
Cerveja farta e conversa solta, passamos a discutir o filme, cada um com uma interpretação mais esdrúxula e o Luís, professor de cinema no Curso Comunicação da UFMG, era o moderador/coordenador dos debates.
Particularmente, eu estava muito confuso pois, recentemente, havia começado a
freqüentar as missas da igreja católica, por influência do meu namoro com a Carminha.
Aos domingos toda a família dela ia à missa na capela do Colégio Loyola e eu também embarquei nessa. Não largava a namorada por nada!
No entanto, minha formação religiosa pregressa havia passado por fases absolutamente distintas e variadas. Mamãe me contou que fui batizado na igreja e a partir dali, nunca mais havia frequentado qualquer igreja mas havia sido induzido a fazer  minha primeira comunhão em São Paulo, por costume da época.
Logo depois, nos mudamos para Belo Horizonte onde fui morar com um tio solteirão, espírita praticante, onde toda quarta-feira participava dos cultos inclusive cantando os “pontos” dos espíritos que baixavam nas sessões lá em casa. Para quem não sabe, os “pontos” são as músicas dos espíritos que, cantadas pelos presentes, atraem as almas para virem baixar nas sessões espíritas. E atraem mesmo. Lembro-me de que numa das sessões cantamos o ponto de um espírito, o índio Guarani, que baixou e falou que era meu protetor. Perguntou se eu tinha algum pedido a fazer e respondi que queria que ele acompanhasse a mamãe, que estava viajando sozinha naquele dia para  os Estados Unidos. Acreditem! Uma semana depois ele voltou à sessão e contou que o avião da mamãe, um Douglas DC-6, havia parado um dos motores, em cima do Mar do Caribe e ele o havia segurado até fazerem um pouso de emergência em Trinidad&Tobago, mudando o curso que era para Miami.
Mamãe confirmou por carta o episódio, um mês depois. Naquele tempo, este era o tempo dos Correios para as correspondências internacionais.
E mais este acontecimento favoreceu minha confusão religiosa.
Voltando ao Porão, confuso com a ideia da existência de Deus y otras cositas,
resolvi escrever para Sua Santidade para obter uns esclarecimentos. E assim fiz, com a absoluta perplexidade dos companheiros de mesa.
No dia seguinte, coloquei no Correio uma carta com o seguinte destinatário:
Vossa Reverendíssima Papa João Paulo II
VATICANO II - Itália.
Algum tempo depois recebi, também por carta, uma resposta, através do Bispo Dom João de Araújo Costa, que me informou que o Santo Padre havia recebido minha singela missiva e que me recomendava a leitura dos anais do Concílio Vaticano II, à disposição na biblioteca da Capela Sistina.


Lógico que lá estive, no entanto, em Latim, não consegui entender as respostas
às minhas dúvidas religiosas que persistem até hoje.
Belo Horizonte, 1º. De setembro de 2011.


FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Julgue um homem pelas suas perguntas, não pelas suas respostas.Voltaire

sábado, 17 de setembro de 2011

BONS TEMPOS AQUELES

 Numa análise rápida, acho que todos nós conseguimos lembrar e detectar os melhores períodos de nossas vidas e ir qualificando-os ou como o mais feliz ou o mais proveitoso, ou mesmo o mais alegre. Nem sempre esses adjetivos se agrupam. Posso assim, qualificar um período onde um pequeno grupo de pessoas com formações e personalidades totalmente ecléticas reuniu-se numa autarquia chamada Coordenação de Crédito Rural de Minas Gerais, em Belo Horizonte, sob o comando seguro e competente de um nome respeitadíssimo no setor público nacional, na área da administração e do crédito agrícola, o do Dr. João Napoleão Berthelot de Andrade. Que figuraça! Com nome tão pomposo - escolhido pelo pai farmacêutico, em homenagem ao grande químico, aos poucos -, ele foi convidando pessoas para comporem o quadro de funcionários da autarquia, todos jovens e ávidos para iniciar uma carreira de sucesso na vida. A equipe ficou formada por oito profissionais, em ordem cronológica: Robertão, José Roberto, Raul, Lourenço, Cláudio, Aloísio, Roberto e Maurício.
Vou registrar neste blog diversas das nossas atuações e aventuras, mostrando a personalidade de cada um, como as entendo, contando algum fato pitoresco ligado à figura do retratado, começando pelo mais moço: o Maurício Moreira. Ele, que infelizmente foi embora muito cedo, talvez tenha sido o cara mais vaidoso que conheci. E eu entendo deste assunto, pois também sou vaidoso à beça. A concorrência era brava entre nós.
Trabalhávamos num prédio recém-inaugurado na Avenida João Pinheiro, muito bem construído, com acabamentos finos e vários espelhos na decoração modernosa.  Uma glória para os vaidosos. Em todos os espelhos do prédio, o Maurício dava uma olhada e arrumava o cabelo. Assim, na entrada, já toda espelhada, olhava para a esquerda e ajeitava o cabelo; para direita, outra ajeitada, de frente no espelho da coluna arrumava a camisa e a gravata e, no elevador, dava o arremate final até chegar ao sétimo andar. Uma peça rara! Sempre muito bem vestido, com camisas e gravatas importadas, mas sem um oficial de costura fixo.
Assim, um amigo meu, da turma dos meus cunhados, me apresentou a um alfaiate, pois estava querendo fazer umas calças e, recentemente mudado de São Paulo, eu não conhecia ninguém que pudesse me atender. E o meu amigo, o Marcelo Klysh, me apresentou para aquele que viria a ser conhecido como o melhor alfaiate da cidade, até hoje, o inteligentíssimo e muito bem humorado Hermano. Ele trabalhava, então, numa pequena sala do Edifício Helena Passig, na Praça Sete, onde cortava e costurava seus panos com maestria.
Num determinado dia, apresentei o Hermano para o Maurício, que estava interessado em fazer uns ternos com tecidos que havia trazido de Londres, durante viagem com os colegas de formatura da Faculdade de Ciências Econômicas. Ali mesmo, no modesto atelier e na minha presença, o Hermano tirou as medidas do Maurício, que detalhou minuciosamente como queria os ternos, as costuras, os botões, pregas, etc. Aproveitei para deixar no atelier uns paninhos - nacionais mesmo -, para as minhas calças e, alguns dias depois, num sábado de manhã, fui buscá-las e notei certo desarranjo no atelier do Hermano. Disse ele que estava terminando vários ternos para pessoas da alta sociedade mineira, para uma festa à noite, no Automóvel Clube, promovida pelo colunista social do Estado de Minas, Eduardo Cury.
A festa era o Showçaite, palavra montada que significava um show apresentado e estrelado por figuras da high-society belo-horizontina. E, naquele turbilhão de corre pra cá, corre pra lá do Hermano, notei que diversos cortes de tecidos estavam espalhados pelo chão e ele e os oficiais de costura sapateando em cima das peças, no afã de dar conta do recado para a celebrada festa. No chão, vi os cortes do Maurício e falei pro mestre alfaiate: Tome cuidado, Hermano, que o chão está cheio de panos finos e caros e vocês vão acabar sujando e amarrotando tudo. Quando ele reparou a bagunça e viu os cortes do Maurício no meio dela, ficou pálido. Esbugalhado, deu um pulo pra trás e orientou os costureiros para que não saíssem dos seus lugares, enquanto ele não acabasse de recolher a panaria. E fechou, dizendo: Minha Nossa Senhora! Se o Maurício chega aqui e vê os cortes dele no chão, ele me esgana!
Recolhida a tralha, nos sentamos, tomamos um café frio e começamos a rir da bagunça. O Hermano, perdendo o controle, soltou aquela risada típica dele, tão contagiante que contagiou todos os ocupantes dos andares acima e abaixo do dele, para um hilariante congraçamento.
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2011.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A gente não faz amigos, reconhece-os. Vinícius de Morais

domingo, 11 de setembro de 2011

LAGO DOS CISNES: UMA HOMENAGEM Á VIDA

Venho buscando ao longo da minha existência reter o saber e o conhecimento que nos são oferecidos a toda hora e em todos os lugares. Na verdade, sou como todas as pessoas interessadas em cultura e aperfeiçoamento. Quando viajo, por exemplo, procuro assistir a todas as peças de teatro disponíveis nos lugares por onde passo, vou a todas as apresentações musicais, clássicas ou populares, aos balés ou filmes em cartaz, shows, etc., enfim, tudo aliado às atividades turísticas que são a de conhecer o  mais possível, no tempo necessário para tirar um bom proveito das visitas. Nada de novo, acho que todo mundo ávido por conhecimento, faz isto.
E assim, tenho visto muita coisa e vivido momentos de extrema alegria e contentamento. Ontem à noite, não foi diferente. Convidado pelo meu sobrinho, compareci a mais um desses insuperáveis momentos, quando fui assistir à peça Lago dos Cisnes, do fabuloso Piotr Iylich Tchaicovsky, interpretada pelo Kirov Ballet, da Rússia, com a primeira bailarina Yekaterina Kondaurova com o papel de Odette e o fabuloso bailarino Ilya Petrov como o bobo da corte, para mim o melhor bailarino homem. Fabuloso!
Com uma cenografia exuberante, figurino maravilhoso em tecidos, cores e riqueza das vestimentas, iluminação perfeita, execução magnífica da Orquestra Sinfônica do Palácio das Artes, sob a regência do maestro russo, Mikhail Agrest, consegui ficar extasiado durante mais de três horas, no Grande Teatro.
Têm sido diversas as minhas oportunidades de assistir ótimas performances de companhias pelo mundo a fora, como a Suíte Quebra-Nozes, inclusive com o primeiro bailarino Mikhail Baryshnikov; o ballet Bolshoi, no Lincoln Centre em Nova York; Evita, o Mágico de Oz, Cats e muitas outras peças populares, na Broadway; diversas no Rio, São Paulo e, naturalmente, O Corpo, em muitas apresentações em Belo Horizonte. No entanto, nunca tinha visto um conjunto tão maravilhoso como o apresentado pelo Kirov Ballet, em BH. O que chamo de conjunto é esta mescla de grupo de dança, equipe cenográfica, vestuário, música e músicos, orquestra, som, acústica, enfim, tudo o que compôs a maravilhosa apresentação.
Minha sensação é a de que eu havia entrado como um ser humano comum, no Palácio das Artes, e havia saído com uma nova alma, totalmente lavada pelo espetáculo, uma nova cabeça cheia de cenas e momentos inesquecíveis, enfim, um novo homem, devido ao turbilhão de beleza, harmonia, graça, bom gosto e tudo mais que recebi.
Muito obrigado, Caio. God bless you.
PS. Afortunados os meus amigos que compareceram: Daurinho e Helena e os casais
Mauro Lasmar, Marco Flávio Neves, Paulo Bretas e Ronald Andrade, este no dia seguinte e muito pesaroso pelos que não assistiram aquela maravilha.
Belo Horizonte, 10 de setembro de 2011.
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O homem não pode obter verdade mais verdadeira, do que a que vem da música.
Baudelaire (1821-1867)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

SETE DE SETEMBRO: A EMOÇÃO DE DESFILAR

Nos anos 50, de uniforme do Ginásio Castro Alves, em São Paulo, treinávamos todas as quartas-feiras para desfilar no Sete de Setembro. O uniforme era simples, um moletom branco com o nome do Colégio bordado em azul no peito e uma calça azul-marinho, meias soquete brancas e sapatos pretos - os tênis, naquela época, não eram moda, só serviam para os esportes mesmo.
Naquelas quartas-feiras, marchávamos em volta de uns dez quarteirões pelo bairro de Pinheiros, subindo e descendo ruas ao som da fanfarra, da qual fazíamos parte: o Pick, o Claúdio, o Jalil e eu. O Pick e eu tocávamos clarim e o Cláudio e o Jalil eram dos tambores, repique e caixa, respectivamente.
Que beleza! Com sol, chuva ou garoa, lá estávamos nós, animados para treinar o patriótico desfile, no Pacaembu. Interessante que tínhamos um fã-clube enorme das coleguinhas no Ginásio. Elas marchavam na frente da fanfarra e ficavam olhando para trás para flertar conosco. Todas, sem exceção. E tomavam bronca direto do condutor do desfile, professor de Educação Física, que ia à frente da tropa: Meninas, olhem para a nuca de quem está à frente, não olhem nem pra trás e nem pros lados. Só para frente. Elas nem davam bola para as broncas, queriam mesmo era o namorico com os bacanões da escola. E, com este espírito cívico, treinávamos à exaustão, para concorrer  a uma medalha no desfile final, no Dia da Pátria.
Fora os namoros, o desfile emocionava muito porque, naquele momento, a gente estava fazendo uma reverência à Pátria, tocando os maravilhosos hinos da Marinha, Exército e
Aeronáutica e o mais lindo de todos, o Hino Nacional Brasileiro, o mais perfeito hino de todas as nações. Tanto pela letra quanto pela música.
Dava vontade de gritar: VIVA O BRASIL! VIVA O POVO BRASILEIRO!
Belo Horizonte, 7 de setembro de 2011

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Ask not what your country can do for you but what you can do for your country. John Fitzgerald Kennedy

domingo, 4 de setembro de 2011

O PITÉU DE SEGUNDA-FEIRA

 

Num domingo, com pena do filhinho doente, de cama, Zuza resolveu dar um pulo no sítio, em Santa Luzia, para buscar o cachorrinho do Caio, um coker spaniel branco e preto chamado Yuri. Sozinho, colocou o cachorro no banco de trás do carro e veio para Belo Horizonte. Caio ficou radiante com a surpresa e, já sem febre, passou o dia inteiro brincando com Yuri. Como no prédio é proibido manter animais, no final da tarde,  Zuza voltou com o cachorrinho para Santa Luzia. Mas, no caminho, aconteceu o inesperado.

Já em frente ao Iate Tênis Clube, na Pampulha, o gracioso cão saltou fora pela janela de trás, que estava com o vidro aberto pela metade, e Zuza não percebeu! Todos os carros que vinham atrás dele buzinavam e, quando passavam, apontavam para alguma coisa lá atrás, balbuciando alguma coisa ininteligível. E como ele não entendia nada, resolveu voltar para conferir o acontecido. Ao chegar em frente ao clube, uns meninos tomadores de conta de carros, vieram correndo para lhe contar que o cachorro havia pulado pela janela e que o motorista de um fusca branco o tinha recolhido. E vocês anotaram a placa do carro? perguntou. Claro, doutor, respondeu um deles, e o senhor vai nos dar um trocado, não é? Lógico garoto, qual é a placa? É XXX - e o moleque levou logo cinco pratas. O Zuza, desapontado, voltou para casa, mas não contou nada ao Caio.

Na segunda-feira, logo cedo, foi ao Detran e conseguiu com um amigo, funcionário da casa, o nome e o endereço do proprietário do fusquinha branco. Foi até lá e para surpresa dele, era uma agência de automóveis que tinha, entre outros, o fusquinha branco citado, brilhando como se fosse zero. O dono da agência o atendeu com educação e esmero, buscando uma nova venda. O Zuza contou a história e o senhor falou: Tenho certeza que estes carros não saíram daqui ontem, pois a loja estava fechada! Mas... Espere um pouco, por favor. Fulano, vem cá. E apareceu um rapaz magrinho, com cara de nordestino, que era o vigia da loja. Ele contou: Este senhor está me dizendo que este Volks foi visto ontem, na Pampulha e que, quem estava guiando, recolheu um cachorrinho preto e branco que caiu do carro dele na rua. Era você? Diante das evidências ele não teve como negar e contou que tinha recolhido o cachorro, sim, e que o havia dado para a namorada que morava na rua tal e qual. O patrão, ríspido, mandou-o embora na hora, mostrando eficiência para o reclamante.

E o Zuza, bom pai, com o endereço na mão, dirigiu-se ao bairro onde estava localizada a casa, nos arredores da Av. Pedro II. Era uma casa meio enrustida, cheia de grades e cadeados, um verdadeiro mocó. Ele pensou, deve ser um rendez-vous. Mas, sem preconceitos, desceu do carro e tocou a campainha. Ninguém atendeu e ele insistiu, percebendo um olho muito pintado no visor da porta. Abriu-se a porta e o Zuza deu de cara com uma loura oxigenada, ofegante, que tinha visto nele um excelente pitéu cheio da grana, para um fim de tarde perdido, naquela segunda-feira chuvosa. Pois não, bonitão, disse ela. Educadíssimo, o Zuza respondeu: Minha senhora, estou procurando um cachorro assim/assado, aquele que o fulano deu para a namorada e que me pertence, pois ele... E contou a história. Ela o convidou para entrar e o Zuza viu o Yuri, como um reizinho, acomodado no colo de uma rapariga num confortável sofá lilás, na sala, com um lacinho de fita vermelho no pescoço.

A cafetina repetiu a história para a afilhada num tom mais dramático, procurando recompensa e enfatizando que o filhinho dele estava doente e desolado com a perda do seu cãozinho de estimação.

A jovem, pesarosa, entendeu a situação, devolveu o cachorro para o Zuza e acrescentou: O senhor sabe que ele é roncolho?

E a loura oxigenada ainda tentou alguma coisa, mas o Zuza só queria mesmo o cachorro. Assim, ele rumou com o Yuri, já sem o lacinho, para devolvê-lo ao seu domínio rústico do sítio em Santa Luzia.

Belo Horizonte, outubro de 2005.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

Para o Caio:

Enólogo é aquele que, diante do vinho, toma decisões.      

Enófilo é aquele que, diante das decisões, toma o vinho. Cronista do Sul