sábado, 29 de dezembro de 2012

A LUA NO FINAL DE 2012
Só poderia perceber uma lua tão exuberante e enigmática no final deste ano, já que vivo observando-a. Não passo uma noite sem dar uma olhada furtiva pra ela. É um tipo de fascinação, uma atração. Pode até ser uma paixão incontida, arcada pela fascinante claridade e pelos diversos mistérios que ela encerra.
Noite dessas - a de Natal -, da varanda da Toca, mais uma vez estive observando a lua nova, quando enxerguei um ponto brilhante bem ao lado dela, como se fosse um avião pedindo licença para pousar, ou mesmo um satélite dela própria. Fiquei perplexo, me sentei com o copo de cerveja bem cheio ao lado e fiquei observando. Os dois, lua e ponto de luz, movimentavam-se em translação, e a misteriosa luz ia se aproximando muito devagar. Será que haviam permitido o pouso? – indaguei.
Acompanhando o mistério lunar, entre nuvens e clarões de céu, de repente, a luz desapareceu atrás da lua. Felizmente desceram – pensei - sem qualquer clarão de fogo ou fumaça, o que significava ter sido um pouso seguro. Meno male.
Imediatamente comuniquei ao Zuza por telefone, que, muito criativo e crente da existência de outros seres no espaço retrucou: É uma nave espacial imensa, aguardando a liberação para o pouso. Só pode ser. Como uma luz tão grandiosa pode surgir do nada e se aproximar da lua? São os caras querendo descer na lua, pode ter certeza.
Imediatamente ele ligou para o Caio, sugerindo que ele comunicasse ou procurasse saber na redação do jornal Estado de Minas se havia alguma notícia sobre aquele fenômeno. Nada, nenhuma notícia a respeito.
Fui dormir com aquela bela imagem na cabeça e sonhei que era eu quem estava descendo na lua de paraquedas. Havia saltado da varandinha da Toca e estava alunissando num deserto inóspito cheio de crateras. Era naquela imagem bem conhecida do solo lunar. E ali fiquei. A princípio um pouco assustado, mas, maravilhado com o sucedido, fui me acostumando e já estava até me sentindo em casa quando acordei, suando a 32º, na minha cama na Toca. Decepcionado, fui para o computador para desvendar, no “Google sabe tudo”, o mistério da noite. E lá estava a explicação: era Júpiter, o maior planeta do sistema solar.  Vejam:

"A Lua 'caminha' no céu em direção a Júpiter, como consequência de sua translação em torno da Terra, até ocultá-lo, passando em sua frente. Dependendo do local na Terra, esse fenômeno poderá durar mais de uma hora. Será bem instigante vê-lo reaparecer no bordo iluminado da Lua", explica Jair Barroso, do Observatório Nacional.

Já, na Terra, tomei mais um gole de cerveja e voltei pra cama.
Belo Horizonte, dezembro/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Mantenha os seus olhos nas estrelas e seus pés na terra.
Theodore-Roosevelt

domingo, 23 de dezembro de 2012

O DIA DO FIM DO MUNDO
Todos nós acordamos, na manhã do dia 21 de dezembro, sentindo o fio da espada de Dâmocles no pescoço. Seria aquela manhã a última de nossas vidas? Passamos o dia olhando para o alto em busca de alguma coisa caindo: ou um planeta, um satélite, um disco-voador ou mesmo uma chuva ácida mortal.  Nada, só uma chuvinha boba no final da tarde, que não deu nem para molhar minhas plantinhas na varanda. 
No trabalho, fiquei observando a cara dos meus colegas para ver se não havia algum com as feições sendo transformadas num ser diabólico e destruidor. Também nada aconteceu. Todos continuaram com as mesmas características da personalidade de todo dia. Uns com a cara amarrada de sempre, outros desconfiados como de hábito, mais alguns, ainda, com aquela alegria descontraída de toda hora. Nada de novo no front!
Na nossa ida a Juiz de Fora, na terça-feira passada, vislumbramos até um fenômeno meteorológico diferente, que o Eurimar, também admirador de aviões, observou no céu ali pelos arredores de Barbacena: a aurora boreal tropical (V. foto acima. Desculpem a incompetência do fotógrafo e da câmera do meu celular, mas, se repararem bem, dá para notar um arco-íris horizontal numa camada de nuvens estratos). Ficamos cabreiros e paramos no acostamento para admirar a beleza matutina e surreal. O Antônio ao volante, o Cláudio de co-piloto e eu atrás com o Eurimar, fizemos algumas conjecturas sobre o dia do fim do mundo. Será que teríamos tido o privilégio de ver o começo do fim nos céus de Barbacena ou seríamos os únicos eleitos para permanecer na Terra e dar continuidade aos seres humanos? E com os bichos, como é que seria? Será que algum lobo-guará também teria enxergado o fenômeno? E os outros bichos das redondezas também teriam sido iluminados pelo feixe colorido e estariam também contaminados pelo seguimento da humanidade?
Mais tarde, num programa bastante esclarecedor na Globo News, fiquei sabendo da história analítica sobre o calendário maia. Aquele fim do mundo previsto, ou mal interpretado, dava fim a um período e começava outro quase que como no nosso calendário gregoriano. No próximo dia 31 de dezembro acaba um ano e no dia primeiro começa o outro. Simples não?
Belo Horizonte, dezembro 2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
“A vida não é uma prova, um degrau, um ensaio ou um prelúdio ao paraíso.
A vida é o que há, aqui e agora, o que você precisa. Fiz você livre. Não há prêmios, castigos, pecados ou virtudes. Você é absolutamente livre para fazer da sua vida um céu ou um inferno.”
Não posso dizer o que há após a vida, posso sugerir: viva como se não o houvesse.
Como se esta fosse a única chance de gozar, amar e existir.“
Baruch Spinoza



 .


sábado, 15 de dezembro de 2012

ENCHENTES EM BELO HORIZONTE

Certa noite recebi um telefonema do Celinho, meu cunhado, pedindo para socorrê-los na Rua São Paulo com Avenida Álvares Cabral, onde o carro em que estavam ele seus pais, Dr. Célio e dona. Santa havia sido levado pela correnteza abaixo. Imediatamente me dirigi ao local, encontrando os três sob a marquise de um prédio, debaixo de um guarda-chuva preto, ensopados e tremendo de frio. De lá mesmo, desolados com a cena, víamos o Simca Presidente preto entalado numa das muretas de um córrego que corria pela Rua São Paulo. Necessitados de um bom banho quente, levei-os imediatamente de volta para casa.
No dia seguinte, o carrão foi rebocado para uma oficina, onde permaneceu durante meses. Foi necessário até abrir o motor, que estava cheio de gravetos e folhas. A correnteza enchera o bloco do motor, entre os cilindros, válvulas, juntas, com um monte de plantas, terra, raízes, provocando um odor podre no belíssimo sedan quatro portas. Impossível de ser combatido o mau-cheiro, o carro acabou sendo vendido com a podridão entranhada no seu habitáculo.
Em outro tempo, deixei meu Karman-Ghia vermelho, zero km, num estacionamento em frente ao Aeroporto da Pampulha e viajei para o Rio a fim de acompanhar a gravação de um áudio com o locutor Sérgio Chapelin, para um cliente de BH. Era somente um pernoite, pois a gravação estava reservada para um estúdio às 21 horas, depois que o locutor terminasse o Jornal Nacional da Rede Globo. Ao retornar a BH, no dia seguinte, fui direto ao estacionamento e encontrei-o vazio. Fiquei gelado. Entreguei o comprovante a um rapaz, que me contou desconsolado: “Ih, doutor, caiu uma bruta tempestade ontem à noite, e a enxurrada carregou todos os carros que estavam dormindo aqui. Tá tudo espalhado aí pela praça. Tome aqui a sua chave e vá procurá-lo, por favor.” A Praça Bagatelle estava uma desolação. Barro acumulado por todo lado e alguns carros - uns vinte talvez -, sobre os passeios, trombados em árvores e muros, enfim, um caos. De longe, enxerguei o vermelhinho todo enlameado, mas, felizmente, sem nenhum amassado, pois estava na parte aberta da praça, sobre um daqueles canteiros. Passei um mês lavando o carro todos os dias, mas, sem sucesso. Acabei vendendo o carrinho, também, com cheiro e tudo.  Uma lástima!
Belo Horizonte, dezembro/2012.

                         
FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

O tempo que dura um minuto depende de que lado você está da porta do banheiro. Bob Hope


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

DOIS GÊNIOS
Lá se foram duas importantes personalidades da vida mundana internacional: um artista do desenho e dos projetos arquitetônicos, o grande, insuperável, Oscar Niemeyer, e o não menos artista, este, dos acordes e das melodias, Dave Brubeck.
Coincidentemente, e na mesma semana, um no Brasil e o outro nos Estados Unidos, distantes, mas, com uma ligação definitiva: o amor à vida e a dedicação à alegria e à felicidade dos seus semelhantes.
O primeiro, comunista convicto e radical, que projetou a maioria das construções públicas do Brasil e diversas mundo afora com um objetivo - exageradamente ressaltado pelos parentes e amigos, na solenidade do seu enterro - focado no conforto e na melhor qualidade de vida dos seus usuários. Ora, o arquiteto que não projetar uma casa, um apartamento, uma sala, um prédio que não pressuponham tais premissas, estará andando ao contrário da ordem natural das coisas. A maioria dos entrevistados, ao comentar a morte do mestre, procurou valorizar essa característica como a principal da obra do arquiteto. Que nada! O mestre Niemeyer inovou sim, dando às curvas uma importância maior que às retas, na sua visão de artista. Sem dúvida, ele foi o máximo ao projetar o nome do Brasil em todas as instâncias. Era um gênio mesmo.
Mutatis mutandi, expressão muito em voga hoje, com o julgamento do “mensalão”, data vênia - outra na ponta da língua de todos -, vamos ao genial Dave Brubeck.
Essa exdrúxula comparação entre os dois mestres apenas tenta mostrar como os conceitos sobre as pessoas depois de mortas ganham símbolos e características que não são o forte da sua obra.
Sobre o Brubeck, disseram ser o maior intérprete do jazz americano. Na minha opinião, ele foi, sim, um precursor ao sugerir, junto com Paul Desmond, também gênio do saxofone, o ritmo de 5/4, que veio inovar o tradicional 4/4. A música Take Five marcou o nome dos dois na rica história do ritmo americano. .
Niemeyer e Brubeck  legaram obras distintas e únicas na cultura internacional: a valorização da curva e a audácia na mudança do ritmo universal. Os dois foram gênios nas suas respectivas atividades. Tão díspares e tão próximos no engrandecimento da cultura para a humanidade.
Belo Horizonte, novembro/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A arte deve ser mentira verdadeira, não falsa verdade.
Jean Rostand

sábado, 1 de dezembro de 2012

O CENTENÁRIO DO GONZAGÃO, O LUA

Acostumados às pensões e apartamentos apertados, no Rio de Janeiro, Porto Alegre, Ijuí e São Paulo, minha irmã Lúcia e eu sempre nos surpreendíamos ao acordar numa casa grande, quando viemos morar com a vovó Augusta, em BH. E na nossa visão de criança a casa era ótima e muito grande mesmo. Cada um tinha o seu quartinho arrumado, onde ajeitávamos o uniforme do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, as enormes pastas pretas de couro, cheias de caderninhos com os para-casas, sempre corrigidos pela tia Marina e o tio Tonico. Vivíamos num ambiente agradável com galinhas no terreiro, diversas frutas no quintal e um jardim florido à frente da casa. Ô infância bendita!
Ao acordar, saíamos para o jardim para ajudar a vovó que, com um regador de lata, aguava as camélias, romãs, espadas de São Jorge, violetas e outras plantinhas inocentes que enfrentavam, sem qualquer poluição, uma vidinha pura e singela. Na vitrola do tio Zé, um único disco do Luiz Gonzaga ficava tocando a Asa branca de um lado e o Que nem jiló, do outro. Era um 78 rpm que o meu primo, o Comandante  Milton Hermeto, da Nacional Aerovias, havia trazido de uma de suas memoráveis viagens Brasil a fora.
A vitrola to tio Zé era moderníssima, rádio embaixo e, sob uma tampa, um toca-discos que reproduzia os pouquíssimos discos que havia na época. Lembro-me de que a vitrola emitia os sons através de umas agulhas de aço que, descobri, quando gastas, podiam ser substituídas por espinhos de uma das plantas do nosso jardim. E, assim, a música naquela casa era permanente, mesmo em qualquer emergência.
A Lúcia era uma graça, quando gostava de uma música a repetia sem parar. Também, naquela época era quase só o que se tinha pra cantar e, como não aguentávamos ficar calados, cantávamos todo dia, a toda hora, sem parar, a Asa Branca e o Que nem jiló.
Passaram-se os anos e o Gonzagão estaria completando cem anos, agora em 2012. No entanto, suas belíssimas canções nunca saíram do ar. O filho, apelidado Gonzaguinha, também deixou uma obra musical excelente, prematuramente interrompida.
O legado do Rei do Baião é enorme. Gravou mais de 200 discos (Lps) com umas 600 músicas, muitas delas com seu parceiro predileto, Humberto Teixeira. Em sua terra natal, Exu, no interior de Pernambuco, foi criado em volta da casa dele o Parque Asa Branca, que abriga o Museu do Gonzagão, principal atração do lugar, aonde milhares de visitantes acorrem para conhecer o gibão e o chapéu de couro, suas marcas registradas, bem como suas inúmeras sanfonas. No restaurante do Parque, os visitantes podem saborear o famoso “baião de dois” - comidinha preparada pela D. Raimunda, a cozinheira Mundica -, que ele consagrou como nome de uma de suas músicas. No quintal da casa, tem uma escola de dança com diversos alunos de todo o país, principalmente nordestinos, que querem aprender os verdadeiros passos do baião e receber lições de sanfona para, como o “Lua” dizia: “Não deixar o ronco da sanfona desaparecer.” E lá, no pé de um famoso juazeiro, que também ficou consagrado numa de suas músicas, O Pernambucano do Século, mantém a história viva para os milhões de apreciadores da grande obra musical de Luiz Gonzaga, o Gonzagão, o Lua. Um viva ao “Rei do Baião”, no seu centenário!
Belo Horizonte, novembro/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E  AFORISMOS
O poder que têm sobre nós as pessoas que amamos é quase sempre maior que o que temos sobre nós mesmos. (La Rochefoucauld, 1613-1680)




sexta-feira, 23 de novembro de 2012


A HORA DO BRASIL
Não a conheci pessoalmente. Só de ouvir dizer. E esse ouvir dizer, veio sempre acompanhado de um caso interessante ou uma curiosidade no comportamento, ou até mesmo de uma mania, mas sempre descritos destacando uma grande clarividência e uma inteligência privilegiada. O nome dela é Nora. E é só o que sei. Ou melhor, sei também que ela tem  um irmão que ela apresentava assim:  Ele se chama Vasington,  mas eles trata ele de Uóchito.
Lembrei-me dela hoje porque – agora, com mais tempo e até por interesse - passei a ouvir a Hora do Brasil, disponibilizada obrigatoriamente em todas as rádios do país, das dezenove às vinte horas.
A Nora, segundo seu patrão, meu amigo Aloísio, ouvia religiosamente a Hora do Brasil e os horários dela eram regulados pelo instante em que o programa descrevia no momento. Por exemplo, quando ele chegava em casa e perguntava a que horas seria servido o jantar, ela respondia: Tá na hora da Praça dos Três Poder... daqui a uns quinze minutos. Portanto, ela serviria o jantar às quinze para as oito. Isto porque o locutor da HB, na metade do programa, anunciava: Diretamente da Praça dos Três Poderes...
Lembro-me de que sempre brincávamos com os amigos, lançando o convite: “Dê um pulo lá em casa pra ouvir a Hora do Brasil”. Era um convite/piada para passar uma hora chatíssima, ouvindo as notícias do que havia ocorrido no Brasil, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, diariamente. Era o que pensávamos mesmo, até que passei a ter tempo e interesse pelo programa e me surpreendi.
Hoje, acho que todos deveríamos ouvir a Hora do Brasil. Não precisa ser um compromisso rigoroso de ouvir todo dia, não, mas, ouvir um resumo das notícias, relatando o que ocorreu nos três poderes da República. É muito instrutivo.
Por exemplo, o que o Ministério da Saúde tem feito como medidas preventivas para diversas doenças com as vacinações em massa, os diversos exames disponibilizados pelo SUS, como as sofisticadas mamografias e outros, com certeza, vem mudando a história deste país. Nos distantes rincões da pátria, lá estão médicos e enfermeiros cuidando da saúde da população. É de impressionar. Outro exemplo, o Ministério da Pesca, disponibilizando equipamento para pescadores individuais que acabam sendo responsáveis pela alimentação diária de enormes populações até então desassistidas.
E a gente só fica sabendo dessas coisas através de um noticiário sem manchetagens como assassinatos, desastres, etc. que são cobertos pelos maiores jornais impressos, rádio e televisivos do Brasil. Na verdade, só mostram as desgraças que são as responsáveis pelos maiores índices de audiência.
A Nora, com certeza, só dispunha de um pequeno rádio de pilha na cozinha para se distrair. Assim, devia acordar, ligar o radinho e só desligá-lo na hora de dormir. Ainda não é o meu caso, mas, quando chego à tarde na Toca, depois do dia trabalhado, sento-me para escrever e  ligo o rádio. Vou ouvindo músicas e entra no horário da HB. Antes, desligava-o logo e colocava um cd, mas, tendo ouvido uma vez por acaso, gostei e agora acompanho o noticiário até o fim.
Aliás, com a Nora não só aprendi a ouvir a Hora do Brasil, como também a ser objetivo e curto nas minhas respostas, sem a genialidade dela que, certa vez, perguntada sobre o que havia feito para o almoço, respondeu ao patrão: As pena tá no lixo. Deve ter sido um franguinho e tanto, pois além de inteligente, ela era ótima cozinheira.
Belo Horizonte, novembro de 2012.


FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
"Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem."
Millôr Fernandes




sábado, 17 de novembro de 2012


O CISNE BRANCO
Nessas manhãs de sábado, pré-almoço na casa da Sônia/Zuza, acontecem coisas inesperadas. Aboletados na varandona -  cervejas e vinhos à vontade -, nossa conversa versa sobre temas variados: política local, brasileira e internacional, casos de família, acontecimentos da semana, antigas histórias e aventuras, comentário sobre uma leitura atual ou sobre alguma obra já lida e por aí vai. E claro, cervejas e vinhos à vontade.
E como gostamos de aviões e mais bichos e máquinas aladas, Zuza e eu ficamos sempre olhando para o céu. A visão da varanda é magnífica, de 360 graus e por lá ficamos até tarde. Certa noite, por exemplo, assistimos, sem saber do que se tratava, ao acoplamento de uma nave à Estação Orbital Russa. Como vivemos buscando discos voadores, notamos uma pequena luz movimentando-se no escuro, muito rápida e com um trajeto certo, em direção a uma luz mais forte. Calados, seguimos a luzinha, que embarcou na luzona e se foram. Ficamos cabreiros com a visão sem fazer qualquer comentário. No dia seguinte, o Zuza me telefonou, dizendo que havia lido no jornal sobre o acoplamento das duas naves sobre o céu do Espírito Santo, e, pelos seus cálculos, localização exata do espetáculo a que assistimos.
Papeando  e tomando todas, vamos  apreciando os pequenos monomotores que saem para seus passeios sabáticos. Já conhecemos todos: um amarelinho às 12:15; um branco e azul e outro branco e vermelho, voando em direções opostas e nos mesmos horários. Também identificamos os diversos helicópteros: o dos Bombeiros; o da Rede Globo, o famoso Globocopter; o da Polícia Militar, alguns particulares e o de aluguel do Restaurante Raja Grill.
Observamos que, hoje em dia, a movimentação aérea sobre a cidade é mais leve. Há alguns anos, quando os aviões de carreira cortavam Belo Horizonte e existia um rádio-compasso na Serra do Curral, sabíamos de todas as suas origens e destinos: Rio, São Paulo, Vitória, Miami  ou o interior do estado.  E, imediamente, identificávamos os tipos e modelos dos equipamentos: Boeing 727 e 737, Airbus A, Cessnas, Mitsubichis, Brasílias, Bandeirantes, Bonanzas, etc. Um divertimento para dois aficcionados por aviação. E tome vinho e cerveja.
Ontem, céu nublado cinza claro, garoa fina, vi uma enorme ave branca com uns dois metros de envergadura, voando sobre os prédios do bairro Gutierrez. Gritei: Olha Zuza, que beleza! E ficamos estupefactos até que ela sumiu atrás do prédio à nossa frente. Observando a trajetória do voo, esperamos a saída dela do outro lado do prédio. Fiquei olhando para cima e não a vi surgir do outro lado, mas o Zuza a viu, um pouco mais abaixo, voando em direção ao Rio, segundo ele.
Discutimos atordoados com a visão repentina e concluímos consensualmente que, pelo porte, pernas longas pretas e pela plumagem branca brilhante, só poderia ser um cisne desgarrado de algum lago próximo e que estava perdido procurando um pouso seguro. Que visão maravilhosa! No ato, lembramo-nos do hino da Marinha Brasileira, “O Cisne Branco”. Cantamos em uníssono e o Zuza concluiu: Isto só pode ser coisa de Deus.
Aquela figura sinistra e bela no ar, lembrou-me daquelas ilustrações dos pterodátilos voando nos céus da era pré-histórica, nos livros de história do ginásio.
E tome mais cerveja e mais vinho!
Belo Horizonte, 10 de novembro de 2012.
Para os que gostam, segue a letra do lindo Hino da Marinha Brasileira, composto por, música: 1º. Sargento (Exército) Antonio Manoel do Espírito Santo e letra: 1º. Tenente (Marinha) Francisco Dias Ribeiro

L E T R A

Qual cisne branco que em noite de lua
Vai deslizando num lago azul.
O meu navio também flutua
Nos verdes mares de Norte a Sul.

Linda galera que em noite apagada
Vai navegando num mar imenso
Nos traz saudades da terra amada
Da Pátria minha em que tanto penso.

Qual linda garça que aí vai cruzando os ares
Vai navegando 
Sob um belo céu de anil
Minha galera 
Também vai cruzando os mares
Os verdes mares, 
Os mares verdes do Brasil.

Quanta alegria nos traz a volta
À nossa Pátria do coração
Dada por finda a nossa derrota
Temos cumprido nossa missão.



FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Já faz três dias que não falo com minha mulher.  É que não gosto
de interrompê-la.  Milton Berle (1908-2002)

sábado, 10 de novembro de 2012

OS FLAMBOYANTS DA RAJA GABAGLIA

Belo Horizonte amanheceu com uma cor insuperável, a dos flamboyants floridos deste início de Primavera. Lembro-me de que, homem crescido e vivido numa “selva de pedra”, slogan da cidade de São Paulo nos anos cinquenta, nunca havia me interessado por árvores, bichos, hortas, pomares, etc., porque, numa cidade metropolitana como aquela, nem essas palavras nem aqueles ambientes existiam ou eram acessíveis.
Numa tarde de primavera, há uns quarenta e tantos anos, na varanda da casa do Dr. Célio, comentei sobre a beleza daquela árvore no meio do jardim. Ele me explicou que era um flamboyant que florescia uma vez por ano e era sempre exuberante. Pensei, então, que por esse pouco tempo a gente teria que se encantar com toda a cidade porque a presença dessas flores a tornam maravilhosa. Os flamboyants são árvores grandes, troncos fortes e resistentes, com uma folhagem leve, filtrada e de flores brilhantes.
E hoje, na magnífica varanda da casa da Sônia/Zuza, na Raja Gabaglia, vimos a cidade flamboyanamente florida. Daquela varanda se enxerga tudo, desde o jardim do Ministério da Agricultura até a imponente Serra do Curral, sobre a qual já sugerimos uma semeação de árvores floríferas que fariam da cidade a mais linda do planeta. A Serra do Curral com flamboyants, quaresmeiras, ipês, paineiras e outras árvores típicas da flora mineira/brasileira seria uma atração turística única e um deslumbramento para nós que habitamos esta terra privilegiada.
Da varanda da minha Toca também vejo alguns flamboyants marcando a cidade, com alegria e vontade de viver.
BH, em dois de novembro de 2012, dia de finados.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMAS
“Passou a vida inteira correndo atrás de uma idéia, mas não conseguiu alcançá-la.” Agripino  Grieco



sábado, 3 de novembro de 2012

EDGARD MELO, O PIONEIRO

Em 1968, a convite do Ronald Andrade, passei a representar, em Belo Horizonte, a Randrade Propaganda, agência com sede, até então, no Rio de Janeiro. A experiência seria fascinante, pois o negócio da publicidade em terras mineiras ainda era um tanto precário e, para mim, totalmente desconhecido, embora gostasse dos resultados apresentados em anúncios para jornal, em spots de rádio e nos comerciais para TV.
Como acontece com qualquer negócio novo, o desafio era grande, mesmo porque os anunciantes mineiros conheciam pouco sobre os trabalhos da criação publicitária e, em BH, havia só uma agência montada como tal, a ASA Publicidade. Comentavam que o nome havia sido formado pela expressão After Six Agency, cujos proprietários, Edgard Melo e Hélio Faria, só se dedicavam a ela depois de cumpridos seus expedientes em outras empresas, onde trabalhavam em tempo integral. Assim, a ASA foi, realmente, a pioneira.
Representando a Randrade, passei a atender a dois clientes locais, já prospectados pelo Ronald: a Carbel, Revendedora VW, do nosso primo Luiz Flávio Pinto Coelho, e a Josué Irffi Jóias, que vendia pedras e cristais. Para tanto, o Luiz Flávio cedeu-nos uma mesa e uma cadeira, numa das salas da Carbel, e disponibilizou um telefone. Foi como comecei minha feliz e produtiva carreira publicitária, sempre sob a orientação do grande amigo e excelente professor Ronald. E, com muito entusiasmo, comecei a captar algumas empresas para a nossa, então vazia, carteira de clientes.
No corre-corre ditado pelo novo empreendimento, certa tarde entrei no Bemge, agência Praça Sete, a fim de pagar um título em nome da Randrade e sentei-me ao lado de alguns office-boys e de um jovem senhor de terno e gravata. O caixa ia citando os títulos que chegavam para pagamento e chamando os interessados, até que chamou, simultaneamente, os representantes da ASA e da Randrade para se dirigirem aos caixas. Levantei-me e ao meu lado surgiu o Edgard Melo, que era o tal jovem senhor de terno e gravata. Apresentamo-nos e, a partir dali, criamos uma boa relação de amizade, que durou até outro dia, quando infelizmente um daqueles “boys” da fila de espera do Bemge foi chamado para o andar de cima. Que Deus abençoe o amigo Edgard.
Roberto H. Brandão - Publicitário
Belo Horizonte, 28 de junho de 2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
O bom vinho não é o que os críticos e os entendidos enaltecem, nem aquele que custa os olhos da cara, nem o que todos bebem. O bom vinho é aquele de que gostamos, o que conseguimos comprar e, principalmente, o que bebemos em boa companhia! (De algum bom bebedor de vinhos, talvez do próprio Edgard mesmo)

sábado, 27 de outubro de 2012

OS CABELOS CACHEADOS  DE MARÍLIA EN LOS AÑOS CINQUENTA



É de você,  Marília,  que  me lembro sempre quando penso naquela formidável  São Paulo dos anos 50.  No velho ônibus Sumaré-Centro  você,  de saia xadrez até o joelho, blusinha branca, meias soquete, sapatos de salto baixo e o indispensável colecionador. Foi ali que vi o seu nome. Pois é, Marília, você não usava uniforme e só no inverno, aparecia com o blusão vermelho com o M de Mackenzie, estampado na frente. Sua roupa era típica de uma estudante daquela época gloriosa. Os jeans ainda não existiam como moda, era só uma roupa surrada e resistente dos eternos caubóis e trabalhadores americanos. Mas sobressaíam na sua figura seus cabelos cacheados, talvez a marca mais registrada de um período inesquecível da minha vida. 
Que tempo bom aquele não?
Porque el  tiempo pasa y nos vamos poniendo viejos.
Nunca conheci você,  nunca falei com você  mas sua lembrança é tão boa que talvez pudesse ter havido um namoro entre nós,  quem sabe?
El amor no lo reflejo, como ayer.
Você era tudo de que eu gostava.
Naquele tempo, contavam  muitos pontos a discrição, a serenidade, a candura da inocência e a simplicidade nos gestos. Você tinha tudo isso e mais o que vale até hoje: a  beleza, a elegância, a educação fina e os cabelos cacheados.
Que lindos cabelos Marília!
Y en cada conversación, cada beso, cada abrazo. Se impone siempre un pedazo de razón.
Nosso ônibus vencia a av. Dr. Arnaldo, descia a rua da Consolação e aproximava-se do nosso destino: o Colégio Mackenzie. Era uma trajeto curto, meia hora no máximo,
mas cheio de trejeitos, de indagações, de indecisões e daqueles inesquecíveis olhares dos anos cinquenta que naquele momento, mudamente,  só nós dois entendíamos.
No ponto de ônibus da rua Maranhão descíamos mas tomávamos rumos diferentes.  Você era aluna do Curso Clássico e eu, do Científico. Naquelas alas separadas talvez continuássemos a pensar um no outro. Por mim,  tenho certeza  de que sim pois ficava imaginando como você voltaria para casa. De ônibus? Ou talvez aceitasse alguma carona por mim indesejada? Nunca conferia, tinha  medo das  surpresas... 
Nunca vi você no recreio. Sozinho, comia  o meu cachorro-quente com Coca-Cola em meio a um turbilhão de conversas, perguntas,  marcação de programas, discussão sobre os resultados das provas e tudo o mais.  Naquele ano, por motivos justos, tomei bomba.
Y vamos viviendo, entre las horas que van murriendo, las viejas discusiones se van perdiendo entre las razones.
Mas me restava sempre o consolo de que, no dia seguinte às doze e trinta, nos encontraríamos novamente naquele velho ônibus vermelho e branco.
Porque el tiempo pasa y nos vamos...
PS. Em itálico, a letra da lindíssima música, Años , de Pablo Milanes, cubano de boa cepa.
Belo Horizonte, julho /1982

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Quando o vinho desce as palavras sobem. (Provérbio português)

sábado, 20 de outubro de 2012

La Veuve Joyeuse et moi
Pelo título, vocês já perceberam que acabei de sair do Palácio das Artes, depois de assistir, encantado, uma belíssima versão da Viúva Alegre, esta personagem que habitou  minha vida durante muitos anos, principalmente enquanto morava com o papai, verdadeiro apaixonado pela história e pela maravilhosa música, criadas pelo gênio de Franz Lehár.
Contar que fui assistir à peça é pouco, porque em alguns momentos derramei uma silenciosa lágrima, daquelas que só saem quando apertamos o coração para arrancar lá do fundo um choro contido pelo tempo e pelas barreiras dos sentimentos represados.
E aquela lágrima veio trazendo as boas lembranças de um momento único e feliz  quando numa noite, a Lúcia e eu, em pleno rock`n roll, ouvimos do papai, quando chegou, o único pedido jamais feito a nós, para tocar uma música. Disse ele: “Por favor, meninos, estou com muita vontade de ouvir A Viúva Alegre. Vamos ouvi-la?”
Interrompemos a cantoria e, na velha vitrola do nosso apartamento da Rua Teodoro Sampaio, em São Paulo, rodamos o disco para ele que, assentou-se no sofá em frente e, com os olhos cheios d`água ouviu a peça até o final. Em completo silêncio!
Para nós, foi uma oportunidade única, pois, pudemos compartilhar com ele, de um instante de total desligamento da vida dos micróbios e das bactérias, para render-se à beleza da música que tanto amava.  
E hoje, na platéia do teatro senti as almas deles ali presentes, a dele e a da Lúcia juntas comigo, a cada hora em que la Veuve Joyeuse aparecia no palco. Foi delicioso o nosso encontro.
Reparem que estou insistindo no nome em francês, pois a peça cantada em português foi  o único incômodo que senti durante todo o espetáculo. A tradução para o português, embora ótima e tendo sido versada pelo insuperável Millôr Fernandes, desviou minha concentração para  procurar entender os diálogos cantados e ofuscou minha atenção quanto aos lindíssimos figurinos, os comportados cenários em art-deco ressaltados por uma iluminação perfeita, os figurinos bem cortados, os excelentes solistas, o Coral Lírico de Minas Gerais e o Ballet Jovem do Palácio das Artes, todos muito bem interpretados sob a regência firme  do maestro Silvio Viegas à frente da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, afinadíssimos com a grandiosidade do espetáculo.
Parabéns e muito obrigado à direção da Fundação Clóvis Salgado.
Não percam.
Belo Horizonte, outubro de 2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
A fidelidade devia ser facultativa. Nelson Rodrigues (1912-1980)





sábado, 13 de outubro de 2012

AMEAÇA DE MORTE
Numa manhã, estava quase saindo para trabalhar quando recebi um telefonema muito estranho: Se meu pai morrer, você também morre. Ameaçou e desligou. Fiquei gelado, pois, não sabia do que se tratava. A gente sempre tem alguma cisma sobre uma resposta mal dada, uma reação mais intempestiva, alguma coisa que poderia ter feito pela  vidanessas aventuras por caminhos tão diversos e muitas vezes perigosos, onde tudo pode acontecer.
Na época, respondia pela gerência de marketing da Metrobel, empresa criticada diariamente pela mídia impressa, falada, televisada e combatida por toda a população da cidade, fossem pedestres, motoristas, carroceiros, biciclistas, carroceiros, transportadores, enfim, todos eram contra a Metrobel, cujo presidente sempre afirmava, para nos tranquilizar: “Não se preocupem, a realidade vai se impor”.
Na verdade, as intervenções na vida dos belo-horizontinos eram intensas, as rotinas de todos aqueles grupos eram quebradas, pois as ruas tinham suas mãos trocadas, os quarteirões eram fechados, mudavam-se os trajetos percorridos durante décadas nos  caminhos para o trabalho, para as escolas, para os programas de fins de semana, enfim, tudo foi revirado. E com a melhor e a mais profissional das intenções. Se aquelas mudanças não houvessem ocorrido naquela época, talvez, hoje, nem conseguíssemos sair de nossas casas a pé, de carro ou de qualquer outra forma. Só pelo ar, quem sabe?
Assim, com aquela duríssima missão de explicar à população que estávamos fazendo o melhor, que os afetados no momento deveriam ser pacientes, pois os benefícios viriam um dia, fui para o trabalho só que, agora, ameaçado de morte. Será que algum morador da cidade teria sido atropelado numa das vias que havíamos mexido? Ou seria um acidente de carro com feridos? Ou ainda, um filho cujo pai saiu para trabalhar e não voltou mais?
Segui, então, para o trabalho, estacionei na minha vaga, no prédio da Av. Getúlio Vargas, onde estava localizada a empresa, e saí pelo portão da garagem meio disfarçado, de chapéu, óculos escuros, me escondendo nas vitrines da Importadora Chen, até entrar no prédio. Será que havia alguém escondido esperando para me plantar uma bala na testa? Que horror! Cumprimentei os porteiros, tomei o primeiro elevador, e me meti na minha sala, fechando a porta, o que nunca fazia. Logo que me assentei, o telefone tocou: Estamos lhe avisando que, se o nosso pai morrer, o senhor morre também. Agora, a ameaça era em nome coletivo.
Pedi ao chefe de gabinete para agendar com urgência um horário para eu falar com o presidente. Contei-lhe, então, o ocorrido e o chefão, sempre muito esclarecido e objetivo, disse: Acho que isto não tem nada a ver com a Metrobel, Roberto. Não houve nenhum acidente recente que pudesse gerar uma reação dessas. Pense bem, deve ser alguma coisa relativa à sua vida particular. Se alguém quisesse se vingar da Metrobel pelas nossas intervenções, o alvo seria eu, é lógico. Concordei que a ameaça poderia ter a ver comigo mesmo.
Aí, me lembrei do ocorrido uma semana antes, quando meu caseiro, em Santa Luzia, havia baleado o vizinho que o estava ameaçando por ter mexido com a mulher dele. Só podia ser isso, mas sobrar pra mim por quê? Fui analisando a situação e concluí que era essa a razão das ameaças. À noite, em casa, mais uma ameaça e, na manhã seguinte, quando recebi outro telefonema, gritei no telefone: Quem é você? O que eu fiz pro seu pai? Aí, a voz respondeu: Se o senhor defender aquele sujeito que atirou no meu pai e ele morrer, o senhor morre também. Mas... - tentei prosseguir a conversa, inutilmente. Aí, matei a charada. Era mesmo a família do baleado.
O que houve foi o seguinte: ao saber do acontecido, fui à Delegacia de Polícia de Santa Luzia para conversar com o meu empregado sobre o ocorrido, inclusive sua prisão. Logo, a autoridade policial me indagou:
- Quem é o senhor?
- Sou o patrão, ele é meu caseiro aqui em SL.
- Só que agora ele está preso e a única pessoa que pode conversar com ele é um advogado, pois, qualquer coisa que ele falar será considerado como um depoimento. -- - Pois é, policial, mas eu sou advogado - e mostrei-lhe minha carteira da OAB.
Ele sorriu e falou:
- Ah! Doutor, o senhor devia ter falado logo. Pode entrar sim.
Na verdade, a notícia correu como um rastilho de pólvora em Santa Luzia, de que o advogado do caseiro havia se apresentado à policia para defendê-lo. Mas, eu não tinha a menor intenção em defender nem ele nem ninguém, pois, minha única atuação na área criminal havia acontecido para libertar o filho da empregada de um vizinho nosso, preso na Delegacia de Contagem, onde, de bicicleta, havia atropelado uma senhora, deixando-a com pequenas escoriações. No caso, senti que era um processo muito simples, combinei com a vítima de que o réu custearia seu tratamento e, imediatamente, soltaram o rapaz, mediante o pagamento das despesas do pronto socorro numa farmácia, com uma nota de dez cruzeiros. Assim, entreguei o jovem com a bicicleta na casa do vizinho e, na hora do almoço, recebi uma galinha assada, pelos meus honorários. Aquela foi a primeira e única paga pelo meu trabalho como advogado na área criminal. E valeu a pena, sem qualquer trocadilho, pois a galinha assada estava ótima, temperinho caseiro, com arroz e feijão, uma delícia.
Voltando às ameaças de morte e descoberta a origem do engano da família pedi ao tio Dirceu, patrão do baleado, que me levasse até à família dele para os devidos esclarecimentos. Como sempre, o tio Dirceu, cordial e atenciosamente, marcou um encontro com a família da vítima no quarto do Hospital das Clínicas, onde ele estava internado para tratamento e lá fui eu, corajosamente amparado pelo tio Dirceu, dar as explicações necessárias. Disse a eles que somente havia sido autorizado a conversar com meu empregado devido à minha condição de advogado e que não tinha a menor intenção de defendê-lo. Deixei claro que era contra qualquer tipo de violência, que cada um era responsável pelos seus atos, enfim, que o problema era dele, etc. e tal e que, por favor, parassem com aquelas ameaças infundadas. Muito desconfiados, se entreolharam e se deram por satisfeitos com minhas explicações, que eram verdadeiras, e suspenderam as ameaças. Sorrimos todos pelo final feliz, apertei a única mão disponível do acidentado, desejando-lhe melhoras e saí aliviado. Sorte minha que a vítima não faleceu como consequência daquele tiroteio. Ele ainda trabalhou mais alguns anos e soube que morreu um tempo depois de morte morrida. Graças...
O caseiro era, realmente, uma figura sinistra. Tomei conhecimento dele através de um pequeno anúncio no Estado de Minas que informava sobre alguém procurando emprego como caseiro, com tais e quais referências. Telefonei para o número indicado e certo deputado estadual paulista, seu antigo patrão, deu-me as melhores referências. Contou-me que ele era um senhor cheio de histórias, havia se alistado como voluntário para o exército americano durante a guerra da Coréia; que havia trabalhado na África, como vendedor de armas; e que acabou como domador de um circo, que veio fazer umas apresentações no Brasil, onde ele ficou; que foi empregado dele durante muitos anos e só o dispensou porque vendeu o sítio e, na época, ele decidiu mudar-se para Minas, onde talvez tivesse algum parente vivo.
Como consequência de tão desagradável episódio, desisti da tentativa de adaptar-me à vida simples no campo, vendi a casinha, e comprei um apartamento no Rio para ficar o mais longe possível de tatuzinhos, aranhas, minhocas e tentativas de assassinato.
Belo Horizonte, outubro de 2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
No importa tan lento vayas, lo importante es nunca detenerse.

sábado, 6 de outubro de 2012

MEMÓRIAS DE SANTA LUZIA
Sem dúvida, o Zuza foi um dos maiores frequentadores da Fazenda Boa Esperança, em Santa Luzia. Desde que começou o namoro com a Sônia, e na companhia do Dr. Célio, passou a desfrutar daquela saudável vida no campo, pelo menos uma vez por semana, aos sábados e domingos. Pouco tempo depois, construiu uma casa à beira do Rio das Velhas e lá montou um sítio da melhor qualidade: piscina, quadra de peteca/vôlei/futebol de salão, mesa de sinuca e pingue-pongue, churrasqueira, enfim, tudo que se quer para um fim-de-semana completo. E assim, foi convivendo com as mudanças crescentes e inevitáveis de uma fazenda tão grande, com tantos proprietários e com tantos episódios vivenciados e registrados na memória, como esse que ele me relatou recentemente.
Num daqueles sábados de lazer, Zuza pegou a Yamaha 125 CC resolveu dar uma volta para visitar os vizinhos: o Luiz Pinto Coelho e a tia Elza no laranjal que haviam plantado; o Celso Renato e os irmãos, no Catitu, onde cuidavam de alguns bois e vacas; o Francisquinho e o Dr. Célio, com a criação de cavalos Mangalarga, no Zé Dias; e o tio Dirceu, na terra dele entre a Carreira Comprida e aquele frondoso pé de Jatobá, onde encontrou tia Almerinda preparando um arroz doce no fogão de lenha, mexendo sem parar e colocando mais água fora do que dentro da panelona.
Hei, tia, tudo bem? Cadê o tio Dirceu? Ela respondeu: Ele saiu sozinho, Zuza, e foi andar por aí, nem sei aonde. - Tá legal, tia, depois eu volto pra experimentar do seu arroz doce. Nem desligou a moto e continuou seu passeio.
Viu uns meninos pescando num riacho perto da cerca do  Catitu e, naquele sobe e desce morro, viu o carro do tio Dirceu estacionado à beira do rio. Lá de longe, ouviu o barulho de um motorzinho roncando: tototó, tototó, tototó... Desceu da moto e caminhou na direção do som e viu uma careca brilhando no sol quente de janeiro. Era o tio Dirceu, com uma bateia, catando ouro no jorro d`água, que saía do cano ligado no motor e enfiado no rio. Ele ficou observando até descer para saber o quê o tio Dirceu fazia ali, a quem cumprimentou e perguntou:
- O que é que o senhor tá catando aí, tio?
- Tô catando nada. Aquela draga que passou por aqui já tirou todo o ouro do rio.
- Mas, nada mesmo, tio?
Ele respondeu, desolado:
- Nada, Zuza, só uma poeirinha de ouro que vou levar pra Almerinda. Aqui, agora, só tem areia e cascalho. Mas, da próxima vez, vou trazer um caminhão e, aí, levo tudo!
Zuza montou na moto e continuou seu passeio solitário pela fazenda.
Belo Horizonte, setembro/2012.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Foi perguntado a um bispo de Sevilha o porquê de sua boa saúde em idade tão avançada. A resposta: - “ Desfruto de boa saúde nessa idade pois todo dia, desde que consigo me lembrar, consumi uma garrafa de vinho. Exceto nos dias em que não me sentia muito bem. Nesses, consumia duas ...”

HEBE CAMARGO NOS ANOS 1950

Quando morávamos em São Paulo, de 1949 até 1959, papai era professor da Faculdade de Higiene e Saúde Pública, que ficava a meia quadra lá de casa, como dizem os paulistas. E como o nosso prédio não tinha garagem, o poderoso Mercury verde escuro 1950 ou dormia na rua Arruda Alvim, na porta do prédio, ou na garagem da Faculdade.
Geralmente ficava lá mesmo, junto com outros carros de professores que também moravam por perto. No entanto, num belo dia, a garagem foi requisitada pois seria ali realizada uma festa de fim de ano, e, naquele lugar, seria montado um palco para algumas apresentações de palhaços e cantores.
A Lúcia e eu nos entusiasmamos porque haveria música ao vivo e nós adorávamos ouvir música. Lembro-me de que ouvíamos à noite uma rádio americana WABC – AM &FM of New York, de onde tirávamos as letras das músicas que gostávamos de cantar: Blue Moon, You send me, You belong to me, Nevertheless, All shook up, Bim-bom-bey, Kisses sweeter than wine e tantas outras. Ela as organizava em ordem alfabética num caderninho, e eu marcava os acordes de violão em cima de cada mudança harmônica.
Nos divertíamos muito com isto. O programa era levado da meia-noite às duas da madrugada.
E no dia da festa da faculdade, lá fomos nós para nos assentarmos na primeira fila.
Quando foi anunciada a nova cantora que faria um dos números era, nada mais, nada  menos do que a menina de 20 anos Hebe Camargo. Com um vestidinho branco rodado com a saia pregueada, ela apresentou-se, muito graciosa cantando alguns de seus sucessos: Que beijinho doce e Meu limão, meu limoeiro. Eram músicas de roda, de brincadeiras de crianças pois, na época, aqui no sudeste, não havia compositores. Já no nordeste vinham despontando algumas músicas de Dorival Caymmi e Luis Gonzaga. E era só!
Esta lembrança é uma pequena homenagem à grande dama da televisão brasileira de todos os tempos.
BH, setembro, 2012.



sábado, 29 de setembro de 2012

MEU FILHO PEDRO NA ANTÁRTIDA

O Pedro resolveu promover uma pescaria na Antártida.
Ponderei: Pedrão, você não acha que lá é muito gelado, que talvez não consiga pescar
nada? Aquela parte do planeta é congelada, sem graça nenhuma.
E ele: Bobagem, pai, vou pescar muito peixe e ainda trazer umas centoyas pra você cozinhar pra nós. Adoro aquele carangueijão.
Com alguém decidido não adianta argumentar, ainda mais com quem tem uma personalidade tão forte. Vá lá e me conte depois.
Reuniu a tripulação de bordo e singrou os mares do Sul para chegar à gelada Antártida.
Soube que no caminho pegaram uma forte tempestade no Cabo de Santa Catarina onde se encontram as correntes do hemisfério sul com as do norte e, naquele ponto, os barcos jogam muito. Viram pequenos botes a entrentar a fúria dos mares revoltos. Passaram ilesos. Sei que nada os assusta, pois estão acostumados às grandes aventuras marítimas quando já passaram por apertos enormes e se saíram muito bem em todas as ocasiões.
No entanto, outro dia, recebi por e-mail um SOS dele com a foto do barco ilustrando a seguinte mensagem:
Papai, aportamos para almoçar em Ushuaia, que é um departamento da província da Terra do fogo, na Argentina e, quando voltamos, o meu barco estava nas condições retratadas. Pode ajudar-me?
Um abraço, Pedro e Cia.
Recomendei a ele que rezasse no corcovado gelado e pegasse um trem na volta.
Foi o que ele fez e ainda mandou as fotos, que ficaram ótimas.
Belo Horizonte, setembro/2012



 FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS

O poder é a mais afrodisíaca das virtudes. Nelson Rodrigues



sábado, 22 de setembro de 2012


TABELUIAS EM FLOR
Vejam que lindo tabeluia vellosoi pode ser visto da varanda da casa da Sônia/Zuza, na Raja Gabaglia. Estou falando de um frondoso ipê amarelo. No final do inverno e início da primavera, abre-se esta rápida temporada de rejuvenescimento da florida Belo Horizonte, com seus inúmeros tabeluias brancos, rosas amarelos e roxos, exuberantes por toda a cidade. Daquela varanda, já cogitamos que se tivéssemos um prefeito arrojado e amante de flores, poderia semear a belíssima Serra do Curral com milhares de ipês de todas as cores. Ele seria um verdadeiro herói municipal e com certeza eleito ad-infinitum por tamanha ousadia.
Na foto, um tanto bloqueada pelo frondoso jardim do Ministério da Agricultura, vê-se a base da Serra Curral, fiel barreira de furacões e tempestades da nossa aconchegante Belo Horizonte.
Aqui mesmo, em frente da Epamig, onde trabalho, também um tabeluia amarelo já está cobrindo o chão com seu tapete de sementes e flores. Um espetáculo lindíssimo.
Nesta época exuberante de flores e cores, a vontade é de sentar-me em frente de uma delas, traçar-lhe os contornos e buscar a cor correta para pintar uma tela de beleza a ser visualizada o ano todo, para não me esquecer dessa visão de paraíso que os ipês sugerem.
Avanti, prefeito a ser eleito em outubro, assuma a tarefa de encantar nossa Belo Horizonte com ipês na Serra do Curral e transformá-la, também, num belo nascente. Com certeza, esta se tornaria a cidade mais linda do mundo.
Em São Francisco, na Califórnia, já conseguiram montar uma rua de flores, a Lombard Street; mas, uma cidade de flores seria só aqui mesmo, no sopé da Serra do Curral. Vamos levantar esta bandeira?
Em Belo Horizonte, 22/09/2012, na primavera.

FRASES, PENSAMENTOS E AFORISMOS
Há quem acredite que o vinho mata lentamente.
Não importa, não estou com pressa.